sábado, 28 de agosto de 2010

o Centro de Mídia Independente Brasileiro


O CMI-Brasil faz parte da rede de Centros de Mídia Independente (indymedia) que tem como mecanismos mais visíveis sites de noticias. A rede é mundial, está presente em todos os continentes. Cada centro é autônomo. Mesmo assim, eles colaboram entre si e compartilham elementos: são abertamente anti-estatais, anti-corporativos, prometem fazer coberturas contra-midiáticas, os membros não são profissionais, e mais que comunicadores são ativistas.

O CMI-Brasil é um caso particular. Os temas das matérias dizem respeito principalmente a questões brasileiras, mesmo que haja espaço para a América do Sul e Latina e, em tamanho reduzido, para questões globais. O localismo do CMI-Brasil aponta sua potência; seu foco é os pobres brasileiros, que ou são representados nas notícias ou produzem suas próprias notícias. Esses pobres são os movimentos de luta e resistência.

O que eu realmente gostaria de salientar, é a negação pelo CMI da pauta midiática majoritária brasileira. Não foi publicada nenhuma matéria sobre os presidenciáveis no site nos últimos meses; como também nenhuma pesquisa de opinião ou estatísticas sobre as eleições, e nem será publicado. O CMI abertamente nega esse lado da política: a política dos gabinetes, das instituições, dos poucos que agem sobre os muitos.

A proximidade com o “tema eleições” apenas pode ser contemplada numa matéria do dia 23 de agosto que faz campanha contra a representação do Estado, na qual é dito: "queremos que a responsabilidade do governo não seja exclusiva de um grupo, que não haja dirigentes profissionais.”

No entanto, a negação da pauta midiática majoritária é realizada em parte, pois o CMI é divido em dois tipos de publicação, uma feita por seus membros (ou proposta a partir de textos principalmente de movimentos sociais), e outra por qualquer um mediante sistema de publicação aberta.

Os membros seguem rigorosamente a política editorial do CMI, política mais que razoável, criada a partir de posicionamento ético e que concerne aos temas antes expostos. Já a publicação aberta, que deveria ser o grande trunfo do CMI, por permitir que qualquer um se torne produtor, traz uma multiplicidade de assuntos, e parte, não insignificante, gira em torno das questões eleitorais.

Ou seja, a criatividade do CMI de escapar da pauta midiática, da grande política, é impedida exatamente em seu mecanismo mais importante. Digo criatividade, pois esse discurso sobre as eleições é corrente, faz parte das opiniões, é um discurso dominante, que ao ser rompido produz um contra-discurso poderoso que concerne a uma outra política.

Global Brasil

A revista Global Brasil surgiu a partir dos Fóruns Sociais e busca fazer um apanhado das lutas da multidão, tanto globais, quanto da América Latina e do Brasil. Em suas doze edições (a última é deste ano) estiveram presentes teóricos firmados ligados às resistências, entre eles: Giuseppe Cocco (autor de MundoBraz, companheiro de escrita de Antonio Negri), Suely Rolnik (que escreveu com Félix Guattari, Cartografia do Desejo), Ivana Bentes, Cezar Altamira, Fábio Malini. Também teóricos renomados mundialmente colaboram com a revista como Antonio Negri, Michael Hardt e Paolo Virno.

É interessante notar que são correntes na Global conceitos criados por Antonio Negri, como: multidão e Império, biopoder e biopolitica, produção do comum, projeto de democracia, entre outros. Assim poderíamos dizer que a revista assume para si uma posição Negriana.

Os temas da Global centram-se na luta da multidão, por democracia, fim das desigualdades, por direitos. O grande tema seria pensar nas possibilidades de abertura dos governos, fazendo com que eles expressem a multidão e não a represente.

A expressão da multidão a coloca em um espaço ativo, fazendo com que o Estado, como governo de poucos sobre muitos, se abra em rede a inúmeras singularidades, descentrando o poder. Por compactuar com o projeto Negriano, a revista também discute a possibilidade de governança que produza alternativa à dependência ao mercado global mundial do Império.

A Global percebe na emergência de governos de esquerda na America do Sul uma mudança que poderia abrir um campo de possíveis para a radicalização democrática; mas lúcida não se alia a partidos, ao Estado, máquina representativa, muito menos a corporações e sua falsa representatividade.

O caso do Brasil é central nas discussões. Um tema resume o posicionamento da revista, o Bolsa Família, que é exposto em inúmeras edições. Este, como em projetos parecidos na Europa e América do Norte, garante renda para os pobres. A existência do Bolsa Família significa que todos são produtivos, que a vida é levada a produzir e assim sofre capturas. Essa vida seria valorizada financeiramente.

Também a pobreza como tema se alia a um outro tipo de relação com a pobreza na Global, pois esta não tem os pobres apenas como conteúdo, mas dá espaço para eles se exporem. Na última edição, inúmeros artigos e manifestos de movimentos discutem as condições de vida nas favelas e seu enfrentamento com certas políticas públicas (a maioria); estas veem os "favelados" como vidas que não merecem ser vividas, como estorvo, como resquícios pré-modernos.

A última edição da Global Brasil está disponível aqui. Os outros números podem ser baixados aqui.

domingo, 22 de agosto de 2010

produção e captura nas mídias

É difícil não buscar informações nas grandes mídias, talvez por hábito. Elas fazem seu serviço, nos dão informações sobre o presente, no entanto o presente que elas representam é o das instituições, do mercado, da política dos gabinetes, e quando as mídias olham para as ruas, o que veem é a violência que deve ser controlada pela polícia: o crime ou os movimentos da multidão. O consumo é louvado, o Estado posto em posição de destaque, já os pobres devem ser eliminados, em políticas públicas ou em seu próprio discurso.

É difícil não estar conectado com as grandes mídias, mas cada vez é mais fácil. Segundo Fabio Malini, essas mídias perdem sua hegemonia, pois a multidão sabe, e muito bem, que não dá para confiar nelas. Essa crítica feita pela multidão expõe sua sabedoria. A negação das mídias é clara no desenvolvimento acentuado de canais alternativos. Quem quer informação busca em fóruns, blogs, sites, as grandes mídias são apenas mais um canal possível de informação, que todos têm com desconfiança.

Interessante, pois esse movimento de resistência contra as grandes mídias, essa resistência primária que simboliza um não, é conjunto a outro, pois esses que buscam informações, também criam informações. Esse segundo gesto aponta a positividade da multidão. Um dos aspectos do pós-fordismo é que os tempos de produção e re-produção se confundem: estamos sempre produzindo, a qualquer momento e lugar. Assim sofremos explorações em toda vida, mas também nela resistimos.

Os blogs, os sites, as redes de comunicação, são feitos a partir do desejo de produção que escapa das valorações capitalistas. A internet é o meio para a criação de linguagens, idéias, informação, comunicação, e assim de relações, afetos, sociabilidades, características do trabalho hegemônico do pós-fordismo, o imaterial.

Produzir na internet exige, além do desejo de comunicar, não muito, um computador e uma conexão, e conhecimento mínimo de informática e da língua. O acesso hoje é quase para todos; qualquer um pode pagar alguns reais para uma lan house. O resto só não é possível, mesmo no Brasil, para uma minoria.

Os mecanismos mais importantes da internet são os agenciamentos entre a busca e produção de informação diferencial. Locais em que a dicotomia emissão e recepção é visivelmente esmaecida, como nas publicações abertas. Exemplo é a Wikipédia: projeto colaborativo, sem fins lucrativos, que é centrado em um desejo por conhecimento. Ali a produção é aberta e colaborativa. Aberta, pois qualquer um pode publicar; colaborativa, pois após a publicação ela sofre controle por parte da multidão que complementa, sinaliza, exclui – isso pode ser visto nos comentários que acompanham cada verbete.

Essa é outra característica da produção atual: ela é feita em redes de colaboração e comunicação. Aliás, a multidão conceituada por Negri e Hardt é uma rede de singularidades que agem em comum: rede que deseja outra realidade, inteligente, não centrada em individuo soberano, como o povo.

Interessante que a Wikipédia funciona e muito bem. As informações são mais que eficientes para um tipo de pesquisa rápida e direta. É claro que a Wikipédia é o lado positivo da internet, o lado negativo são os bancos de dados, feitos para poucos, para aqueles que só podem os usar mediante relações financeiras: jornais, revistas, produtos como filmes, softwares, músicas, livros, ou mesmo os grandes portais que têm como fim o lucro: como no caso da TV e do rádio, se tem acesso, pois a publicidade paga.

Assim há dois movimentos: a captura pela lógica do lucro, pelos capitalistas; a fuga para todos os lados da multidão. Um é o poder da vida, a produção, a criação, o desejo, outro o poder sobre a vida, a captura do desejo pelo mercado.

os movimentos por outra globalização hoje

Tenho encontrado cada vez mais trabalhos acadêmicos sobre os movimentos antiglobalização, principalmente aqueles situados entre Seattle 1999 e Gênova 2001. Estes acontecimentos seriam algo como o 1968 contemporâneo, nos quais lutas em rede, a partir de multiplicidades de singularidades agindo em comum, se insurgiram contra o Império (este também em rede) e seu capitalismo mundial.

Essas lutas entraram em crise em Gênova, passando para uma nova fase nos Fóruns Sociais Mundiais. Também em 2003 protestos em todo o globo contra a guerra manifestaram a expressão da multidão. Porém a ressaca pós-11/9 já havia capturado os movimentos: ficou difícil de se locomover pelo mundo atrás de manifestos após a queda das torres gêmeas: um estado policial se impôs contra manifestações, e boa parte dos grupos preferiu dar atenção às questões da guerra, deixando a luta contra o capitalismo na geladeira. Por fim a guerra proclamada por Bush foi um choque para aqueles que desejavam paz, liberdade e democracia imanente absoluta.

Depois disso, acontecimentos de grande impacto não mais seriam realizados. Muitas singularidades simplesmente desapareceram, e o Fórum Social que já representava o fim das práticas de ação direta deixa de ser alternativa. Bem, essa é a história que ficou para trás, e que está sendo contada.

No entanto, ainda há a presença de multidões que resistem em cada encontro de líderes da ordem mundial. Os dois exemplos mais significativos da realidade imediata foram o último G20 no Canadá que permitiu manifestos com mais de vinte mil pessoas, e o acontecimento de maior porte, que fez com que fosse reavivado o imaginário das lutas de Seattle, a COP-15. Nesta, 100 mil pessoas lutaram abaixo da repressão em peso da polícia em Copenhagen, e mais, também aconteceram manifestos globais maciços, principalmente na Inglaterra e na Austrália, ambos com mais ou menos 50 mil pessoas.

Seattle abriu um campo de possíveis que continua a ser atualizado. As formas de luta, de criação de espaço comum, os discursos, a multiplicidade de singularidades, sujeitos, dispositivos, táticas, presentes na COP 15 em boa parte devem à Seattle. Pelo menos se aprendeu muito com aqueles dias de ação global.

Descendo para o empírico, alguns grupos que estiveram presentes em Seattle e Gênova ainda estão ativos nos dias de hoje. Um deles é o Reclaim the Streets (RTS), coletivo inglês que toma as ruas em carnavais contra o capitalismo. Parece que não há mais interesse pelo RTS na luta contra o capitalismo através do choque direto ao Império nas reuniões de seus líderes; mas continua organizando suas festas. O último encontro do RTS foi em Londres em um squat. O papel significativo do RTS nas lutas globais foi exposto no livro Urgência das Ruas.

Outro grupo é o Black Bloc. Este é o lado mais violento dos movimentos de resistência. Destrói propriedade privada ligada a grandes corporações. Entra em conflito com a polícia. Os Black Blocs são abertos, qualquer um pode fazer parte. Não é um grupo específico, mas uma tática de ação direta.

Os Black Blocs causam controvérsia, pois muitos os consideram como deslegitimadores de manifestações, isso aconteceu tanto em Genova quanto na COP-15. Antonio Negri diz que os Black Blocs são facas de dois gumes, pois secciona os movimentos, mas atraem a atenção das mídias.

Seria importante um mapeamento das continuidades de Seattle e das novas linhas de força atuais. Se as características mais importantes de Seattle eram a rede de singularidades que agem em comum, aberta, que busca a atualização de democracia em espaço local, as práticas de ação direta, a luta comum contra o inimigo global, o capitalismo mundial, vemos que a COP-15 foi manifestação de ordem parecida com aqueles movimentos da virada do século. Um grupo se formou em Copenhagen com essas características, o Climate Justice Action.

Este é uma reunião descentrada, com a forma de rede, de inúmeras singularidades de todo o mundo, também do Brasil. Após a COP 15 o Climate Action continua firme fazendo suas ações; já aconteceram diversas esse ano e agora há a preparação para a nova conferência do clima em Cancún.

domingo, 15 de agosto de 2010

ainda sobre as eleições

Saiu mais uma pesquisa de opinião do datafolha que foi estampada na capa do jornal Folha de São Paulo. Dilma está apenas a três pontos de ser vitoriosa no primeiro turno. A Folha de sábado (14 de agosto) dedicou boas páginas sobre a ascensão de Dilma e o PT. As mais interessantes foram as da seção Opinião.

No editorial foi dito: “num momento em que aumenta a sensação de bem-estar provocada pelos bons ventos econômicos, o poder de inércia do continuísmo parece difícil de ser contido.”

Já a Opinião de Cesar Maia teve como título “Chavismo tupiniquim”, na qual ele faz aquela relação que todos bem conhecemos entre Lula, Chaves e Cuba; o Lulismo (que como sabemos terá continuidade com Dilma, pois, como diz o jornal em outra opinião do mesmo dia, ela é “a mulher de Lula”) seria algo entre os regimes “autoritários bolivarianos” e uma “democracia”. Maia ainda faz estranho comentário sobre o PNDH: este seria ataque a valores morais, e assim sinal de autoritarismo (?).

Por fim, as duas últimas opiniões, uma é sobre as FARC e a outra fala sobre Chaves. Lembremos que Serra e seu vice fizeram publicamente declarações de que o PT tem vínculos com a organização colombiana.

O que dá para concluir com tudo isso: a Folha não tem o menor pudor em tentar atacar Lula, o PT e, assim, Dilma. A Folha não tem medo de fazer parte do PIG – o Partido da Imprensa Golpista que se refere principalmente à tentativa de ataque ao governo Lula pela imprensa brasileira. Também o PIG historicamente tentaria deslegitimar qualquer governo mais à esquerda no país.

Segundo Paulo Henrique Amorim “o termo PIG pode ser definido da seguinte forma: Em nenhuma democracia séria do mundo jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político — o PiG, Partido da Imprensa Golpista.” (WIKIPÉDIA)

Esse tipo de jornalismo tem como seus casos mais extremos a Veja, Olavo de carvalho, e aqui no sul Diego Casagrande. Mas jornais como a Folha são talvez mais perigosos, pois não afetam apenas os mais ingênuos (aqueles que são leitores da Veja), pois seu ar de jornalismo sério, imparcial, objetivo, principalmente, elitizado permite a Folha fazer sua guerra mantendo a pose.

No entanto esse poder das grandes corporações de mídia, do PIG, na atualidade é relativo, pois os receptores não são ingênuos, eles reconhecem a guerrilha da informação, fazem sua resistência; e essa resistência é vista na popularização da internet.

Segundo o verbete da Wikipédia sobre o PIG citado acima, Lula teria sido eleito pela sua publicização na internet.

Ou seja, sujeitos e grupos cansados do discurso unilateral produziriam seus próprios discursos, em blogs, fóruns, sites alternativos, ou buscariam canais diferenciados de comunicação. Assim há um jogo de forças: as mídias de massa tentam manter seu monopólio, a multidão foge para todos os lados conectada na rede.

Para finalizar, uma dúvida: por qual razão um governo integrado com o capitalismo mundial, como o de Lula, ainda incomoda? Sabemos que a mente é lenta; é difícil perceber as mudanças, que o PT não é o PT dos anos 80; mas não podemos subestimar a grande mídia, ela dever ter motivos que desconhecemos para tentar fazer o seu golpe (sujo). Possivelmente tenta testar seu poder no país.

produção a partir do comum

É interessante que uma dissertação tenha uma assinatura, diga respeito a um autor, ainda que seja dividida essa autoria com o orientador. Quando se fala na primeira pessoa do singular, em dissertação, tese ou artigo, todos entendem.

Digo que é interessante, pois a pesquisa não se refere apenas a um sujeito, aliás, esse sujeito é apenas uma das linhas que compõem o mapa da pesquisa. Alguns dos componentes desse mapa poderiam ser organizados em dois grupos: um que concerne à estrutura institucional, do curso, e outro que faz parte de um bem comum da multidão – é este último que afirma que a pesquisa e todas as idéias contidas nela não surgem do nada, muito menos de uma mente pensante, um sujeito criador.

Quanto ao trabalho conjunto que se refere à instituição, por trás (como acima, do lado, embaixo) do aspirante a pesquisador há oficialmente todo um aparato, como disciplinas, orientação, grupos de pesquisa, bancas, palestras; e esse aparato permite também trocas informais, como as conversas nos corredores, bares, etc. com colegas, professores. E tudo isso determina a pesquisa.

Já o bem comum (prefiro dizer da multidão e não da humanidade) que envolve a pesquisa (e que abraça o componente anterior), poderia ser dividido em dois subgrupos: o mais visível se refere às teorias acionadas, o outro, a um imaginário compartilhado, enunciados, que são formados na vida.

Algo como a criação de algo singular parece muito difícil em um curso de pós-graduação, principalmente no mestrado. As dissertações e teses que caem em minhas mãos são em boa parte compilações de idéias de inúmeros autores. Isso acontece também entre autores renomados, que são criativos em suas leituras, mas que às vezes escrevem duzentas páginas para dar consistência a um conceito; e isso já é muito, pois como dizia Deleuze: o trabalho de uma vida pode ser apenas uma pintura, só isso deveria deixar qualquer um satisfeito.

Essas compilações, releituras, revisões de autores, muitas vezes servem para dar fundamento à análise de um objeto empírico. O objeto é condicionado pelas teorias ou leva a teorias já firmadas. Assim é a escolha do tema, a delimitação do objeto que aparece como aquele algo singular da pesquisa.

Os trabalhos acadêmicos que são apenas leituras de certos autores, eles são muito importantes. Como tal conceito atravessa a obra de inúmeros autores? Como tal conceito aparece na obra de tal autor?

Quanto ao imaginário compartilhado, ele é difícil de ser mapeado. De quem são as idéias que temos? Sabemos que não são nossas. Guattari falava em produção de subjetividade capitalística, esta formada por inúmeras máquinas, uma delas a mídia. As mídias legitimam o Império através desse poder sobre o desejo.

Na pesquisa um dos passos para a produção daquele algo singular, seria um processo de dessubejtivação, cair fora dos modelos; o problema é que não podemos realmente cair fora.

Falo sobre singularidade na pesquisa, pois há desejo de todo aquele que faz tal tipo de curso, de influenciar a comunidade acadêmica, o campo de estudos, além do mais se for um em formação como o da comunicação. Os professores, desde os primeiros dias de curso, nos dizem que esse desejo deveria servir como um norte; mas para mim, no caso do mestrado, o que está em jogo é a formação de um futuro pesquisador, e não o funcionamento de um campo. Neste caso sim, há a tomada de poder por um jogo egocêntrico, que limita a pesquisa; mas não acredito que no mestrado dê para fazer muito mais do que isso.

domingo, 8 de agosto de 2010

rizoma.net

Textos que estavam presentes no site Rizoma.net estão disponíveis agora no formato de e-book. O rizoma era um site que reunia artigos sobre as resistências contemporâneas. Além disso, havia muita coisa sobre movimentos de resistência historicamente importantes, como o situacionismo. Como também boas traduções de teóricos críticos como Guattari, Deleuze, Foucault, Franco Berardi. O rizoma foi desativado em 2009 após a morte de seu mentor, o ativista e teórico Ricardo Rosas. Quanto ao material está disponível no seguinte link.

Eu gostaria de falar um pouco sobre o conteúdo do site. A grande sacada do Rizoma.net era mostrar como campos heterogêneos se interpenetram e possibilitam potência: arte, mídia, política, urbanismo, etc.

Poderíamos fazer um traçado histórico dessa conexão de campos. Debord (figura quase ditatorial dentro do situacionismo) e seus companheiros, nos anos 60, misturaram crítica social e arte e métodos ligados ao urbanismo: deriva, psicogeografia.

As vanguardas históricas já agenciavam política e arte: dadaístas, futuristas, os movimentos russo. Também o surrealismo de Breton, em determinado momento, se aliou ao socialismo; e arte como mudança social ganha consistência com a Bauhaus.

No caldo que emergiu o situacionismo, também estava a trupe de Abbie Hoffmam que produzia happenings políticos. Uma vez, Hoffman e um grupo de hippies entraram na bolsa de valores e jogaram centenas de notas de dólares para os corretores, que entraram em frenesi. Outro grupo da mesma época fez política com música, os Panteras Brancas – mas política radical diferente da de Lennon ou Dylan. Uma década depois, os punks fazem sua critica niilista social, que culmina no hardcore dos anos 80.

Ali na virada do século 21, arte, política e mídias se unem contra o neoliberalismo e o capitalismo propondo uma globalização alternativa. Não era necessariamente arte, mas táticas criativas. A agitação dos movimentos por outra globalização gerou explosão de coletivos: reunião descentrada de pessoas que atuam em alguma área, normalmente midiática-artística, mas sempre com uma tendência política.

No campo de estudos da comunicação cada vez mais há espaço para movimentos que mesclam arte, política, mídia, etc. Podemos delinear três categorias que concernem às formas como esses movimentos se conectam com as mídias: 1. para se expor ao mundo, criam táticas que os coloque na pauta das mídias hegemônicas. 2. Mídias servem como instrumento: sites, vídeos. 3. As mídias como modelo de organização. Quanto a isso, segundo Antonio Negri, grupos de resistência usariam a forma da internet: redes descentradas, compostas de singularidades autônomas.

Talvez hoje a mistura entre arte, política e outros campos seja mais eficaz exatamente por esse último elemento, a organização horizontal descentrada. O que temos hoje é uma multidão, ou melhor, uma multiplicidade de singularidades que querem fazer multidão. E o que importa é o desejo de outra realidade, de resistência.

o debate dos presidenciáveis

A Bandeirantes apresentou na quinta-feira à noite (5/8) o primeiro debate entre os candidatos à presidência. Ou pelo menos quatro deles: Dilma, Serra, Marina e Plínio. Segundo a Folha de São Paulo: “a Lei Eleitoral exige que debates no rádio e na TV tenham a presença de todos os candidatos de partidos com representantes na Câmara dos Deputados.”. Isso trouxe à tona uma nova figura, Plínio do PSOL, que não estava presente nas pesquisas de opinião, e assim na mídia hegemônica.

A grande mídia como inúmeros blogs se preocuparam com quem ganhou o debate; gostaria de fazer minha crítica partindo daí: quem ganha com tal tipo de evento?

Vamos pensar no funcionamento de um debate, ele deveria servir para deixar visível a posição dos candidatos. Mas é isso mesmo? Sabemos que emissoras de TV funcionam com o financiamento da publicidade. Esta (a publicidade) paga às emissoras para nós assistirmos gratuitamente TV (essa afirmação se torna problemática com o boom dos canais pagos, mas aqui será mantida uma visão mais tradicional do tema). Nós entramos como consumidores de publicidade; como no trabalho entramos como produtores. E o debate serve como chamariz.

O interessante que nesse caso, nós não consumimos apenas os intervalos, a publicidade, pois há um outro produto: os candidatos. Estes e seu staff nos vendem uma imagem, e nós a compramos com votos. As mais belas propostas são as que mais vendem. Mas não só propostas, como também o modo de falar, o cabelo, a face. Como disse os comentários que circularam sobre o evento, eram sobre quem tinha vencido, ou seja, quem foi o produto mais “comprável”. Candidatos e publicidade: não há distinção entre eles.

As notícias sobre os candidatos, os debates, atraem consumidores de publicidade. Assim a relação que deveria ser democrática, trazer informação sobre eleições para o público, é uma relação comercial.

Talvez por isso as matérias da Folha de São Paulo – aliás, muitas na sessão Poder – dêem mais atenção ao que foi dito por Dilma e por Serra, pois eles são o grande produto, o que mais vende, por terem maior número de possíveis votos, assim de eleitores-receptores de mídia. No entanto o humor, a língua afiada de Plínio, o tornou notícia. Apareceu na Globo News e na Folha no dia seguinte. É claro que não foi dada atenção para seu programa que o próprio chama de “radical”: redução de jornada de trabalho, limite de propriedade rural, distribuição de renda. E sim atenção para ele como figura curiosa.

Por fim, um jornalista opinativo falou minutos antes do show: cada um dos candidatos tem suas estratégias para atingir seu objetivo: ganhar o debate, as eleições, lançando mão de marketeiros, publicidade. Isso é naturalizado. Ganhar votos, seja como for, parece ser o mais importante. As mídias não dizem se isso é ético ou não.

domingo, 1 de agosto de 2010

autogestão e a paranóia vermelha

O CMI publicou matérias sobre a autogestão dos trabalhadores da fábrica Flaskô (Sumaré – SP) nos dias 13/2, 13/07 e 21/7, fazendo uma bela divulgação positiva de tema que a pauta midiática ou nega ou critica. Parte do material se refere ao site do movimento das fábricas ocupadas que dá base para a experiência.

A Flaskô está sendo gerida pelos próprios trabalhadores desde 2003. Além disso, eles produzem projetos sociais que auxiliam mais de 300 famílias. A fábrica foi apropriada após sua falência. Foram mantidos os cargos anteriores, mas reduzida a jornada de trabalho para 30 horas. Não encontrei informação sobre os métodos utilizados de organização, se são descentrados. Nos últimos dias houve a tentativa de fechamento da fábrica, que foi revertida apenas com a intervenção do macropolítico Eduardo Suplicy.

Busquei notícias sobre a experiência de autogestão nos arquivos da Folha de São Paulo e na Folha Online e não encontrei nada. No portal UOL encontrei duas notícias de julho de 2009; ambas interessantes. Uma delas é entrevista com o “interventor federal Rainoldo Uessler [...] que afirma que os trabalhadores foram utilizados por um movimento ideológico-político-partidário [...] esse movimento seria a ala Esquerda Marxista, setor do PT." A outra notícia de uns dias depois tem como titulo: “Única fábrica ocupada do Brasil rema contra a maré e quer estatização”. Sobre a estatização, os trabalhadores querem que o Estado pague as dívidas da fábrica, mas que deixe a gestão em suas mãos.

Bem, quanto as duas noticias, o tom é o mesmo: relações entre o movimento da Flaskô e Chaves e sua Venezuela, ou seja, um bloco que faria parte da "ameaça vermelha”. No entanto esse discurso não é localizado apenas no UOL. A Folha de São Paulo, o Globo News e a rádio Bandeirantes FM, todos muito parecidos, fazem crítica estilo guerra fria contra a Venezuela, alas do PT, além de deslegitimarem certos movimentos como o MST.

Essa crítica com um certo ar de imparicialidade nos meios referidos acima, ganha uma dimensão absurda na Veja. Encontrei matérias de anos anteriores sobre a Flaskô na Veja.com; em uma delas a paranóia vermelha se torna psicose. A Veja, como também um lunático como Olavo de Carvalho, tenta criar um clima de ameaça constante de tomada de poder comunista no país. Ambos fazem parte de uma linhagem que não entende que a guerra fria terminou há muito tempo. Para estes o mundo é bipolar, dividido entre o bom capitalista e os que comem criançinhas. Lutam contra um inimigo que não está em lugar algum, o segundo mundo. Assim podem manter um tom severo contra qualquer tipo de mudança mais humana, associando a esse perigo vermelho. A loucura de Olavo de Carvalho é tão absurda que para ele mesmo a imprensa capitalista faz parte de conspiração "esquerdista" no país.

Na guerra fria os Estados Unidos lidaram com as resistências internas (dentro dos limites do país) aos governos fazendo algo parecido, as associando a União Soviética. Assim o conflito assimétrico da multidão foi simplificado na dicotomia leste-oeste. No entanto, estamos no Brasil, e o muro de Berlin caiu há vinte anos! Bem, acho que não preciso dizer mais nada.