Tenho encontrado cada vez mais trabalhos acadêmicos sobre os movimentos antiglobalização, principalmente aqueles situados entre Seattle 1999 e Gênova 2001. Estes acontecimentos seriam algo como o 1968 contemporâneo, nos quais lutas em rede, a partir de multiplicidades de singularidades agindo em comum, se insurgiram contra o Império (este também em rede) e seu capitalismo mundial.
Essas lutas entraram em crise em Gênova, passando para uma nova fase nos Fóruns Sociais Mundiais. Também em 2003 protestos em todo o globo contra a guerra manifestaram a expressão da multidão. Porém a ressaca pós-11/9 já havia capturado os movimentos: ficou difícil de se locomover pelo mundo atrás de manifestos após a queda das torres gêmeas: um estado policial se impôs contra manifestações, e boa parte dos grupos preferiu dar atenção às questões da guerra, deixando a luta contra o capitalismo na geladeira. Por fim a guerra proclamada por Bush foi um choque para aqueles que desejavam paz, liberdade e democracia imanente absoluta.
Depois disso, acontecimentos de grande impacto não mais seriam realizados. Muitas singularidades simplesmente desapareceram, e o Fórum Social que já representava o fim das práticas de ação direta deixa de ser alternativa. Bem, essa é a história que ficou para trás, e que está sendo contada.
No entanto, ainda há a presença de multidões que resistem em cada encontro de líderes da ordem mundial. Os dois exemplos mais significativos da realidade imediata foram o último G20 no Canadá que permitiu manifestos com mais de vinte mil pessoas, e o acontecimento de maior porte, que fez com que fosse reavivado o imaginário das lutas de Seattle, a COP-15. Nesta, 100 mil pessoas lutaram abaixo da repressão em peso da polícia em Copenhagen, e mais, também aconteceram manifestos globais maciços, principalmente na Inglaterra e na Austrália, ambos com mais ou menos 50 mil pessoas.
Seattle abriu um campo de possíveis que continua a ser atualizado. As formas de luta, de criação de espaço comum, os discursos, a multiplicidade de singularidades, sujeitos, dispositivos, táticas, presentes na COP 15 em boa parte devem à Seattle. Pelo menos se aprendeu muito com aqueles dias de ação global.
Descendo para o empírico, alguns grupos que estiveram presentes em Seattle e Gênova ainda estão ativos nos dias de hoje. Um deles é o Reclaim the Streets (RTS), coletivo inglês que toma as ruas em carnavais contra o capitalismo. Parece que não há mais interesse pelo RTS na luta contra o capitalismo através do choque direto ao Império nas reuniões de seus líderes; mas continua organizando suas festas. O último encontro do RTS foi em Londres em um squat. O papel significativo do RTS nas lutas globais foi exposto no livro Urgência das Ruas.
Outro grupo é o Black Bloc. Este é o lado mais violento dos movimentos de resistência. Destrói propriedade privada ligada a grandes corporações. Entra em conflito com a polícia. Os Black Blocs são abertos, qualquer um pode fazer parte. Não é um grupo específico, mas uma tática de ação direta.
Os Black Blocs causam controvérsia, pois muitos os consideram como deslegitimadores de manifestações, isso aconteceu tanto em Genova quanto na COP-15. Antonio Negri diz que os Black Blocs são facas de dois gumes, pois secciona os movimentos, mas atraem a atenção das mídias.
Seria importante um mapeamento das continuidades de Seattle e das novas linhas de força atuais. Se as características mais importantes de Seattle eram a rede de singularidades que agem em comum, aberta, que busca a atualização de democracia em espaço local, as práticas de ação direta, a luta comum contra o inimigo global, o capitalismo mundial, vemos que a COP-15 foi manifestação de ordem parecida com aqueles movimentos da virada do século. Um grupo se formou em Copenhagen com essas características, o Climate Justice Action.
Este é uma reunião descentrada, com a forma de rede, de inúmeras singularidades de todo o mundo, também do Brasil. Após a COP 15 o Climate Action continua firme fazendo suas ações; já aconteceram diversas esse ano e agora há a preparação para a nova conferência do clima em Cancún.
Nenhum comentário:
Postar um comentário