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Dessubjetivar com drogas, que é um tipo de
dessubjetivação, mas a partir de outras linhas de fuga e devires, faz parte da
ética dos drogados. Dessubjetivação é uma questão ética, o sentido de uma vida,
a forma mais importante de resistência. A cartografia não é uma questão apenas
intelectual, e não precisa ser: um disco, um livro, uma transa, uma tomada da cidade, a relação com a
droga podem ser mapas.
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E obviamente quando falo em loucos, em
enlouquecer, estou falando em fluxos esquizos, experimentações de modulações do
caos, que são os mapas, aumentar o território, dessubjetivar.
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Há um comum [....] que aproxima marginais,
coletivos libertários, artistas, filósofos, cientistas; esse comum concerne a formas
de viver e pensar o mundo, que não deixam de ser também políticas, já que
viver é uma questão ética, estética, não de sobrevivência. Penso que a não
aceitação do controle, a luta contra ele, é esse comum. A luta contra o
controle é o ponto de partida para experimentações, criações de linhas de fuga.
E as linhas de fuga possibilitam uma percepção ou experimentação do molecular. Essa
percepção move este trabalho. Esse comum também toma uma forma mais direta, quase física: certos artistas, da linha
romântica, aqueles que viveram e muito, e muitas vezes isso está mais que
visível em suas obras, foram marginais e influenciaram coletivos
libertários. Muitos desses coletivos têm
contato direto com teóricos. Teóricos libertários foram
influenciados por artistas românticos e vice versa; e muitos desses artistas
são teóricos, e certas obras do campo do conhecimento são obras de arte
romântica. Essas proximidades se devem já
que, como disse, há uma questão existencial que os aproxima.
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Deleuze não inventou a percepção
molecular, deu um nome a ela, essa percepção tão especial que nos permite
fugir, devir outro, enlouquecer. E quanto a fuga, a linha de fuga: Deleuze não
inventou a fuga da prisão, nem o rap nos presídios ou o baseado antes do café
da manhã. [........] Uns chamam a potência da vida de “aquele momento em que
faço sexo com minha 'Garota Mágica' e parece que meu coração explode”, outros
de “quando estou dormindo, junto a 'Ela' e [......................]
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Perceber que até o funcionamento do corpo
é uma prisão [......] que a cidade é uma prisão, que fazer parte de um povo é
estar preso a sua identidade, perceber que ser homem, branco racional é uma
prisão, que uma família, escola, empresa são prisões, perceber que o sexo pode estar centrado em tarinhas de almanaque, que quando se delira
muitos dos delírios são apenas neuroses presenteadas pela espetacularização da área
médica, perceber que os porcos pensam, são racionais e têm bom senso, muito mais do que a maioria dos humanos, que prazeres são vendidos no atacado, que mesmo a
luta na rua pode afirmar o modelo político dominante [..........................]
Perceber tudo isso pode levar a impotência ou a abolição. [....] Negri e Deleuze
criaram esses conceitos que são linhas de fuga em relação a tudo isso, que nos
mostram o vitalismo , possibilidades de formas de vida não
capturadas; conceitos que afirmam a crítica total e radical e ajudam a
enfrentar o encarceramento ao ar livre. E para compreendê-los, os conceitos, se
necessita ativar a percepção molecular. E como ativar? Vivendo.
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Importante reconhecer as significações
dominantes, em nós, na vida, na sociedade e traçar as linhas de fuga, isso é a
cartografia, uma dessubjetivação em constante processo: não sou mais tão idiota, mas permaneço idiota. E deve permanecer, importante
ter um pouco de segurança. Idiota
não é uma pessoa, como o crítico da idiotia não é uma pessoa; percepção
molecular e idiotia não são duas coisas separadas isoladas, são linhas de um
agenciamento. Mesmo ao produzir crítica podemos estar afirmando o
controle, o descontrole pode muitas vezes se confundir com o micro fascismo,
por isso a cartografia.
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Sim, eu sei ler, escrever, interpretar,
muitos não conseguem dar consistência para o que pensam, mas isso não me torna
especial, já que muitos fascistas, seres
sacanas, sabem ler, escrever e interpretar; e fazem isso melhor do que eu.
Talvez o que eu faça bem seja esse processo de despersonalização em que “Eu”
não diz muito, diz muito pouco. A despersonalização não exige inteligência,
genialidade e, sim, abertura ao caos.
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O comando central é desnecessário já que
as regras e normas circulam livremente: sabemos as formas “corretas” de sentar,
nos portar, caminhar, falar, urinar, cagar, nos alimentar, fazer sexo. Sonhamos
com um futuro, acordamos de manhã, dormimos à noite, regramos os excessos, nos
vestimos, amamos, conversamos, trabalhamos, estudamos, festejamos, ficamos
felizes, nos submetemos [....] fazemos tudo isso,
e muito mais, naturalmente. Sim, todos sabem disso, mas estou falando obviedades já
que é divertido rir de tudo isso,
dessa vida de rebanho afirmada duramente.
Fazer sexo, ter prazeres, amar, e muito mais, são obviamente importantes, o
problema é quando há uma forma correta de fazer isso e os desvios são
rechaçados. A forma correta une as pessoas, e isso é muito diferente do comum
que é a base da tradição romântica, marginal [....] A grande importância social dessa tradição é mostrar que a vida pode
ser tão bela, melhor, tão interessante, quanto uma bela, melhor, interessante
obra de arte.
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Posso apresentar muitas palavras de ordem
que dizem respeito à base de dispositivos de poder, ao senso comum do bom cidadão: “é um policial,
então mostre os documentos”. “É um pai, um
padre, um patrão: respeite”. “ Faz frio: se agasalhe”. “É uma vida, a sua:
não se mate”. “É um drogado, um traficante: fuja”. “É uma rua: caminhe na faixa”.
“São sete horas da manhã: acorde”. “Está tarde: durma”. “É sexta: fique
feliz”. “Fuja da pobreza”. “Ele leu muitos livros: é um bosta de intelectual, o
respeite”. “Está com fome: coma”. “Não fume: é proibido”. “Ame a vida. Seja
feliz”. “Está com dor de dente: vá ao dentista”. “Seja de direita ou de
esquerda.”.
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A arte cria um
outro mundo, muito mais interessante por ser fictício. A função da droga não é
essa? Arte, alucinações, devires são realidades em si mesmas. Fictício diz
respeito à diferença, é tão real quanto o real, é melhor. [.........]. Para entender o mundo não se necessita de teses, estudos de caso, e
sim, se experimenta a arte; a arte ajuda a entender o mundo, mesmo que seja o
mundo das percepções e afecções [....] A cidade é o suporte dessas proezas que alguns
fazem: deliram a cidade, deliram na cidade.
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Junk, como chamam heroína, significa lixo
e é uma das drogas mais potentes. A percepção molecular diz respeito a droga; é
um estado narcótico, não é sadio [....] Mas a bad trip para quem curte drogas é algo interessante. O pesadelo é
uma experiência das mais ricas; ser assaltado, ser esfaqueado, sofrer um
acidente, enfrentar cirurgias, sofrer de abstinência, transar com garotas e
depois saber que estavam doentes; enfrentar o mundo, vivê-lo com toda sua dor e
alegria. O prazeroso e o doloroso, o triste e o feliz, esses conceitos são
rasteiros; importam sim, os excessos; experimentar. Bukowski em um poema diz que
se pôr em risco, mas com estilo, que isso é arte; ou
seja, a existência deve ser uma obra de arte.
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Talvez o erro seja mais importante. O fazer acadêmico é o certo. O certo é a assepsia. O vagabundo é sujo, o punk é sujo, o hippie é sujo. Esse texto é meio punk, meio hippie. A pureza é importante, desde que seja uma anfetamina pura, coca pura, o que cria um corpo sujo, doente, drogado, maculado.
Talvez o erro seja mais importante. O fazer acadêmico é o certo. O certo é a assepsia. O vagabundo é sujo, o punk é sujo, o hippie é sujo. Esse texto é meio punk, meio hippie. A pureza é importante, desde que seja uma anfetamina pura, coca pura, o que cria um corpo sujo, doente, drogado, maculado.
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