quinta-feira, 11 de maio de 2017

sacações


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Dessubjetivar com drogas, que é um tipo de dessubjetivação, mas a partir de outras linhas de fuga e devires, faz parte da ética dos drogados. Dessubjetivação é uma questão ética, o sentido de uma vida, a forma mais importante de resistência. A cartografia não é uma questão apenas intelectual, e não precisa ser: um disco, um livro, uma transa, uma tomada da cidade, a relação com a droga podem ser mapas.
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E obviamente quando falo em loucos, em enlouquecer, estou falando em fluxos esquizos, experimentações de modulações do caos, que são os mapas, aumentar o território, dessubjetivar.
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Há um comum [....] que aproxima marginais, coletivos libertários, artistas, filósofos, cientistas; esse comum concerne a formas de viver e pensar o mundo, que não deixam de ser também políticas, já que viver é uma questão ética, estética, não de sobrevivência. Penso que a não aceitação do controle, a luta contra ele, é esse comum. A luta contra o controle é o ponto de partida para experimentações, criações de linhas de fuga. E as linhas de fuga possibilitam uma percepção ou experimentação do molecular. Essa percepção move este trabalho. Esse comum também toma uma forma mais direta, quase física: certos artistas, da linha romântica, aqueles que viveram e muito, e muitas vezes isso está mais que visível em suas obras, foram marginais e influenciaram coletivos libertários.  Muitos desses coletivos têm contato direto com teóricos. Teóricos libertários foram influenciados por artistas românticos e vice versa; e muitos desses artistas são teóricos, e certas obras do campo do conhecimento são obras de arte romântica.  Essas proximidades se devem já que, como disse, há uma questão existencial que os aproxima.  
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Deleuze não inventou a percepção molecular, deu um nome a ela, essa percepção tão especial que nos permite fugir, devir outro, enlouquecer. E quanto a fuga, a linha de fuga: Deleuze não inventou a fuga da prisão, nem o rap nos presídios ou o baseado antes do café da manhã. [........] Uns chamam a potência da vida de “aquele momento em que faço sexo com minha 'Garota Mágica' e parece que meu coração explode”, outros de “quando estou dormindo, junto a 'Ela' e [......................]
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Perceber que até o funcionamento do corpo é uma prisão [......] que a cidade é uma prisão, que fazer parte de um povo é estar preso a sua identidade, perceber que ser homem, branco racional é uma prisão, que uma família, escola, empresa são prisões, perceber que o sexo pode estar centrado em tarinhas de almanaque, que quando se delira muitos dos delírios são apenas neuroses presenteadas pela espetacularização da área médica, perceber que os  porcos pensam, são racionais e têm bom senso, muito mais do que a maioria dos humanos, que prazeres são vendidos no atacado, que mesmo a luta na rua pode afirmar o modelo político dominante [..........................] Perceber tudo isso pode levar a impotência ou a abolição. [....] Negri e Deleuze criaram esses conceitos que são linhas de fuga em relação a tudo isso, que nos mostram o vitalismo , possibilidades de formas de vida não capturadas; conceitos que afirmam a crítica total e radical e ajudam a enfrentar o encarceramento ao ar livre. E para compreendê-los, os conceitos, se necessita ativar a percepção molecular. E como ativar? Vivendo.
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Importante reconhecer as significações dominantes, em nós, na vida, na sociedade e traçar as linhas de fuga, isso é a cartografia, uma dessubjetivação em constante processo: não sou mais tão idiota, mas permaneço idiota. E deve permanecer, importante ter um pouco de segurança. Idiota não é uma pessoa, como o crítico da idiotia não é uma pessoa; percepção molecular e idiotia não são duas coisas separadas isoladas, são linhas de um agenciamento. Mesmo ao produzir crítica podemos estar afirmando o controle, o descontrole pode muitas vezes se confundir com o micro fascismo, por isso a cartografia.
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Sim, eu sei ler, escrever, interpretar, muitos não conseguem dar consistência para o que pensam, mas isso não me torna especial, já que muitos fascistas, seres sacanas, sabem ler, escrever e interpretar; e fazem isso melhor do que eu. Talvez o que eu faça bem seja esse processo de despersonalização em que “Eu” não diz muito, diz muito pouco. A despersonalização não exige inteligência, genialidade e, sim, abertura ao caos. 
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O comando central é desnecessário já que as regras e normas circulam livremente: sabemos as formas “corretas” de sentar, nos portar, caminhar, falar, urinar, cagar, nos alimentar, fazer sexo. Sonhamos com um futuro, acordamos de manhã, dormimos à noite, regramos os excessos, nos vestimos, amamos, conversamos, trabalhamos, estudamos, festejamos, ficamos felizes, nos submetemos [....] fazemos tudo isso, e muito mais, naturalmente. Sim, todos sabem disso, mas estou falando obviedades já que é divertido rir de tudo isso, dessa vida de rebanho afirmada duramente. Fazer sexo, ter prazeres, amar, e muito mais, são obviamente importantes, o problema é quando há uma forma correta de fazer isso e os desvios são rechaçados. A forma correta une as pessoas, e isso é muito diferente do comum que é a base da tradição romântica, marginal [....] A grande importância social dessa tradição é mostrar que a vida pode ser tão bela, melhor, tão interessante, quanto uma bela, melhor, interessante obra de arte.
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Posso apresentar muitas palavras de ordem que dizem respeito à base de dispositivos de poder, ao senso comum do bom cidadão:  “é um policial, então mostre os documentos”. “É um pai, um padre, um patrão: respeite”. “ Faz frio: se agasalhe”. “É uma vida, a sua: não se mate”. “É um drogado, um traficante: fuja”. “É uma rua: caminhe na faixa”. “São sete horas da manhã: acorde”. “Está tarde: durma”. “É sexta: fique feliz”. “Fuja da pobreza”. “Ele leu muitos livros: é um bosta de intelectual, o respeite”. “Está com fome: coma”. “Não fume: é proibido”. “Ame a vida. Seja feliz”. “Está com dor de dente: vá ao dentista”. “Seja de direita ou de esquerda.”.
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A arte cria um outro mundo, muito mais interessante por ser fictício. A função da droga não é essa? Arte, alucinações, devires são realidades em si mesmas. Fictício diz respeito à diferença, é tão real quanto o real, é melhor.  [.........]. Para entender o mundo não se necessita de teses, estudos de caso, e sim, se experimenta a arte; a arte ajuda a entender o mundo, mesmo que seja o mundo das percepções e afecções [....] A cidade é o suporte dessas proezas que alguns fazem: deliram a cidade, deliram na cidade.
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Junk, como chamam heroína, significa lixo e é uma das drogas mais potentes. A percepção molecular diz respeito a droga; é um estado narcótico, não é sadio [....] Mas a bad trip para quem curte drogas é algo interessante. O pesadelo é uma experiência das mais ricas; ser assaltado, ser esfaqueado, sofrer um acidente, enfrentar cirurgias, sofrer de abstinência, transar com garotas e depois saber que estavam doentes; enfrentar o mundo, vivê-lo com toda sua dor e alegria. O prazeroso e o doloroso, o triste e o feliz, esses conceitos são rasteiros; importam sim, os excessos; experimentar. Bukowski em um poema diz que se pôr em risco, mas com estilo, que isso é arte;  ou seja, a existência deve ser uma obra de arte.  
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Talvez o erro seja mais importante. O fazer acadêmico é o certo. O certo é a assepsia. O vagabundo é sujo, o punk é sujo, o hippie é sujo. Esse texto é meio punk, meio hippie. A pureza é importante, desde que seja uma anfetamina pura, coca pura, o que cria um corpo sujo, doente, drogado, maculado.
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