Já tentei inúmeros tipos de estilos desde
quando comecei a escrever. Meu primeiro trabalho era de contos sobre realidades
delirantes. Em determinado momento escrevi um livrinho de poemas conceitual,
com linguagem de rua, mas que não funcionou e ficou esquecido. Amadureci meu
trabalho com um livro de crônicas, também conceitual, que se centra em minhas
experiências principalmente na adolescência. [........] O estilo deste livro
difere do estilo das crônicas do terceiro capítulo do livro anterior publicado
neste volume, mas há proximidades. Como já disse na primeira parte do outro
livro, este é uma linha de fuga, um aumento de território, a tentativa de
produzir o descontrole, de enlouquecer pelo menos na língua. Deleuze fala em
gagueira, estrangeirismo na própria língua [.....] Aqui fujo da língua
dominante dentro dela; e gírias, expressões de rua mostram a sua maleabilidade.
Certas turmas em certas estações, certos guetos em certas estações, os jovens,
os marginais, os drogados criam expressões que só têm sentido para eles nesses
momentos, e o que eles fazem, é poesia, considerando poesia como um devir menor
da língua. Eu uso aqui muitas expressões dos inúmeros guetos que pertenci, e
aliás, mesmo sendo doutor, eu não consigo fugir de certos vícios de linguagem
de rua, quando falo, seja em aula, palestra, o que for e que se foda. [........]
E não só em relação às expressões, alguém chapado de maconha, morfina tem um
ritmo de fala diferente, mais lento, pausado, baixo, calmo. Alguém louco de
cocaína ou anfetamina tem uma fala rápida, dura, sem respiração, direta [...]
Quem está louco de coca não quer parar de falar, por isso, conta histórias em
detalhes, os mínimos detalhes para prolongar ao máximo a fala [....] Ele, o
cheirado, não quer contar uma história quer apenas falar. [...] Membros da
trupe de Andy Warhol gravavam conversas presenciais ou por telefone loucos de
anfetamina. [................] A ideia
do texto que segue surgiu quando eu com frequência comecei a pensar em frases
sem sentido. Me perguntei se seria possível escrever algumas páginas com frases
do tipo. Fiquei espantado que escrevi de forma fluida o que será apresentado
posteriormente. [........] Há um ritmo em todo o texto, variações, mas todas as frases foram escritas e editadas para serem lidas, apresentadas em voz alta. A
linguagem da rua é a fala, dificilmente é atualizada na escrita, por isso a importância
da poesia, registrar esses fluxos linguísticos. [...............] As frases
absurdas que compõem o texto, mesmo as mais absurdas, que talvez sejam
impossíveis de serem lidas, foram escritas de tal forma que posso declamá-las.
No trabalho de revisão, e foram muitas revisões, manter o ritmo foi central. Ou
seja, as frases não foram simplesmente jogadas no texto, elas passaram por um
tratamento rigoroso. [........] Todas as frases são curtas. Frases curtas
permeiam meu trabalho literário. As frases curtas ajudam no ritmo; é mais fácil
de narrar, ler, uma frase curta; e como as frases são absurdas ou se conectam
com outras de forma absurda, quanto mais longas, mais difícil seria de manter esse
ritmo. Sempre achei pequeno burguês frases longas, escritas por aqueles que têm
total domínio textual, que se permitem escrever frases de muitas linhas para
mostrar seu domínio. Textos escritos para pequenos burgueses, os que que
conseguem manter a leitura de frases que nunca acabam. [.....] O carinha de rua,
o jovem, o marginalzinho, ele fala rápido e muitas vezes essa fala é composta apenas
de gírias, expressões de rua [......] No texto há graduações de absurdidade, de
falta de sentido, essas graduações se referem às experimentações, ao mapa que
fui montando, pequenas diferenças internas, as quais busquei, mas sem sair do
conceito do texto. Me perguntava: quanto posso enlouquecer, quais novas linhas
traçar, mantendo o conceito? [........................]
O texto é dividido em blocos, os blocos não narram histórias, há muitas frases
isoladas, que não se ligam a outras, porém, algumas frases se conectam a partir
de um possível sentido. Há um narrador, alguém, uma primeira pessoa que fala
para outros. Há sujeitos, algo como personagens, mas eles não agem, não tem
história, são citados a partir de um humor peculiar. Há humor, e muito, pelo
menos para mim. Também estão presentes alguns elementos de cultura pop, cultura
drogada. Palavras de baixo calão estão em todos os blocos, além de gírias e
expressões de certos guetos de jovens e drogados – aliás, se histórias forem
buscadas em certas partes podem ser encontradas, pelo menos por mim, e são
histórias referente à sexualidade livre e ao uso de drogas. O texto pode ser
recortado, como se quiser, pode ser lido de qualquer forma: é um caos, mas
organizado... Ele foi finalizado quando atingiu o tamanho mínimo de um livro de
literatura já que talvez nem tenha sido feito para ser lido. [....] Mas como
disse: o texto não é espontâneo, não são
palavras jogadas na tela. Escrevi com calma, li e reli, reescrevi, tirei muita
coisa, coloquei coisas novas. É necessária uma tal rigorosidade para se criar
um trabalho absurdo e caótico, considerando que quem escreveu “Diego este que
fala” é um bom cidadão, criado na academia, doutor. E mais, considerando que
tenho experiência na escrita, que não sou naif sempre estudei literatura e
artes, sei que tentar enlouquecer na arte pode se transformar em qualquer coisa.
Esse tipo de exercício é importante, já que se realiza em um meio em que posso
enlouquecer sem ser preso: a literatura; ou seja, é quase medicina. [....] E
isso já permite um grau de loucura para o leitor. Se alguém enlouquece na rua,
na sala de aula, em casa, no trabalho, pode ser preso, mal visto ou internado.
Gosto de ser mal visto. Enlouquecer é buscar linhas de fuga dos padrões – a
prisão – dominantes. Enlouquecer na escrita; um pouco de ar, vida – louca vida.
Um comentário:
Muitos escritores já disseram que a tristeza os fazem escrever. Sim, quando o teclado está banhado em lágrimas é o melhor momento de se escrever e na madrugada, pois é quando o auge da tristeza e sensibilidade se juntam. E nada de conferir português ao final. É escrever e mandar para quem quer que seja.
E com mais um acréscimo já que escreveu sobre drogas. No auge da madrugada, das lágrimas depois de tomar o Rivotril - nossa grande vendida droga lícita - que destrava e ajuda a chorar existe um ponto certo de redigir: após tomar o Rivotril, espere um pouco. Uma certo destravamento acontece misturado com uma certa coragem de escrever. De manhã nos arrependemos. Às vezes dá tempo de apagar, mas às vezes já foi. É nesse ponto do efeito do Rivotril quando relaxa um pouco, mas ao mesmo tempo a sensibilidade está intensa e ainda existe lucidez, é que o texto mais sincero nasce. Assim, nesse "transe" que no outro dia, logo pela manhã, eu recebia diversos elogios quando nem mesmo lembrava direito do que havia escrito e sabia que durante o dia eu jamais conseguiria escrever com tamanha perfeição.
Escrevo enquanto aguardo meu sono. Optei por colocar como anônima, afinal, não nos conhecemos. Mas eu existo e não existo também...Eu não sei quem eu sou. Apenas, no momento, aquela que tomou o Rivotril e está escrevendo na página de um estranho.
Fica a dica de quando se quer escrever qualquer loucura. Rivotril, aguarde uns minutos na madrugada, misture o relaxamento que ele dá, virá a coragem (ou loucura? coragem é loucura?) de escrever qualquer coisa até que o sono venha. Tiro os óculos para enxugar as lágrimas. Chega por hoje, né? Quero dormir e sonhar. Meus sonhos tem sido agradáveis. Escrita e arte ficam difíceis para quem não possui uma grande sensibilidade. Hipocritamente descubro um alento para um quadro depressivo.
Patrícia - Rio de Janeiro.
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