Saí de um bairro mais familiar e
vim morar na Cidade Baixa, a parte mais boemia de Porto Alegre. Por sorte,
escolhi um apartamento em andar alto com sacadas amplas que tem como vista um
Largo, o Zumbi dos Palmares, local com muitas ações de movimentos sociais. Já
nos primeiros dias fiquei impressionado com as atividades no Largo e decidi
escrever sobre o que estava vendo. Como o texto rendeu bastante em pouco tempo comecei
a escrever um livro sobre a cidade como tema, este. Portanto, esta parte trata
principalmente de coisas que vi pelas pelas sacadas, mas há muitas sacações sobre
o bairro e suas mudanças nas últimas décadas. Não escolhi a vista como ponto de
partida por questões metodológicas, mas sim, por uma questão afetiva.
Esse olhar não deixa de
ser pequeno burguês; vejo o mundo do alto da minha torre, meu apartamentinho de
classe média, minha posição de doutor. E o mundo está lá embaixo, perigoso como
sempre. A rua é o lugar de todos, e há tantos desabrigados aqui na frente.
Porém, já vivi esse espaço, o bairro, de forma transloucada: madrugadas e
madrugadas, bêbado, narcotizado, com turmas de marginais. Sempre vivi a cidade; por isso, que no meu
trabalho há sempre um cheiro de rua, vestígios das ruas.
Uma coisa legal da Cidade Baixa é que os donos dos
estabelecimentos, quem trabalha neles e os frequentadores, todos se comunicam,
se relacionam de uma forma horizontal. É gente praticamente da mesma idade, com
um certo interesse em cultura não massiva; e as garotas sempre são
bonitas. Quando estou nos espaços, converso com eles, o dono, ou donos, e o
pessoal que trabalha para eles. São todos receptivos e comentam a deterioração
do bairro nos últimos tempos. Já era violento na virada do século, depois ficou
menos pela modelização, mas nos últimos dois anos é uma das partes mais
perigosas da cidade.
As mudanças são mais que
visíveis na Rua João Alfredo, a segunda mais importante da Cidade Baixa, que se
transformou radicalmente: era uma rua meio opulenta, hoje as casas que abrigam
bares estão todas pixadas e fumantes de crack estão sempre por todos os lados. Notei
isso quando as cinco da manhã, depois de um tempo sem sair de noite, fui na João
Alfredo e parecia uma festa dentro de uma favela. É estranho já que o bairro
ganha mais comércio, muitas vezes gourmet, e ao mesmo tempo fica mais marginal.
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Eu – Cara, achei um
apartamento bem bom, ótima localização, bom preço. Mas só fiquei nas fotos, não
fui lá.
Um parceiro meu – Por que?
Eu – O ap tem duas
sacadas grandes, uma no quarto outra na sala. Só que são abertas, os parapeitos
são tipo grades baixas de metal. Oitavo andar.
Meu parceiro – É, deve
ser legal chegar de madrugada bêbado e tomar a saideira na sacada...
Eu – Estava pensando
exatamente nisso.
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Decidi por fim alugar o
apartamento; mas a escolha foi demorada já que tenho medo de altura. Porém, foi
exatamente a vista que me fez locar o imóvel. Talvez seja uma das mais
interessantes de Porto Alegre: oitavo andar, de frente para o Largo Zumbi do
Palmares, local que tem atividades constantes.
Não estava interessado em morar na Cidade Baixa; não fazia questão; muito
barulho, muita festa. Não queria acordar de madrugada com vontade de sair. Mas
agora estou aqui desde sexta; hoje é segunda. Estou aqui escrevendo, faz sol, é
de manhã, e quando paro de escrever, olho a vista. Montei a sala de tal forma
que posso vê-la, a vista, mesmo quando estou escrevendo e pesquisando no computador.
Arrumei tudo na sexta de
noite, estou bem instalado, porém sem sinal de internet. Meu plano de dados está
consumindo muito. Não tenho televisão, faz anos. Por isso, fiquei muito tempo
entretido com o que se vê das sacadas. No sábado, fiquei intrigado com um rapaz
de pé, de frente a uma janela, uns 300 metros à minha frente, no décimo andar
de um edifício, que provavelmente fica na Rua José do Patrocínio. Ele estava de
pé e as vezes desaparecia. Como estava distante, não conseguia ver direito. Mas
entendi a cena: ele estava, não de pé, mas de joelhos em uma cama transando.
Daqui vejo vários locais
que já frequentei. Descobri no sábado que dá para ver um prédio que morei entre
2005 e 2006. Depois, notei a parte de cima de outro prédio no qual fiquei um
bom tempo em 2013, já que ali morava uma namorada na época. Também vejo o
edifício de um amigo meu. Aqui na frente tem mais espaços importantes para mim:
uma lancheira, o Cavanhas, que era ponto de encontro de minha turma na
adolescência; o local que abrigava uma casa noturna, o Dr Jekyll; o bar Ossip,
que frequento desde os 20 anos; um teatro no qual assisti inúmeras peças desde
a adolescência. Mas o mais importante é o Largo Zumbi. No Largo, participei de
manifestações e encontros de movimentos em rede e quando era mais novo ali
praticava skate.
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