sábado, 29 de abril de 2017

crônicas: poa, na virada do século


As páginas posteriores são sobre cacos de memória, referidos a Porto Alegre na virada do século. Tratam da indiscernibilidade entre dia e noite, sonho e vigília, lucidez e alucinação, realidade e ficção. São coisas que vi, fiz, ouvi, outras que possivelmente são buracos negros, invenções, truques da memória. Como são situações que não tenho certeza se aconteceram, escrever sobre elas é literatura ou autobiografia? Por isso, no caso, o registro artístico é mais importante do que o trabalho cientifico, a arte expõe melhor a loucura e a narcose do que as ciências.  

De madrugada, acabei de sair de um bar, pedi um ácido prumas pessoas, desconhecidas, não sei se me deram, se eu tomei. Estou descendo de carro a rua do Jardim Botânico, os vidros abertos, som alto, alta velocidade, começo a respirar fundo, fundo, mais fundo, de repente cada inspiração é como seu eu estivesse aspirando um gás que sobe direto pro meu cérebro e me dá uma sensação de prazer. A rua fica flat, paro em um sinal, a alucinação acaba de súbito. Penso no que aconteceu: eu tomei o ácido? A turma me deu alguma droga, uma droga nova? Nunca havia sentido isso. Me envenenaram? No chão da parte da frente do carro, várias caixas de vários tipos de medicamentos estupefacientes.  
Estou voltando de carro de Canoas, cidade ao lado de Porto Alegre; tinha virado a noite. Me sinto bem; não sei o que tinha tomado, não que eu não lembre, mas eu não sei, e não sabia. Devia ter tomado muita coisa. Estou na estrada e tenho um acesso de risos. Não consigo parar de rir. Me sinto louco, mas não me importo.
A gangue na frente da NEO de manhã; a luz do dia que quase cega; me sinto meio oprimido pela luz. Poucos carros na avenida, um pouco frio. Um carro passa em alta velocidade e um dos caras do grupo golpeia o carro e quebra o espelho retrovisor. Isso realmente aconteceu? Poderia acontecer algo do tipo? Um carro na rua em alta velocidade pode ser golpeado por alguém que tá a pé? E mais, esse alguém nem se lesionou.
Tomei ácido e codeína no Garagem Hermética. A codeína tinha batido, mesmo que eu precisasse de doses cavalares pra fazer efeito já que eu tomava feito água. O ácido não tava batendo. Chego em casa de manhã nada do ácido ainda, mas sentia um vento gostoso passando sobre mim, um frio agradável. De repente, paro na frente do espelho e me olho. Olho fixamente e quase vejo os ventos. E daí, ouço uma voz: “se despeça de mim”, ela diz. Ouço isso apenas quando olho o espelho. Na semana seguinte uma amiga de infância se mata com um tiro.
Saio de um puteiro na Cidade Baixa de manhã, estou na rua. Devo ter passado a noite junto com as prostitutas. Me direciono pra casa, que ficava na quadra abaixo. Ouço uma prostituta gritar meu nome, não dou bola e continuo caminhando.  Tudo estranho; a estranheza de se encarar o dia depois de ter estado a noite toda em um lugar fechado e escuro. O que se passou? Provavelmente isso aconteceu inúmeras vezes, mas eu não tenho memórias claras.  
Nova York, década de 70, Iggy Pop louco de muita coisa como sempre. Ele passa por um pessoal, diz “oi”, mas não vê uma escada. Ele cai, rola pra baixo. Todo mundo diz: ele morreu. Mas ele se levanta e continua caminhando como se nada tivesse acontecido. Quando li a história pensei: acho que isso aconteceu comigo naquela casa noturna no fim dos 90.  
É de manhã, passo na área administrativa da cidade depois de uma longa noite. Passo um sinal vermelho, a polícia me para, e diz: “cara, é a segunda vez que você faz isso na semana; eu não vou te passar no bafômetro hoje, mas na próxima eu te prendo”.   
Eu tava vidrado nessa mina. A gente se via sempre na NEO e ela virava a cara pra mim. Num domingo na Oswaldo Aranha ela cede e a gente vai pro meu ap na Cidade Baixa. É de noite, madrugada, ela se apoia na janela, nua. Nunca havia visto uma mulher tão bela, gostosa. A gente transa na janela mesmo, olhando pra rua. Depois acho que já é dia, a gente tá na sala, eu estou nu e ela tá com aquele vestido negro mostrando o corpo. Horas mais tarde estou sozinho em casa e vejo que ela tinha escrito em meu diário: “vai a merda, eu te amo”. Na noite posterior a tudo isso, a garota que eu gostava, uma ninfeta dez anos mais nova, permite que eu a beije, não na boca, como rolou no Parque da Redenção horas antes, mas em seus peitos, em seu ventre, em sua vagina. Daí, dias depois, estou fumando um na janela e vejo que ela – a ninfeta – lê meu diário; ela lê aquilo que a outra mina tinha escrito: “vai a merda, eu te amo”. Ela, a ninfeta, foi embora e nunca mais a vi.  
Caminho pela rua, parece que estou caminhando sempre, sem parar, dia e noite. Encontro um amigo e a gente vai tomar uma ceva num bar perto da Redenção. Antes eu tava na Redenção beijando duas EMOS. Sempre encontrava elas e não sei o que mais rolava, não lembro. Eu e o amigo a gente tava bebendo uma cerveja e comentei com ele: acho que eu tava de tarde no centro, perto da Matriz, tinha poucas pessoas na rua, vi uma mina. A gente, eu e a mina se olhou, eu beijei ela, assim do nada. Nunca tinha visto ela e ela gostou. Sim, isso aconteceu, mas eu não me lembro.
Eu, minha amante e minha namorada, a gente foi pro acampamento do Fórum Social Mundial. Isso em 2001 ou 2003 ou 2002. Minha namorada ficou conversando com minha segunda amante e eu fiquei com a minha primeira já que ela tinha várias caixas de Valium e Rohypnol. Então ela foi me dando comprimidos. Eu pedia, ela me dava. Isso era de noite quando o pessoal dançava, bebia e tocava instrumentos rústicos entre fogueiras. De manhã a gente chega em casa, não sei como. Mas lembro bem de tomar tudo que ela tinha em mãos, mas não lembro da overdose, nem quando me levaram pro ambulatório. E tudo isso pode ter sido um sonho.
É uma noite escura, estou na Barros Cassal. Eu encontro aquela mina com sotaque estranho que era atriz de filmes de terror pornô. Em outra noite eu pedi pra fotografar os peitos dela, enquanto o diretor dela tava cheirando cocaína em um grande espelho, isso no Garagem Hermética. Daí eu tava com a mina e a gente deu umas voltas pela cidade de carro. Acho que tava junto aquele cara, o Paulista. Eu digo pra ela que não posso comprar codeína, a única farmácia que tinha não vendia mais pra mim. Ela vai até a farmácia com as receitas e consegue comprar. Daí o Paulista, enquanto ela comprava, disse que iria me dar pelo menos mil reais se a gente roubasse a farmácia. Eu mudo de assunto. A gente tava num posto perto na Farrapos e o Paulista desaparece num carro com um psicopata cheirador. Eu fico com ela como queria. A gente tira umas fotos. Eu peço um beijo e ela me chama de infantil. Deixo ela em algum lugar muito longe, talvez na Avenida Assis Brasil.
O dia nasce e estou caminhando em direção da Farrapos pra ir num puteiro; tinha perdido o carro? 
Eu e minha namorada a gente decide conversar sobre a relação dentro do banheiro de um bar na Lima e Silva. A gente entra e começa a conversar. Ao mesmo tempo uma das atendentes do bar fica batendo na porta dizendo pra gente sair. A gente não sai, ficou lá uma meia hora. Nossa turma de amigos tava lá fora fazendo não sei o que, mas nos esperando. Dez anos antes eu e meus amigos a gente entra em um banheiro minúsculo pra cheirar pó pela primeira vez. A porta começa a bater, e a gente ouve berros pedindo pra que a gente saísse. Isso era meio óbvio já que era o único banheiro masculino de um bar que enchia de caras que bebiam cerveja. Mas lá no bar da Lima e Silva eu e minha namorada a gente ouve uma voz alta e masculina dizendo: é a polícia, se não abrirem a porta, vamos derrubar. A gente abriu e saiu sem problemas; apenas nunca mais deixaram a gente entrar no bar. Mas o mais interessante é que a polícia bate as sete horas da manhã na porta do meu ap na José do Patrocínio. Pensei: me ralei. Eu abro a porta e o policial diz: mas você de novo! Era o policial que me tirou do banheiro em que eu tava com minha namorada. Nesse dia a coisa foi simples, eu só tinha estacionado o carro em frente de um bar o que tava impedindo que o bar fosse aberto. Não sei o quanto de verídico é essa história, já que eu não confio em mim.
Eu saio de manhã da NEO. Uma garota debocha de seu amigo gay. Ela lhe dá um tapa no rosto. Eu fico puto já que ela tava sendo sádica com alguém mais fraco. Eu lhe digo: bate em mim. Ela abaixa a cabeça. Eu lhe digo: venha com minha turma não tem ninguém na rua vocês podem ser assaltados. Ela vem atrás de mim e me beija na boca.
Eu peço cocaína pra alguém, é um segurança e ele me põe pra fora de algum lugar que eu não me lembro.
Eu beijo uma garota dentro de um bar enquanto acontece uma chuva de garrafas, uma briga de gangue.
Eu acordo na rua, e a minha futura namorada aparece e me compra um XIS pra eu comer.
Ela me chupa em seu apartamento depois de anos tentando me comer. Meses depois eu vou na casa dela de madrugada, mas ela mesmo assim me acolhe. Anos antes a gente caminhava de madrugada da Osvaldo até a casa dela na Independência. Ela queria ficar comigo, eu não. Anos depois eu durmo na casa dela e a gente transa. Ela fica brava comigo já que derramei vinho no sofá. Anos depois eu digo a ele que a amo, e ela diz que sabe que é mentira. Não posso falar sobre ela, já que não sei se ela realmente existe ou existiu.
Eu entro em um banheiro de um bar – não sei qual – com duas garotas. O banheiro é o feminino, talvez estivessem lá outras garotas. Eu e as garotas a gente se beija. Não sei como era o rosto delas. Parece que elas tavam tão seguras, livres, quanto eu. A gente não tava nem aí com seguranças, com as pessoas em volta. Sinto que isso aconteceu não uma vez, mas inúmeras vezes, em inúmeros lugares em inúmeras épocas.  
Em uma casa noturna eu começo a caminhar e beijar qualquer garota que passa pela frente. Eu beijo todas, umas dez, talvez tenha beijado rapazes, não sei. Lembro do afeto envolvido, algo que me impulsionou a isso. Depois eu tava transando com uma garota dentro da casa, junto a uma das janelas, de frente pra Redenção, só que daí um dos seguranças saca o que estou fazendo e sou expulso do lugar.  
      Estou caminhando com um amigo e digo: Lucia é uma garota bonita, não? Ele diz: você ficou com ela noite passada. Eu pergunto prum outro amigo: eu tentei agarrar a Maria noite passada? Ele diz: você não devia ter feito isso.
Eu saio de um táxi na frente da casa noturna e vejo uma mina; ela tava conversando com um cara, acho. Não dou atenção pro cara e falo pra ela: vamos pro meu ap? A gente pega o mesmo táxi, vai pra minha casa e transa. Depois disso ela foi embora. Não lembro do seu rosto.  


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