quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Crônicas Fora de Controle - algumas crônicas

Adolescentes


Caíram da infância mais cedo que os outros. Nenhum motivo em especial. Quem os dava eram os pais, psicólogos, orientadores educacionais. Essa gente lerda e burra que não entende nada. Só que eram novos e não tinha muito o que fazer. Ficar trancados no quarto longe da sala e da televisão. Fugir do pai e da mãe quando convidavam pra ir pra praia no fim de semana. Fazer desenhos no caderno em sala de aula. Só que daí a cabeça começou a funcionar. Sacaram que tinha outros na mesma e montaram a turma. Venderam os brinquedos. Compraram pranchas de surfe, skates e roupas de gente mais velha. Começaram a ouvir e tocar rock n’ roll. Os caras mais velhos começaram a notá-los. Nas festas ofereciam bebidas. Bebiam, se detonavam, enquanto os outros dançavam e tentavam pegar aquelas crianças, gatinhas mimadas. Não tinha mais razão pra ficar em sala de aula. Eram os únicos que saíam na hora que queriam. Os professores tinham medo deles. Deixavam assim. Todos juntos, na frente do colégio, fumavam cigarros. Os caras mais velhos trouxeram uns baseados. Não tinha motivo pra não fumar. Fumaram um, dois, três, quatro, cinco vezes, e nada. Na sexta vez, bateu o barato. Daí, a vida realmente começou. Sete horas da manhã, todos juntos no campo de futebol. Uma turma grande da galera de 13 e 14 anos. Tinham pegado fumo com os caras mais velhos. Um ou dois já sabiam enrolar. O baseado era grande, parecia ser de duas sedas e bem grosso. O baseado passava de mão em mão. Depois entraram na sala de aula. Riram dos professores. Riram dos alunos. E eles faziam as gatinhas rirem. Rápido, já eram um dez baseados por manhã. Depois do terceiro nem mais fazia a cabeça. Almoçavam meio chapados com os pais. Fumavam mais um depois do almoço. De tarde, tocavam com a banda de metal. Andavam de skate. Caminhavam pela cidade. Não bebiam muito, mais no fim de semana. Sexta caíam pra Oswaldo Aranha. Eram os mais novos. Mais novos que eles só as crianças que estavam em casa dormindo. E a maioria da idade deles tava vendo tv com papai e mamãe, ou indo pras festinhas que eles odiavam. Papai e mamãe ficaram putos no dia em que eles chegaram em casa de manhã cedo no sábado. Passaram a noite na rua. Os pais chamaram até a Polícia. Eles disseram pros velhos: agora é assim que as coisas funcionam. Papai achou 100 gramas de fumo. Eles disseram pros velhos: não se metam na nossa vida. Eram novos, mas pegavam as gatinhas com mais idade. Pegavam as de 16 e 17. Mentiam a idade e pegavam as de 18. Bêbados no bar do João, na Oswaldo Aranha, entraram no banheiro. Um cara esticou umas carreiras, todos cheiraram, e eles disseram: a vida começou. Em pouco tempo, não precisavam mais dos caras mais velhos pra se drogar. Aliás, os caras de mais idade começaram a buscar eles pra se drogar. Eles subiam o morro a qualquer hora, em qualquer dia. Terça de madrugada, eles estão numa parte da vila Cruzeiro do Sul, junto do bairro Cristal. Não tem pó no asfalto. Decidem subir o morro com um morador. Tudo escuro. Ruas estreitas. Podiam ser mortos. Entram na casa do traficante. Era uma mina duns 30 anos. Ela pergunta se eles não querem pó de graça; era só deixar ela chupar eles. Um deles diz: eu topo. Ela chupa no quarto ao lado. Os outros ficam rindo: olha só o cara, olha só. Depois disso, ela sempre liberava pó pra turma por uma chupada. Um deles meio que começa a namorar ela. Uma noite, tavam passando pela Vila Conceição. O ônibus tinha deixado eles longe, já que não tinham grana. Motorista filha da puta. Passaram por um bar fechado. No mezanino três caras endolavam uma montanha de pó, os olharam e disseram: tão a fim? Cheiraram as maiores carreiras que já tinham cheirado. Os que tavam endolando diziam: vai fundo meu. Daí, mandaram eles cair fora, mas liberaram de graça umas gramas.  Iam todo dia pro Parque Marinha. Lá, junto da pista de skate, toda a galera se encontrava e daí eles fumavam vários. Uma época uns manos iam até o Gasômetro e buscavam fumo mesclado. Maconha com crack. Eles fumavam de vez em quando, mas o barato era a maconha e o pó. Uma hora só queriam saber de pó e era caro. Então, pegavam maconha e vendiam pra galera no cursinho. Ali no centro de Porto Alegre, naquela praça ao lado do hospital Santa Casa. Todo mundo comprava fumo deles de manhã. De tarde, pegavam a grana e compravam pó. Um dos manos um dia cheirou muito. Tava com 50 gramas na mão. O cara morreu, mas foi ressuscitado por paramédicos. Ainda eram jovens, não estavam viciados. Mas quando acabava o pó doía na alma. Queriam mais e mais e mais. O pai de um deles tinha dólares guardados. O mano sabia a senha do cofre. Eles pegavam e iam pro morro. Os traficantes ficavam felizes em ver grana estrangeira. De noite tavam sempre no Timbuka. Bar famoso no bairro Assunção. Ali fumavam, vendiam, cheiravam. Não tinham medo da polícia. Pegavam o prato e esticavam as carreiras na rua mesmo. Os mais velhos ficavam putos. Só que agora os mais velhos tinham medo deles. As gatinhas estavam sempre em cima. Umas minas meio caídas, mas não importava. Eles liberavam pó pra elas, e elas faziam o serviço. Já tavam fazia anos nessa. Não iam mais pra escola. Já tinham sido internados. Saíam e entravam da clinica. Os pais enchiam o saco, mais os psicólogos, toda essa gente.  Eles só queriam curtir. O que tem de errado em curtir a vida? Eram jovens, o corpo era forte. Os outros, os integrados viam eles como lixo. Com 20 anos, a coisa mudou. Alguns deles pararam com tudo. Outros deram um tempo. Outros caíram na vida, continuaram. Uns morreram de overdose. Outros tão com aids. Os mais espertos, caíram de casa, montaram negócio, se formaram. Só que nos fins de semana tão na noite fazendo a cabeça. 

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