quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

vendendo de graça os originais - acho que falta uma revisão final





APRESENTAÇÃO DO LIVRO

Primeiras palavras

Quando decidi que ia escrever o livro, fiz todo um estudo teórico para me sentir fortalecido em relação aos temas. A partir dessas leituras ia deixar uma parte do livro dedicada para discussões teóricas referenciando os autores. Mas cheguei à conclusão de que isso era ranço da tese, que seria sim obrigatório em uma tese, mas esse livro não é uma tese. Na escrita percebi que muitos conceitos importantes, presentes em meu trabalho desde sempre, estavam diluídos, se incorporaram de tal forma ao texto que simplesmente não precisava citar. E me sinto seguro com a forma que o texto tomou.
Muito podem me chamar de deleuziano, ou até de radicalmente deleuziano, já que o funcionamento do livro e até minha existência podem ser compreendidos pela leitura de Mil Platôs. Mas apenas os ingênuos pensariam que alguém leria o trabalho de Deleuze e Guattari e depois colocaria em prática na obra e na vida. A questão é que Deleuze fala de certa vida de uma forma muito consistente, e ele está aliado a muitos outros. Eles mostram esse tipo de vida, que é minha vida também. 


Alguns conceitos importantes no livro

A cidade é um mapa, formado pelo modelo dominante urbano – imposto pelos governos e capital, e desejado por parte da população e pelos turistas –, por agentes de resistência, como certos movimentos sociais – que produzem linhas de fuga, como manifestações, ocupações – e, também, pela massa de vagabundos, drogados, que em seus processos traçam linhas de fuga, mas diferentes as dos movimentos auto organizados. Assim há a cidade como um espaço de controle com suas linhas de fugas, uma contra o controle e a outra descontrolada. Essas duas linhas permitidas pelos movimentos e pelos marginais não são isoladas, se comunicam, tanto que fui obrigado a tratar delas nesse livro.  
A linha de fuga, a linha molar e a molecular formam o mapa, o objeto da cartografia. A molar se refere ao estabelecido, as identidades duras, aquilo que é percebido facilmente, ao poder e suas construções. A molecular diz respeito ao minoritário, aos devires, as produções diferenciais, descodificadas. As linhas de fuga vazam as codificações dominantes, se referem às desterritorializações dos estratos sociais; elas agitam as outras duas linhas. 
A sociedade de controle é a prisão a céu aberto. Não se necessita mais de espaços de confinamento, comando central. As pessoas se sujeitam, já que não há outra forma de viver, se sujeitam e sujeitam aos outros em um policiamento constante. E contra ela, contra o policiamento, contra a prisão estão certos movimentos e certos processos da marginalidade, da juventude marginal ou dos jovens que se marginalizam em determinados momentos.
O modelo metropolitano é um projeto no qual não haja linhas de fuga, espaço controlado, endurecido ao extremo. Esse modelo ideal é um simulacro, repetido em todo o globo para ser vendido, capitalizado. Nele, a atuação do cidadão é impedida, ele pode apenas desejar esse modelo e não lutar contra ele. Uma das linhas da multidão se refere exatamente a luta contra esse modelo, os okupas. 
Okupa é o movimento mais radical dentro do tecido urbano. Ele toma espaços dentro da cidade, antes abandonados, e lhes dá vida, através da autogestão, colaboração e organização em rede.  Ou seja, o movimento não está de fora da cidade, não busca um fora da cidade, mas, sim, um fora dentro da cidade, e está, sim, dentro, sempre em choque direto com o poder, o qual reprime e impede qualquer tipo de produção autônoma, que não necessite da tutela governamental. Dediquei aos okupas minha tese, e aqui ganham certo destaque.
Mas outros movimentos em rede também tem a cidade como local de produção biopolítica. O Movimento por outra Globalização se centrava em protestos de rua. Os movimentos que surgem com as revoluções árabes, tomam consistência com os Indignados Espanhóis e culminam com os Ocupa Wall Street tinham como método tomada de praças. As lutas no Brasil em 2013 – que se referiam também ao rumo que as cidades do país estão tomando, sua espetacularização – foram revoltas que tornaram ruas de inúmeras grandes cidades campos de batalha entre manifestantes e polícia.  
 Neste livro, neste mapa, portanto, há essas duas questões afastadas, mas que se aproximam: a política da multidão e os devires marginais na cidade. Ambos processos impõem funcionamentos diferentes da cidade, porém a marginalidade é descontrolada e a multidão um projeto contra o controle. A marginalidade não tem um projeto, mas os movimentos de multidão, principalmente os jovens que participam dos movimentos, criam descontrole. Os jovens que ocupam, que estão nas manifestações, não em sua maioria, mas muitos, pixam, se drogam, assaltam, brigam. Contra o controle é o desejo de criação de uma nova vida a partir de projetos. Fora de controle é o desejo de criação de uma nova vida, quase sempre efêmera, da forma que se tem em mãos. E neste livro há um descontrole, um caos projetado e ele é aliado da crítica contra o controle feita por muitos agentes não necessariamente do campo teórico ou artístico. 
O grande tema do livro, portanto, é a cidade, pensada como local do controle, a qual é afrontada pelas experimentações dentro dela, contra e fora de controle. O que move o livro é a tentativa de experimentação de uma percepção molecular, não normatizada, essencial para pensar a potência das formas de resistência dentro da cidade, que será aos poucos explicitada nesta parte. Também, o move um desejo de menorização de meu trabalho de certa forma realizado, em parte, na tese. Nela eu tentei ao máximo trazer o pensamento, as falas, os textos, de inúmeros sujeitos, apresentei multiplicidades de vozes da forma mais direta possível. Mas não era um texto rizoma, talvez seja impossível um texto do tipo ser aceito na academia, por isso, escrevo este livro.
 Aqui essas multiplicidades de vozes antes mapeadas não são referenciadas, mas elas sustentam o trabalho. Estou perdido de tal forma entre muita coisa, que dizer, ‘eu penso isso’, ou assinar, é apenas uma questão de costume. Por isso falo em menorização: não há um sujeito pensante, dono de suas ideias, dono desse livro. Eu não penso, melhor, eu penso com a multidão e com os loucos descontrolados.
Sim, eu sei ler, escrever, interpretar, muitos não conseguem dar consistência para o que pensam, mas isso não me torna especial, já que muitos fascistas, seres sacanas, sabem ler, escrever e interpretar; e fazem isso melhor do que eu. Talvez o que eu faça bem seja esse processo de despersonalização em que “Eu” não diz muito, diz muito pouco. A despersonalização não exige inteligência, genialidade e, sim, abertura ao caos. 
Eu entrei na academia não para ser um doutor, mas para me dessubjetivar sem drogas, ali me escondi durante quase uma década. Dessubjetivar com drogas, que é um tipo de dessubjetivação, mas a partir de outras linhas de fuga e devires, faz parte da ética dos drogados. Dessubjetivação é uma questão ética, o sentido de uma vida, a forma mais importante de resistência. A cartografia não é uma questão apenas intelectual, e não precisa ser: um disco, um livro, uma transa, uma tomada da cidade, a relação com a droga podem ser mapas. Ou seja, sou mais um entre esses que constroem mapas muito mais interessantes que esse livro.  Mapas todos constroem, linhas de fuga são traçadas, códigos são desterritoralizados, não se necessita ler Deleuze para isso. E não estou sendo humilde, como disse, é uma questão ética, um comum entre os pobres, os loucos, os drogados, os movimentos.
Esse livro vai ser publicado em Creative Commons, em formato digital e aberto. Vou assinar, já que não me dessubjetivei o suficiente ainda. Esse livro não é a imagem de um rizoma, mas sim a tentativa de aumentar o território ao máximo, isso é o mesmo que dizer: não enlouqueci o suficiente ainda. E obviamente quando falo em loucos, em enlouquecer, estou falando em fluxos esquizos, experimentações de modulações do caos, que são os mapas, aumentar o território, dessubjetivar.
Não é fácil, principalmente sendo um doutor, branco, classe média, compor a cartografia, já que os devires, as linhas de fuga são mais imperceptíveis para a subjetividade dominante. É interessante que muitos, o bom cidadão, só conseguem pensar em termos de macro política, política do Estado. Desconsideram a micro política, que não é menos expressiva, mas se refere a outras lógicas. Não conseguem enxergar a multidão já que ela não tem rosto e não assina seu próprio nome. Ninguém diz: ‘somos a multidão’; ou: ‘ali está a multidão’. Já um político é facilmente identificado: tem um nome, um partido, fala por si mesmo, se representa. Políticos de qualquer esquerda são um atraso, parece que não viveram a virada do século; se tivessem vivido não seriam políticos, esses Eus centrados, personas; eles deveriam estar no meio dos movimentos em rede, ser mais um na multidão. Sim, os indivíduos são importantes e singulares nos movimentos, mas não são egocêntricos ao ponto de desejarem salvar o mundo sendo um político do Estado. As pessoas enxergam apenas o visível: um político, um rosto, um posicionamento ideológico, um discurso.
Belzebu é um enxame; Legião (o demônio) é uma multiplicidade; Baphomet é um monstro impuro; isso é a Multidão, não um bom Deus, seu bom filho, alguém acima, em um mundo ideal que dá as leis para que seus filhos vivam. Por isso, Negri trata os políticos, o Estado, como afirmadores de transcendência. Voltamos para a luta primeva? Deus X a Legião Demoníaca? Talvez por isso não se fale em multidão e movimentos em rede e sim apenas na política estatal. O demoníaco não pode nem ser mencionado pelos fanáticos pela transcendência. Isso mostra a necessidade uma nova percepção para entender um outro mundo vivo, atual e caótico – e só os loucos enxergam o caos.
Menorizar é fazer as vozes coletivas falarem, me apagar, e eu faço isso, tento, quando falo de mim. Uma cartografia do texto possível é mostrar quando isso funciona ou quando ainda o EU, esse EU, um tal “Diego que aqui fala” se mantem no centro. Isso é o teste e o erro, e quando o erro predomina revela que o texto está funcionando, já que o acerto é da lógica dominante, acadêmica.
O bom cidadão é apaixonado por si e os seus, eles são bons; o vagabundo é o erro da sociedade, como os outros párias. Mas o vagabundo mostra outras realidades, tempos possíveis, e isso dói no bom cidadão já que ele é apaixonado por sua vida. O bom cidadão, o sujeito incluído, de classe média, que vive com mais segurança que os outros, se ama tanto que deseja que todos tenham uma vida igual a sua, essa é sua utopia. Ele não aceita a vida do pária, o pária não pode ser pária, ele não pode ter essa possibilidade de vida. Todos têm que trabalhar, ter casa, ser consumidor, ter seus deveres e cumpri-los. Peter Pelbart já dizia que nas ricas economias (ele disse isso na virada do século) os cidadãos viviam e pensavam como porcos. Mais democracia, mas numa falsa democracia, continua sendo falsa democracia; capitalismo mais humano continua sendo capitalismo. 
E ainda sobre o bom cidadão: ele é controlado e ama o controle, claro que ‘bom cidadão’ é uma identidade ideal que não abarca uma pessoa, todos fogem, enlouquecem de certa forma, mesmo sem notar. O bom cidadão não quer ser chamado de louco ou de vagabundo, como disse; mas ele aceita a loucura e até a ama. Ele é de classe média, tem bom gosto, como o hipster, ama arte visual, música, cinema e sabe muito bem que há muito de loucura envolvida na arte em geral. 

Especificidade de cada capítulo

 Este livro é uma experimentação, testo formas de captação da cidade e estilos de escrita. Quanto aos estilos, misturo crônica, ensaio, caderno de notas, cadernos de notas refinado, texto acadêmico, literatura. A crônica atravessa todos os capítulos, como também insights, sacações que podem ser elementos da crônica. Crônica é um estilo tão versátil que eu me associo a poucos escritores do estilo.  As formas de captação são a etnografia, a vivência na cidade, a ficção e a vista de uma sacada. O que as precede é a cartografia, mas como vai ser visto, a cartografia não é um método, e se isso transparece em certos momentos se deve as contradições internas do trabalho.
O livro está dividido em cinco partes: três delas dizem respeito a cidade de Porto Alegre; outra parte é sobre a cidade de Barcelona; e esta é uma discussão teórica livre sobre o funcionamento do livro. O segundo texto parte da vista de uma sacada de frente a um Largo em Porto Alegre com muitas atividades cidadãs. Nele se percebe a cidade controlada; como ela funciona e bem. O centro do texto é a transformação de um bairro, a Cidade Baixa, o qual se tornou moda nas últimas décadas. O estilo usado é o caderno de notas. O terceiro é sobre a noite, as festas, em Porto Alegre, principalmente na virada do século. É a parte do livro mais experimental; para compô-la fui obrigado a usar literatura e estilos de crônica (que podem ser literatura), já que se refere também a indiscernibilidade entre ilusão e realidade. O penúltimo texto trata dos skatistas como cartógrafos, como eles constroem mapas dentro da cidade e se situa na Porto Alegre dos primeiros anos da década de 90.  Essas duas partes anteriores são sobre a marginalidade, como os marginais usam a cidade. Por fim, a última parte, derivada de cadernos de notas sobre trabalho de campo etnográfico realizado em Barcelona em 2014 com o movimento Okupa. O texto foca nessa cidade nesse período, 2014, a época em que vivi em Barcelona. Porto Alegre ganha destaque, já que vivo nela desde a adolescência.  Não busco comparações entre as duas cidades, mas sim apresentar processos que são próprios das cidades ocidentais nos últimos anos. 
Acentuando o caráter experimental do trabalho, após o fim do livro, publico no mesmo volume um outro livro. Sim, é outro livro, tem um tamanho mínimo de um livro de literatura, e é publicado conjuntamente, por alguns motivos: 1. Foi escrito ao mesmo tempo que o primeiro livro. 2. Ele é continuação das linhas de fuga traçadas. 3. Ele possui uma escrita absurda, é totalmente experimental, não sei se foi feito para ser lido, e isso foi a minha forma de não enlouquecer em vida, a partir da escrita desse trabalho. Em vez de finalizar com uma linha de abolição, finalizei com arte. Esse outro livro é a dessubjetivação em estado mais bruto e ele será apresentado com mais detalhes em uma abertura em seu espaço nesse volume. 

CARTOGRAFIA, PERCEPÇÃO MOLECULAR, COMUM EXISTENCIAL  

Há um comum (em Negri, conceito usado para pensar a produção da multidão) que aproxima marginais, coletivos libertários, artistas, filósofos, cientistas; esse comum são formas de viver e pensar o mundo que dizem respeito a uma questão ética-estética: a não aceitação do controle, a luta contra ele. A luta contra o controle é o ponto de partida para experimentações, criações de linhas de fuga. E as linhas de fuga possibilitam uma percepção ou experimentação do molecular. Essa percepção move este trabalho.
Esse comum também toma uma forma mais direta, quase física: certos artistas, da linha romântica, aqueles que viveram e muito, e muitas vezes isso está mais que visível em suas obras, foram marginais e influenciaram coletivos libertários.  Muitos desses coletivos têm contato direto com teóricos. Teóricos libertários foram influenciados por artistas românticos e vice versa; e muitos desses artistas são teóricos e certas obras do campo do conhecimento são praticamente obras de arte romântica, como os Mil Platôs.
 Essas proximidades se devem pois, como disse, há essa questão existencial que os aproxima. Se Negri e Deleuze (e não é Negri e Deleuze, mas Negri e Hardt e Deleuze e Guattari, pelo menos seus livros são assinados assim) são centrais para pensar o controle, a multidão, os processos dela, as linhas de fuga se deve por serem autores com uma obra consistente sobre esses temas. 
Deleuze ajuda e muito a pensar, entender, perceber, desejar o caos, o descontrole, mas possivelmente, a tradição romântica, marginal da arte, faz o mesmo, a partir de suas especificidades. Mil Platôs materialmente é muito diferente do corpo recortado de Genesis P-Orridge, mas o livro e o corpo de Genesis são mapas, e ambos são projetos contra o controle. E se Genesis produz muito bem o caos em seu descontrole, Mil Platôs não é menos descontrolado. Ambos ajudam a molecularizar a percepção, pensá-la melhor.
Deleuze não inventou a percepção molecular, deu um nome a ela, essa percepção tão especial que nos permite fugir, devir outro, enlouquecer. E quanto a fuga, a linha de fuga: Deleuze não inventou a fuga no horário de aula, nem o rap nos presídios ou o baseado antes do café da manhã.  Uns chamam a linha de fuga de “aquele momento em que faço sexo com minha garota Yogi e ela levanta a perna de tal jeito que meu coração explode”, outros de “quando decido simplesmente descer do ônibus na estrada e não vou para a aula” ou de “no meio do expediente saio sem avisar meu chefe e tomo três cervejas no bar da esquina”….   
O contra o controle toma formas diversas e “deve” atravessar toda a vida, a qual foi capturada pelo poder. O “deve” parece uma palavra de ordem, mas não é. Os coletivos produzem processos na cidade, desejam a construção de uma nova cidade; os teóricos criticam diretamente o controle; os artistas produzem obras caóticas. Já o fora de controle produzido pelo marginal, o drogado, o pichador, se apresenta de forma mais efêmera, dura tanto quanto um barato; as vezes dura uma adolescência, estações, dura até a overdose ou o suicídio. Mas mesmo não durando, mostram que é melhor fugir, de qualquer forma do que viver aprisionado. E isso, sentir o controle como algo insuportável, é comum a toda a tradição trágica citada acima.
A não aceitação da vida como ela é imposta é a crítica, assim, mesmo sem produzir obra, sem teorizar a sua existência, o drogado é um crítico apenas por ser quem é. É radical, não aceita a percepção e a afecção normatizadas, não aceita o funcionamento do próprio corpo, não aceita o tempo cronológico, as leis, muitas vezes não trabalha, mas produz essas formas de vidas críticas. Pensar assim, no drogadinho como crítico, permite que se fuja da transcendência, de colocar a teoria, o campo do saber, em um local privilegiado. É a sabedoria das ruas.  
Método? Se faz o possível em determinado momento a partir de certas condições para produzir, pensar e viver. Não há método para viver. Cartografia não é um método. Percepção molecular não diz respeito a métodos. Ver, ouvir, cheirar, tocar, lamber, perceber o mundo molecularmente não é método, é questão existencial. Cartografia não é um método a ser usado para se pensar determinados tipos de objetos. Não se tem a cartografia em mãos e se usa ela quando em campo. A percepção molecular, por ser um tipo de percepção, está sempre acionada, em alguns momentos fica mais clara, expressiva. É a percepção livre dos freios da normatização. Muitos não a notam, ou se assustam com ela. Como ela faz parte da vida, pensar sobre ela, é pensar sobre a vida.
Na cartografia por se buscar a diferença, as linhas de fuga em relação aos códigos, os processos imperceptíveis à subjetividade normalizada, os devires – por isso, ela afeta a própria subjetividade do cartógrafo, ou seja, como disse, e reafirmo, é uma questão existencial. Se perder na multidão, estar entre os marginais, ser uma linha deles, não se separar deles a partir da pesquisa, não criar barreiras – as transcendências do tipo teoria e prática, sujeito da pesquisa e objeto – não são gestos para melhor pesquisar, ou seja, método, isso é uma questão existencial. E essa perda, perder-se de si, no caso de um trabalho que se deseja ser aceito no mundo acadêmico, nunca é totalmente realizada. Por isso, está envolvida uma experimentação, uma longa preparação, uma construção de territórios.
Esse texto tem algo de uma multiplicidade experimentada; traço linhas de natureza diferentes: é antropologia, é literatura, é filosofia, é tudo isso. E se as fronteiras entre campos se borram, se o texto é impuro, sujo, muitas vezes delirante, isso afirma o descontrole. Esse livro não é uma tese, mesmo que meu pensamento, obviamente, tenha sido formatado pela academia. Mas importante tentar aquilo que é inadmissível na academia. 
O afeto pelo marginal é central na tradição romântica. Quantos dessa tradição foram internados, presos, morreram, foram suicidados pela sociedade? Na busca de uma outra vida sempre há o perigo, o perigo da experimentação. A escrita pode enlouquecer. O contato com o molecular, a molecularização da percepção, mesmo a partir escrita, pode levar a loucura. Às vezes, não há mais saídas e se é preso, morto. 
Molecularizar a percepção ao ponto de entender que se é um prisioneiro pode ser fatal: perceber que até o funcionamento do corpo é uma prisão, que o ego é uma prisão, que a cidade é uma prisão, que fazer parte de um povo é estar preso a sua identidade, perceber que ser homem, branco racional é uma prisão, que uma família, escola, empresa são prisões, perceber que quando se faz sexo se está aprisionado em tarinhas de almanaque, que quando se delira muitos dos delírios são neuroses presenteadas pela espetacularização da área médica, perceber que quando se pensa, se pensa como um porco, um porco racional, cheio de bom senso, perceber que prazeres são vendidos no atacado, que mesmo quando se luta na rua pode se estar afirmando o modelo político dominante.......................... Perceber tudo isso pode levar a impotência ou a abolição. Por isso, Negri e Deleuze criam esses conceitos que são linhas de fuga em relação a tudo isso, mostram, expõem o vitalismo, possibilidades de formas de vida não capturadas; conceitos que afirmam a crítica total e radical e ajudam a enfrentar o encarceramento ao ar livre. E para compreendê-los, os conceitos, se necessita ativar a percepção molecular. E como ativar? Vivendo.
Pesa no texto falar francamente, trazer lembranças pessoais, isso para mim sempre é doloroso e não sei escrever de outra forma. E mais, há muitas lembranças, fatos narrados, histórias no texto que simplesmente não sei se aconteceram ou não; e obviamente tenho muitas outras lembranças que de forma alguma compartilharia com alguém. Cut Up é um método usado para produzir arte. Burroughs escrevia, recortava os textos e os montava de outras formas; nas mãos de Genesis P-Orridge o método virou sua vida, sua existência.
Creio que os “meus” cacos de memória, que misturam sonhos, alucinação, drogadição, vida em vigília, lembranças pela metade ou borradas, com buracos negros sempre presentes, são como Cut Ups, recortes prontos e os uso aqui nesse texto. Burroughs escreveu muitos livros a partir de Cut Ups completamente louco de morfina. Ele mesmo dizia que relia seus escritos e não tinha ideia de como aquilo havia sido escrito.
 Os Cut Ups, como cacos de lembranças, não se referem a método, os cacos são experiências de “minha?” vida, que já estavam mais consistentes ou que foram aparecendo na escrita, se atualizando. Assim, em muitas partes o livro toma a forma de um mosaico, os cacos reunidos.
Há uma cena no filme The Wall na qual o músico famoso destrói um quarto de hotel; destrói todos os móveis, tudo que estava no quarto. Em determinado momento ele entra em um estado estranho de calma e remonta tudo a partir dos destroços, mas obviamente de forma diferente. Uma festa, que pode durar quanto tempo alguém aguentar, muitas vezes é um quebra-tudo, aliás, “quebra tudo” é um grito de guerra que se canta em festas. Quebrar tudo: beber e se drogar com o que for, agarrar qualquer um que aparecer na frente, brigar, enfrentar batidas policiais, assaltos. Daí, o festeiro apaga, a festa não pode ser eterna. Ele apaga, e tempos depois acorda, com dor, muita dor, por todo o corpo, e se lembra de algumas coisas, monta uma mosaico de lembranças que não se ligam, são incompatíveis. E não tem como não montar, muitas vezes por remorso, medo.
Deixando de lado paixões tristes, sempre mais do que presentes, importante é saber que se é outro (s). Chamavam de Bukowski de “o Maldito”, quando estava muito louco, ou seja, era outro. O mesmo acontecia com Jim Morrisson; quando ele estava muito louco era chamado de “Jimbo”. Syd Barret estava tão louco, que para ele, Syd era outra pessoa, não ele. Mas reconhecendo que a droga permite esses outros, isso pode ser usado como potência, algo alegre e importante. Dizer: vamos fumar um! Vamos tomar um ácido! Vamos misturar tudo! É como dizer: vamos nos tornar outros? Pelo menos nesses momentos.
Esse apego que se tem por si mesmo, por sua história, pelo seu corpo, é posto em jogo: eu não quero ser eu, pelo menos nesse fim de semana, por isso, vou tomar chá de cogumelo. E não é só se tornar outro, já que esse outro está em outro mundo, com outra temporalidade, com outra espacialidade, com outros signos; eu, um outro, em um outro mundo.  E por qual motivo desejar um outro mundo? Não é isso que todos desejam? Sujeitos, coletivos, singularidades diferentes como os movimentos em rede, a velha esquerda, o bom cidadão, todos não querem um outro mundo? Não são os mesmos mundos, mas são outros. 
Exemplifico a percepção molecular, a cartografia do molecular, a partir de três momentos distintos: uma cena que aconteceu no cotidiano diário, um sonho e um estado de narcose. Esses momentos mostram áreas de indiscernibilidade entre sujeitos, colocam em jogo a racionalidade e o bom senso, afirmam mundo diferentes, dos sonhos, dos delírios, das drogas; expõem uma relação com o mundo de estranheza, mas também de alegria. A percepção permite o contato com o caos, que possivelmente é o mundo, e a percepção normatizada simplesmente uma fotografia desse mundo. A percepção quando chamada de delírio, é impedida, pelas coerções, pelo controle. A forma mais simples de coerção, a mais banal é taxar ou se perceber como louco e então impedir a loucura. Eu senti isso ao transcrever o que segue e quase não publiquei essas experiências. Por isso, a escrita é dolorosa, mas quanto a mim isso aparece somente nos textos em que busco o descontrole. O texto acadêmico é menos doloroso por já ser um tipo de coerção, sobrecodificação, controle discursivo.    

1. Estava na praia do rio Guaíba em Porto Alegre. Estava fumando um cigarro. Vi um rapaz entrar no rio com sua prancha de Wind Surf. Ele entrou sozinho. Começou a surfar, fazer manobras. Em determinado momento caiu na água. A partir daí ele lutou durante dez minutos para se levantar. Fiquei olhando preocupado já que ele estava sozinho. Se levantou e voltou para a areia. Senti vontade de ir perguntar a ele se estava tudo bem, queria saber como estava se sentindo. Quando fui dar o primeiro passo em direção a ele, me senti estranho, uma sensação estranha; fiquei com medo, fui para o meu carro. Quando entrei no carro, reconheci a sensação: era a mesma que sentia após ficar preso em buracos na água da praia. Para sair de um buraco se exige um grande esforço e por ser na água isso gera um tipo específico de cansaço. Penso que senti o que o surfista estava sentindo já que ele lutou na água por dez minutos para ficar de pé. Aconteceu algo entre nós, compartilhamos o mesmo afeto, ou seja, uma linha de fuga da individuação dos nossos corpos, os corpos compartimentados e isolados. Isso é uma molecularização da percepção: sentir o sentimento do outro, que não é mais outro, mas uma linha de um agenciamento no qual eu era também uma linha. 
2. Um sonho, parecido com a cena acima, no que se refere a indiscernibilidade entre sujeitos. Me perece ser um sonho recorrente, desde a adolescência. Caio de um andar baixo, mas de nuca e assim quebro o pescoço. Na caída, fico com medo, que aumenta até o contato com o solo. No contato, quando quebro o pescoço, ao mesmo tempo, penso: ok, morri. Morto, ainda me percebo; sei que estou morto e me percebo morto – isso dura uns segundos, e nesses segundos conjuntamente, algo muito estranho acontece: vejo uma garota caminhando em um espaço tempo que não reconheço; ela caminha, está feliz, não muito, mas está; uma felicidade de adolescente, quando se sente feliz sem grandes motivos. Só que entendo que eu sou aquela garota; ainda me reconheço como aquele que morreu, mas sei que agora, depois daquela morte, sou essa garota. Mais uns segundos, a lembrança da vida daquele que morreu se apaga e a garota segue a vida dela – e parece que algo meu, o que morreu, ficou com ela. É difícil de narrar esse sonho, pois ele trata de uma despersonalização, da inexistência de barreiras entre sujeitos, é um tipo de esquizofrenização. Obviamente, não faço uma leitura extra real, de vida após a morte, de reencarnação; mas sim, para mim, fica óbvio no sonho que a vida não se resume a vida pessoal: os fluxos passam entre sujeitos, entre sujeitos acontece muita coisa; há o caos, mas o enxergamos a partir de lentes embaçadas. O sonho é um delírio, e posso falar muito bem de delírios já que sou um drogado desde os 13 anos de idade. Aliás, mesmo não me drogando, consigo perceber meu devir drogado, por isso, trabalho com a percepção molecular e gosto de pensar e lembrar de meus sonhos. Esse delírio permite uma narrativa da morte interessante e acolhedora, tranquila e não dolorosa. A vida continua em sua potência ou tristeza. Fico feliz com a felicidade da garota que também sou eu, e nós somos moléculas entre o núcleo da terra e o cosmos.
3. Uma viagem de inalante recorrente: a viagem é mais difícil de ser narrada, eu sinto que a compreendo quase completamente, mas é difícil de narrar o que sinto, já que é um delírio, os signos do delírio são diferentes aos normatizados. Por isso que em momentos do texto eu tenho que usar literatura; preciso de uma linguagem inexata para expor exatamente as descodificações. Eu cheiro e praticamente apago, meu corpo deve estar parado, não tenho consciência do meu corpo, mas estou sonhando (viajando). A viagem: percebo um mundo, um mundo como o nosso, idêntico, mas eu não sou eu, eu sou um outro. Tenho uma outra vida, sou outra pessoa, estou feliz, eu me compreendo como a outra pessoa da mesma forma que todos têm uma compreensão de si, de seu corpo, história, etc.  Essa outra vida é boa, mas não muito diferente da minha em estado não onírico. Em certo momento, pelo enfraquecimento da dose de inalante, eu retorno a compreensão de minha vida em vigília, volto a ser “Diego este que fala”. Mas há um ponto, um momento na viagem, que me faz compreender as duas vidas ao mesmo tempo; e sinto um desejo de manter a vida onírica. Quando sou empurrado para a vigília sinto nostalgia da outra vida. Após passar por essa viagem inúmeras vezes, raramente, surge uma dúvida: se essa vida que penso ser minha em um mundo concreto, neste mundo, se ela não é uma viagem de inalante. Será que agora estou viajando e posso retornar em breve para outra vida? Como me sinto e me compreendo agora não é diferente de como me sentia e me compreendia nas viagens de inalante.   


Por que insisto ainda em falar eu?

É difícil não falar como todo mundo fala. Me interessam processos que têm alguma relação à minha vida. A partir dos movimentos alter globalização foi permitido um pensamento comum, não uma união, mas a percepção de que muitos, a multidão, pensam, agem, se reúnem, fazem política de uma forma comum; por isso nunca me senti sozinho ou atomizado. O escritor é quem se vê obrigado a ficar sozinho. Há necessidade de um recolhimento para ler, pensar, escrever. Mas eu não consigo ficar muito tempo na rotina da leitura, escrita e pensamento, por longos momentos, preciso ficar só. Quando leio, escrevo e penso não estou só, estou pensando, estou junto, com muitos. E é uma questão importante, não se deixar ficar só. A cidade delira toda noite, há um desejo de outra vida, há loucuras e processos e projetos, estar entre tudo isso não é só uma questão de proximidade física. E isso que importa. Nem sempre quero estar em uma ocupação, em uma manifestação, em um encontro de movimentos libertários, em festas, na noite com outras pessoas, mas mesmo em casa, só, estou com esses, mesmo que seja só de coração.  
Sim, há um personagem marcante no livro: eu. Há no livro histórias sobre esse eu, vividas em algumas cidades. Há partes mais pessoais, em que essas histórias de vida predominam. Dizer “Eu” já é importante, marca o livro como crônica que é um gênero menor. Só que em muitos momentos dizer “eu fiz”, não diz nada, nem todas as histórias são verídicas e se são, simplesmente, não sei.
O idiota é o bom cidadão; é o controlado, é aquele que afirma as significações dominantes. Mas o idiota não é alguém, uma pessoa, diz respeito a uma forma de pensar. Não há como não ser idiota, não pensar como todos, não ser bom cidadão. Porém, pode-se traçar linhas de fuga, ficar menos protegido, experimentar. Isso pode ser na arte, na vida, na ciência, na filosofia, na música, no que for. Quando digo EU, estou me referindo as rações de significância afirmadas e as linhas de fuga traçadas. Eu, o acadêmico, branco, bom cidadão, que tenta produzir um texto transloucado. E não é uma questão de humildade se sentir um idiota, isso não importa: eu é um outro.
Importante reconhecer as significações dominantes, em nós, na vida, na sociedade e traçar as linhas de fuga, isso é a cartografia, uma dessubjetivação em constante processo: não sou mais tão idiota, mas permaneço idiota. E devo permanecer, importante ter um pouco de segurança. Idiota não é uma pessoa, como o crítico da idiotia não é uma pessoa; percepção molecular e idiotia não são duas coisas separadas isoladas, são linhas de um agenciamento. Mesmo quando se está produzindo crítica pode se estar afirmando o controle, o descontrole pode muitas vezes se confundir com o micro fascismo, por isso a cartografia.
O cronista pode ser qualquer um, é só ter uma opinião – todos têm – e saber escrever. Ela é muito mais inclusiva do que notícia, reportagem, poesia, literatura em geral, ensaio, artigo acadêmico. É só sentar e escrever, não se necessita de pesquisa, não precisa de fontes, referencial teórico. Claro que muitos cronistas – quase todos – são chatos, escrevem textos clichês. Todos – as pessoas – fazem crônicas, apenas não as formalizam na escrita. Quando se conta uma história a alguém isso é base de uma crônica, aliás, se torna uma mesmo se for escrita literalmente. Quando se lembra de algo que passou, se está fazendo uma crônica pessoal, na primeira pessoa. Todos têm histórias de vida, algumas interessantes, mas isso não produz necessariamente uma boa crônica, mas apenas crônicas. 
Sobre a memória pessoal, matéria da crônica: não sou vaidoso ao ponto de querer escrever sobre mim, mostrar orgulhosamente minha bela vida, afirmá-la para a posteridade, me colocar como um objeto a ser admirado. Como já disse: isso dói e muito, é algo masoquista. Não estou imitando essa linha marginal biográfica da literatura. Não é minha vida que está em jogo, mas a vida da cidade, sua geografia, suas transformações, os coletivos situados na cidade, os jovens, as apropriações pelo poder. Sim, não vejo grandes diferenças entre as minhas experimentações e as de Kerouac e Bukowski. Aprendi a escrever com eles, mas não os imito, são importantes, os dois, pois criaram essas indiscernibilidades entre ficção e vida, isso registrado em seus textos. Depois de serem registradas as experimentações podem não ser repetidas, mas usadas como potência. Eu roubei a obra deles, por isso, o livro não é minha obra, sou um ladrão. Um ladrão tem algo em mãos, mas não é o dono. A captura é também da vida dos jovens e dos movimentos em rede. Me aproprio da vida deles para poder produzir.
A crônica é esse texto extremamente simples, que coloca em jogo experiências de um sujeito. Boa parte dos textos acadêmicos é dura, cansativa e impessoal, os afetos são apagados. A crônica é uma escrita pobre, vagabunda, marginal. Ou seja, eu como doutor, que publica em revistas acadêmicas, que está inserido no campo, eu tento quebrar o texto acadêmico, nesse devir vagabundo da escrita.  E mais, nem sei se posso chamar de crônica já que não há definições estabelecidas sobre.
Esse trabalho não é uma crônica, já que há temas definidos, como a cidade, o controle, o contra o controle e descontrole; há no livro algo que muitos podem chamar de métodos, a cartografia, a etnografia urbana. Os estilos textuais aqui são muito bem pensados. Sobre o eixo teórico, Deleuze e Guattari e Negri e Hardt, ele impõe discussões mais rigorosas. Por isso, se há um descontrole na escrita ele é regrado. Não é um texto do caos, mesmo que tenha elementos caóticos.
Quando falo em experimentações, elas não pertencem a mim, não é o meu devir, mas um devir, devires. Ninguém é dono nem sujeito de um devir, mas o experimenta. Não é o meu olhar de uma sacada, mas um olhar, como não é minha sacada, pois eu a alugo. O escritor é aquele que viveu muito. Os Beats, Bukowski, Rimbaud, viajaram muito, experimentaram muito, sem medo, com toda a dor e alegria. Isso eu compartilho com eles. Quero experimentar! Essa foi minha máxima durante boa parte de minha vida.
Estou sentado aqui escrevendo de frente a minha vista. Mas meu coração está com aqueles que nem dormiram; para eles a manhã de quinta – agora – é a continuação da noite de quarta, ou da noite de terça, ou da noite do último sábado. Sim, estou com eles, de coração, mas não posso estar com eles fisicamente. A maior parte das drogas que experimentei, fui viciado, todas elas, eu simplesmente não consigo mais usar. Não tenho forças para enfrentar uma ressaca de cocaína, morfina, codeína, ritalina, anfetamina. Também não quero de forma alguma usar qualquer droga alucinógena, não quero de forma alguma passar por aquilo que elas possibilitam. Por isso, me interessam a percepção molecular, os delírios, os sonhos. Viajo, me drogo, a partir disso.
A linha de fuga é uma traição, sou traiçoeiro com a academia. A traição, a vagabundagem, a loucura, o roubo, as núpcias demoníacas, as monstruações, a drogadição, esses símbolos de um romantismo que atravessa a cultura moderna, se chocam com seriedade acadêmica, sua racionalidade, se chocam com o bom cidadão, as pessoas de bem, com seus valores morais. O Império e suas linhas, Estados e corporações capitalistas, também roubam, são caloteiros (como dizem os indignados), e não apenas roubam, mas também mentem e matam, ou seja, são traiçoeiros. Por isso, gosto do ladrãozinho de rua, pé de chinelo. Aquele que quer pouco, o suficiente para um fim de semana de festa.


Idiotia e crítica

O controle não necessita de um comando central; as pessoas vigiam a si e aos outros. A cartografia não é autovigilância é exatamente a compreensão da vigilância, e o que se pode ou se quer fazer em relação a isso. As pessoas são apegadas a uma certa normalidade e lutam a todo custo para mantê-la. Se sentem seguras aprisionadas, longe do caos. Gostam de suas casas, querem elas bem cuidadas e agradáveis. E quando estão na rua se sentem bem em ver um policial. Seria um mundo perfeito se houvessem policiais em todas as esquinas; mas há policiais tão duros, ou piores, nas ruas, por todos os lados, como disse, vigiando os outros e a si mesmo.
É diferente dizer: que se foda a vida e se atirar de um edifício, de se dizer: foda-se a vida e matar pessoas que estão por perto de forma espetacularizada. E o pequeno burguês faz algo parecido, aceita o assassinato para manter o seu status, sua vidinha medíocre que tanto ama.  Ele sabe que reforça um sistema podre que mente, mata, rouba, e o defende. Pessoas morrem, são presas na vida nua, como os que estão na miséria, para que a pequena burguesia tenha um pouco de poder e um pouco de dinheiro. E talvez pudessem ter isso, desde que os “1 por cento” dividissem – melhor dessem – o que tem. Mas quem quer viver em um mundo menos sacana?
O comando central é desnecessário já que as regras e normas circulam livremente: sabemos as formas “corretas” de sentar, nos portar, caminhar, falar, urinar, cagar, nos alimentar, fazer sexo. Sonhamos com um futuro, acordamos de manhã, dormimos à noite, regramos os excessos, nos vestimos, amamos, conversamos, trabalhamos, estudamos, festejamos, ficamos felizes, nos submetemos, tudo isso de uma forma normatizada. Sim, todos sabem disso, mas estou falando obviedades já que é divertido rir dessa vida de rebanho afirmada duramente.
Fazer sexo, ter prazeres, amar, e muito mais, são obviamente coisas importantes, o problema é quando há uma forma correta de fazer isso e os desvios são rechaçados. A forma correta une as pessoas, e isso é muito diferente do comum que é a base da tradição romântica, marginal e se refere exatamente aos desvios comuns. A grande importância social dessa tradição é mostrar que a vida pode ser tão bela, melhor, tão especial, quanto uma bela, melhor, especial obra de arte.
Posso apresentar sem dificuldades muitas palavras de ordem que dizem respeito ao senso comum, como agir para ser um bom cidadão:  “É um policial, então mostre os documentos”. “É um pai, um padre, o patrão: respeite-os”. “ Faz frio: se agasalhe”. “É uma vida, a sua: não se mate”. “É um drogado, um traficante: fuja”. “É uma rua: caminhe na faixa”. “São sete horas da manhã, acorde. ”. “Está tarde: durma”. “É sexta, fique feliz”. “Fuja da pobreza”. “Está com fome: coma”. “Não fume, é proibido”. “Ame a vida. Seja feliz”. “Está com dor de dente: vá ao dentista”. “Seja de direita ou de esquerda”. “Controle-se!”.
As pessoas se unem, como disse, por compartilhar essa necessidade de extrema segurança, mesmo sabendo que a segurança virou uma marca do passado e que no pós-moderno o que rege a vida, o futuro delas, é a insegurança devido as crises econômicas seguidas.  A guinada à direita de muitos países, como o Brasil, talvez se refira a esse desejo de extrema segurança possibilitado pelas políticas e mentalidades mais duras, rígidas, a segurança de um novo fascismo. A desterritorialização global constante do capitalismo tem seu outro lado a reterritorialização nas formas de vida mais duras.     
Outro mundo é possível, dizem os movimentos. Mas há, também como disse, essas experimentações que dizem respeito a um desejo de outro mundo, mesmo que se atualizem em fugas efêmeras. Os dadaístas, os surrealistas, os situacionistas, os beats, a geração que surge a partir da contracultura, estes buscavam e construíam relações diferenciais consigo mesmo, com os outros, com a arte, com a vida, com a cidade, com o mundo.
O punk clássico, inglês ou nova iorquino dos anos 70, é um caso interessante: viciado na droga mais forte, suicida, amante de homens e mulheres, violento. Não era exemplo de vida, ninguém quer ser um viciado em heroína, e se quer é porque não há outras saídas. Sid Vicious, o punk mais famoso da cena, era Sid Vicious já que não podia ser outra pessoa. O punk buscava uma autonomia frente as opiniões, ele as odiava, de tal forma, que fazia de tudo para as afrontar. A vida controlada é tão insuportável, que se prefere o vício.  
Perceber valor na vida de um viciado, abobado, desletrado como um punk, pode parecer um romantismo bobo, mas creio que seja importante buscar valor no extremo da pobreza. O discurso corrente diz: “o suicida se matou pela tristeza”, “o mendigo é totalmente infeliz pela pobreza”, “o preso de forma alguma conseguiria sorrir”, “o viciado em crack tem que se regenerar”. Qualquer um, mesmo o bom cidadão tem momentos de tristeza e alegria. Um fumante de crack, um mendigo, um preso tem seus momentos de alegria. Um viciado em crack é tratado como um rato, ou é preso ou morto, mas naquele momento que junta um pouco de dinheiro, quando o tem em mãos, ele se dirige para a boca, pega as pedras e se recolhe feliz em sua tenda imunda; daí ele acende a pedra e se a quantidade for o suficiente para o seu vício, o suficiente para que ele se chape, fique bem chapado, naquele momento ele é mais feliz que um rei, ele é um rei. Claro que depois, na falta da droga, ele sente a pior dor que pode ser sentida por alguém.
Um amigo tinha um método estranho. Ele fazia de tudo para que os pais de classe média pensassem que ele tinha parado de usar drogas. Então os pais passavam a dar dinheiro a ele, e era bastante dinheiro. Daí ele comprava tudo em drogas, todas as drogas possíveis, ficava um mês usando drogas direto, fazendo as maiores loucuras, vivendo uma vida completamente descontrolada, fazendo coisas absurdas. A resposta dos pais era o internamento. Ele saia da clínica, voltava a ter uma vida normalizada, os pais achavam que ele estava sem usar drogas e davam o dinheiro e ele fazia tudo de novo. Era um método estranho e mais ainda já que funcionava, ele o testou em momentos diversos em cinco anos. Pra que tudo isso? Ele aceitava ser internado, ficar tempos longos sem dinheiro algum, ser vigiado nesse tempo rigorosamente pelos pais, para poder ter momentos de liberdade extrema, de loucura extrema; e ele mesmo sabia, inconscientemente, que esses momentos deveriam ser curtos, coisas de certas estações, senão não teria volta. Em determinado momento o corpo começou a ficar mais fraco, não conseguia mais abusar de drogas, ser preso ou internado. Ele tentou ser um bom cidadão e não gostou. Podia seguir a vida sendo um bom cidadão, e ele mesmo achava essa vida melhor que a vida fora de controle, melhor, mas não uma vida suportável. Por fim, ele cometeu suicídio. Ou seja, sofria com a prisão, com o controle, em momentos traçava linhas de fuga violentas, quando notou que elas não mais eram possíveis, se aboliu da vida.
Viver a prisão e traçar linhas de fuga é a vida de todos que desejam um pouco de um território singular. Quanto ao suicídio, ele é importante, mostra que muitos desejam tanto a liberdade e que pela falta dela preferem a morte. Se o suicídio é por esse motivo, ele é algo interessante – diferente de alguém se matar por neuroses, ceninhas familiares, infantilidades mesmo adultas, frutos de subjetividades que veem apenas a si mesmo e não encaram mundo. 
 Mas o bom cidadão não vive uma vida sofrida para ter momentos curtos de alegria? Trabalha a semana toda para poder beber no fim de semana; trabalha o ano todo para ter férias; se submete ao patrão, morre de medo de ser rebaixado ou despedido, é perseguido pelo medo de não conseguir chegar ao fim do mês; vive uma vida insegura.  Pelo menos o viciado só tem uma preocupação:  dinheiro para a próxima dose. 
O okupa é alguém que sofre muito; ele sofre já que reconhece que o mundo é sacana e só consegue viver traçando linhas de fuga, mas de uma forma muito diferente da do punk. Para suportar esse mundo, para mostrar como ele é podre, constrói formas de vida ricas, baseadas no comum; a vida em uma okupa se baseia em produzir valor, mesmo que seja a partir de ações capilares. Ele, o okupa, suporta viver, mas entre os seus e, para isso, está em constante risco: pode ser preso, tem pouco dinheiro, pode ser morto pela polícia ou por matadores profissionais. O vitalismo se cristaliza na vida dos okupas.


Sacações finais dessa parte 

Um dos efeitos do uso de drogas é fazer o tempo delirar, entrar em um tempo do delírio, do devir, dos afetos. O grande problema da droga é que ela impõe um tempo que é incompatível com o normatizado. Algumas drogas ainda permitem que se estude, trabalhe, que se caminhe na faixa quando se está na rua, mas muitas não. A partir da droga não se busca só prazeres e alívios, sim, se busca isso, mas não só, se busca outra lógica, outra realidade. A função da arte não é essa? Criar um outro mundo, muito mais interessante por ser fictício? A função da droga não é essa? Arte, alucinações, devires são realidades em si mesmas. E fictício diz respeito à diferença, é tão real quanto o real, e melhor. A arte mostra essas realidades diferenciais, tão diferenciais que parecem fictícias. Para entender o mundo não se necessita de teses, estudos de caso, e sim, se experimenta a arte; a arte ajuda a entender o mundo, mesmo que seja o mundo das percepções e afecções. A cidade é o suporte dessas proezas que alguns fazem: deliram a cidade, deliram na cidade.
Sempre estive rodeado de pessoas importantes: pesquisadores, doutores, pessoas ricas, principalmente esses intelectuais classe média, a elite intelectual. Entrei no mestrado e fiz doutorado por isso: para me tornar uma dessas pessoas. Ou seja, sou uma pessoa importante. Porém, essa vida, a vida dessas pessoas, a maioria, a existência delas, como elas vivem, a mim interessa pouco, pelo menos nesse livro, em meus livros. A vida de um viciado em crack me interessa, a vida de um professor não. Um professor, um pai, o bom cidadão, o policial, o político, o capitalista, são importantes, mas como objetos a serem criticados. O viciadinho.... me interessa sua vida e existência, já que há a riqueza nelas, que são desvalorizadas. Alguém disse em um livro: bem, eu aceito todo o dinheiro de um milionário desde que eu possa viver de uma forma diferente; eu diria o mesmo.
Como minha família tem amigos rico, quando criança visitei dois apartamentos com as vistas de residência mais belas que vi em vida. Uma delas dava para um parque que eu simplesmente nem imaginava que uma cidade pobre do sul do Brasil poderia ter. A segunda vista foi de uma praia paradisíaca, em um apartamento no 15 andar. Sim, lindas vistas. Mas só escrevi sobre elas nessas linhas. Já a vista de uma sacada que dá para uma rua movimentada, barulhenta, que mostra prédios deteriorados e pichados, que mostra um Largo que é um estacionamento em boa parte do tempo, que reúne moradores de rua, traficantes, guardadores de carros, uma vista que mostra a pobreza de forma bruta, bem, ela permitiu a maior parte de um capítulo e foi o motor para eu começar o livro. Sim, as vistas do amigo rico são esteticamente belas; a vista daqui não é importante por eu a achar bela, não é uma questão de cosmetizar a pobreza, é importante por ser o que é: um cartão postal que nunca seria vendido, que mostra as entranhas de uma cidade pobre de uma país pobre. Por isso, escrevi uma tese sobre okupas, prédios esteticamente feios, com pessoas que se vestem de forma feia, e não escrevi sobre a bela Barcelona. Esta a cidade das obras rococós, afetadas, de Gaudi e das belas pessoas bem vestidas em caras festas junto a praia.  Sim, até escrevi sobre, mas como crítica à cidade modelo turística.
Há contradições no texto, claro, pois é uma experimentação. Errar é algo próprio do experimento. Talvez o erro seja mais importante. O fazer acadêmico é o certo. O certo é a assepsia. O vagabundo é sujo, o punk é sujo, o hippie é sujo. Esse texto é meio punk, meio hippie. A pureza é importante, desde que seja uma anfetamina pura, coca pura, o que cria um corpo sujo, doente, drogado, maculado. 
O Punk de rua brasileiro, tem muito a ensinar, ele se veste com roupas sujas e rasgadas, vive nas ruas, se alimenta de lixo, usa as drogas e bebidas mais baratas, transa de forma não asséptica, não trabalha, é um mendigo, mas com estilo. A assepsia, a higienização, sua imposição são elementos do controle; ter uma vida saudável e limpa, a cidade deve ser limpa, o trabalho acadêmico deve ser limpo. E tudo que suja, macula deve ser banido. Mas quando se reconhece o dualismo, se vê que ele é elemento de controle, daí a sujeira se torna algo potente. O punk produz valor, não só porque faz música, quando faz, mas principalmente por mostrar outros valores, no qual a sujeira é mais um de seus elementos. Algo que me incomodou nos movimentos de ocupação de escolas e universidades no Brasil foi a necessidade de afirmação da higienização do espaço. Muitos diziam: nós somos pessoas limpas, cuidamos do espaço, não somos sujos, nem somos crianças. Ou seja, mesmo sem o pai e mãe eles estavam agindo como se estivessem em casa, controlados. 
Junk, como chamam Heroína, significa lixo e é uma das drogas mais potentes. A percepção molecular diz respeito à droga; é um estado narcótico, não é sadio, é extremamente doloroso: bad trip. Mas a bad trip para quem curte drogas é algo interessante. O pesadelo é uma experiência das mais ricas; ser assaltado, ser esfaqueado, sofrer um acidente, enfrentar cirurgias, sofrer de abstinência, transar com garotas e garotos e depois saber que estavam doentes; enfrentar o mundo, vivê-lo com toda sua dor e alegria. O prazeroso e o doloroso, o triste e o feliz, esses conceitos são rasteiros; importam sim, os excessos: passar a noite cheirando cocaína para no outro dia acordar com uma dor insuportável. Experimentar até o quanto se suporta sem cair em um buraco negro. Bukowski em um poema diz que se pôr em risco, mas com estilo, que isso é arte, o que ele chama de arte, ou seja, a existência como obra de arte.  
Os textos de Bukowski são mais prudentes que suas experimentações pelos Estados Unidos. Ele enlouquecia muita mais na vida cotidiana. Já Burroughs, suas loucuras em vida eram tão intensas quanto suas loucuras textuais. Bukovski amou loucamente muitas mulheres, bebia diariamente, brigava com qualquer um, era preso com frequência, tentou algumas vezes o suicídio; e isso era matéria de seus livros. A maior parte de sua obra foi biográfica, sobre sua vida enlouquecida. Mas o que faz um escritor para escrever como Bukovski? Viver como Bukovski? Mas só se vive como Bukovski se a vida for considerada insuportável ao ponto de se criar rupturas com a normalidade cotidiana. E claro, há muitos, principalmente jovens, que cultuam artistas e acabam tentando viver de forma parecida. Quantos não caiaram na estrada após ler Walt Whitman, Jack London, Kerouac e Bukovski?
Quem teve contato com a obra dos artistas românticos tem uma flexibilidade maior no que diz respeito ao sexo, as drogas as minorias. Um músico no filme Bird sobre Charlie Parker começa a usar morfina já que dizem que ela ajuda na música. As experimentações dos Beats, se tornaram questão de massa com os hippies, marcadamente influenciados pela turma de Kerouac e Ginsberg.  Inúmeras gangs foram formadas no início dos 80 no Brasil em São Paulo, após o lançamento do filme The Warriors. Inúmeras bandas centrais nos anos 80 surgem após os Sex Pistols tocarem em Manchester. Iggy Pop criou seu estilo gestual após ver um show de Jim Morrison. E como ser reacionário, se o seu ídolo é gay e viciado? O Glam nos anos 70 é um caso curioso, já que gay virou moda, os jovens imitavam seus ídolos no que diz respeito aos relacionamentos. Essas influências, quando passam por questões existenciais, de relações consigo mesmo, com o outro, com a vida, com a arte, essas criações de territórios existenciais podem se singularizar ou ser uma mera imitação ou modismo.
Mas voltando a pergunta: como escrever como um escritor marginal? Parece que é muito mais difícil do que escrever como um acadêmico. O trabalho acadêmico se centra em fórmulas, métodos, em cópias, não é difícil imitar um acadêmico, e isso se vê não apenas nos textos, mas nos gestos, na forma de falar, até na roupa que se veste.  Mas como imitar Bukovski ou Burroughs? Não se acorda de manhã e se diz: quero ter uma vida singular, de contato com o caos!  
A poesia, o que ela faz bem é trazer, atualizar, mostrar, todos esses fluxos linguísticos, de fala, do que seja, menores, perdidos por aí: na rua, em certos guetos, em certas estações, cidades. Enlouquecer na língua, enlouquecer a língua, fazer ela delirar, foder a língua, a currar como ela merece. O acadêmico é aquele que fala corretamente; ele fala como poucos já que os da sua casta falam assim. Contra essa prisão, contra a seriedade dos caretas, a fala do louco, daquele que não domina a fala, do ignorante que se quer assim e que se foda, não mais que isso. E o coração do poeta está com estes, os párias. 


PERCEPÇÕES DA CIDADE BAIXA, A VISTA DA SACADA, CIDADE CONTROLADA

Meus primeiros anos em porto alegre

Vivo em Porto Alegre desde os anos noventa. A cidade mudou, eu mudei, o mundo mudou, o Brasil mudou. Tenho uma compreensão mais fina sobre o tecido urbano desde minha monografia em 2006 quando comecei a pesquisar o tema. A cidade sempre foi, também, meu espaço de festas, dramas, namoros, loucuras. O adolescente não fica muito em casa já que ele não pode fazer muito nesse tipo de espaço. Maconha tem um cheiro muito forte, e outras drogas deixam louco o suficiente para ser notado. Se a namoradinha é muito nova os pais não vão querer que ela fique no quarto do filho, por respeito aos pais delas. Os pais não aprovam a amizade com certos amigos, então eles não podem frequentar a casa. E o que o adolescente pode fazer é pouco, uma hora cansa e ele vai para a rua. Claro que pode ficar pelas redondezas, mas uma hora vai querer coisas diferentes, e a cidade, sendo grande, sempre tem coisas diferentes. A importância da festa se deve também ao fato de que elas ocorrem em pontos diversos da cidade. A maior parte dos adolescentes fazem festa. Mesmo sendo levado pelos pais, quando ele conhece esses pontos diferentes, ainda mais de noite, isso pode criar uma afetação, um desejo de liberdade, de encarar as ruas como se encara uma floresta, melhor, encarar as ruas como se fossem palco de uma luta campal, já que a noite sempre é perigosa e violenta.
Os pais de certos amigos, os que tentavam prender os filhos em casa, quando estes estavam próximos dos 15 anos não conseguiam mais impedi-los de sair. Os meus pais foram aos poucos cedendo. Um dia, era de manhã cedo e perceberam que eu não estava em casa. Entenderam que eu tinha passado a noite fora. Eu tinha 14 anos e foi toda uma cena, chamaram até a polícia. Cheguei em casa pelas 10 horas da manhã, minha mãe chorava, como disse, uma cena. Eu tinha ido para a Oswaldo Aranha, fiz a festa com amigos, quando tudo fechou fomos para um bar na Avenida Goeth. Fiquei com uma garota no alpendre de um prédio. Acho que eu nunca tinha ido para esse local. Depois disso, meus pais não podiam mais me dizer: não saia.
Eu morava no bairro Tristeza, ali havia muitas possibilidades de vida noturna, muitos amigos começaram a sair pela cidade a partir desse desbravamento da região. Um dos bares mais famosos da Porto Alegre marginal, o Timbuka, era muito perto da minha casa. O bairro era incrivelmente seguro sem ladrões e polícia. Apenas uma vila próxima tinha algumas gangues de adolescentes, mas eles eram colegas meus, da minha turma, eram amigos.
Esse bairro, Tristeza, é um dos mais ricos da cidade e fica junto de um outro, o Assunção, mais rico ainda, no qual estava situado o Timbuka; além disso, há um colégio público exatamente na parte central do Assunção. O colégio público reunia o pessoal pobre ou de classe média baixa de bairros das imediações. Eu estudei ali por um bom tempo. Para mim, foi muito importante, pois tive meus primeiros amigos pobres e negros. O Timbuka juntava uma turma de malucos, que ia lá para fumar maconha, traficar, beber, cheirar pó. O meu grupo era formado pelo pessoal mais novo que o frequentava. E essa era a grande questão: por que ficar em casa, quieto, vendo televisão, se a turma podia estar na rua, bebendo, usando drogas, vivendo a vida, curtindo a vida, curtindo tudo aquilo que a cidade, grande, proporciona? Talvez a cidade nem fosse tão fascinante, ainda mais nos anos 90, mas era muito mais do que a casa familiar.
Fiquei fascinado ao ler Bukowski, Kerouac e Fante. Eu já bebia, fumava maconha, era festeiro e peregrinava a cidade de skate. Pelo meu estilo de vida me encontrei na obra deles, isso com 14 anos. A partir dessas leituras e outras não tive mais medo de usar qualquer tipo de droga; a droga que aparecia eu usava. A noite começou a ficar mais louca e perigosa; subir o morro, também, não era mais um problema. Uma das maiores vilas de Porto Alegre ficava em um bairro próximo de onde eu morava, a Cruzeiro do Sul. Quando tinha sorte, comprava lá coca de boa qualidade. Como já andava pela cidade de madrugada e tinha amigos pobres, não teria por que ter medo de ir para uma vila.
Então, vivia em casa, com meus pais e era obrigado a ir para a escola todo dia. Era obrigado a ir nas férias para onde meus pais iam. Tinha que participar das festas de família. Não podia dirigir, tinha pouco dinheiro, não tinha quase nenhuma autonomia. Por isso, a cidade e as drogas, curtir a cidade louco de qualquer coisa; e não havia nada que significasse liberdade, além disso. Sim, é algo comum entre idades: a madrugada, o fim de semana, os desvios, as drogas, o sexo mais livre, as brigas, assaltos. E não só pessoas jovens, ou jovens adultos fazem as grandes festas. As casas de prostituição chamam esse pessoal mais velho com dinheiro, querendo enlouquecer, bebendo e fazendo sexo. As casas de “massagem” em Porto Alegre lotam quando acontece uma feira agropecuária na região, atraindo fazendeiros, velhos e cheios de dinheiro.

Sobre as mudanças em Porto Alegre a partir da copa

Aqui do lado, do local em que moro, há um dos cartões postais da cidade, o Viaduto da Borges. Nos anos noventa havia muito comércio mais tradicional. Hoje, exatamente hoje, serve de moradia para quem está na rua. Em 2013 ficou marcado como ponto das lutas “por outro transporte público”. Outro ponto tradicional na cidade é a Usina do Gasômetro, junto ao Rio Guaíba, que sempre reuniu turmas de maconheiros no fim da tarde; nos últimos anos está sendo reformulado arquitetonicamente. Na frente do Gasômetro há uma praça que reunia punks na virada do século; hoje é uma praça familiar, reconstruída.
Também junto ao Rio, mas no início da Zona Sul, foi fundado um museu, o Iberê Camargo. Ele reúne pessoas nos fins das tardes; é um ponto para se tirar fotos e postar no Faceboook. Além disso, foi construída uma ciclovia que vem do centro até um dos bairros mais caros de Porto Alegre. A ciclovia passa por um shopping center recentemente construído. No local em que está o shopping e a ciclovia, havia uma avenida perigosa, que era ladeada por terrenos baldios e uma vila. Na frente do museu, uma curva era famosa por ser local de muitos acidentes de carro. Eu sofri um acidente ali, um amigo meu também, e muitos outros. O governo da cidade preocupado com a curva fez muitas tentativas de torná-la segura. Uma delas, foi a criação de sensores na pista, o que não ajudou em nada. O bairro Tristeza, devido a criação do shopping, se tornou um bar da moda, morei nele por uma década.
Muito próximo ao shopping, no bairro Menino Deus, no qual morei, o estádio do time de futebol mais famoso do estado foi totalmente reformulado para a Copa. Em suas proximidades, um parque, o Marinha, passou de um espaço meio marginal e perigoso a um espaço que reúne famílias. No mesmo bairro, funcionava o antigo estádio desse time. Este, quando fechado, se tornou uma pista de skate e depois um complexo desportivo. Com a reformulação dessa parte da cidade, do Menino Deus até o Tristeza, o local do Eucaliptos hoje sedia um conjunto habitacional de classe média. Na frente de onde eu morava nesse bairro, ficava um outro estádio do time rival ao comentado acima. Ele foi fechado faz poucos anos e transferido para a Zona Norte da cidade. Entre o Centro e esse novo estádio, se localiza uma das partes mais marginais e deterioradas da cidade. Esta sempre foi um espaço sem atrativos, contando apenas com área de prostituição, mas nos últimos anos ficou desolada.
O Mercado Público, talvez o marco da cidade, local tradicional com muitos restaurantes, tendas, bem no Centro da cidade, pegou fogo faz poucos anos. Agora está em processo de privatização. O Centro sempre foi um local importante para mim, mas depois de certa idade comecei a frequentá-lo de forma menos intensa. Morei nele, numa rua em frente a um dos cartões postais da cidade, a Casa de Cultura Mário Quintana. 

Sobre a janela

Essa parte do livro surgiu a partir de uma mudança de endereço; saí de um bairro mais familiar e vim morar nesse bairro, a Cidade Baixa, o mais boêmio da cidade. Por sorte, escolhi um apartamento em andar alto com grandes sacadas que tem como vista um Largo, o Zumbi dos Palmares, local da cidade com muitas ações de movimentos sociais. Já nos primeiros dias fiquei impressionado com as atividades no Largo e decidi escrever sobre o que estava vendo. Como o texto rendeu bastante em pouco tempo decidi escrever um livro sobre a cidade como tema, este. Portanto, esta parte trata principalmente de coisas que vi pela sacada, mas há muitas sacações sobre o bairro e suas mudanças nas últimas décadas. Não escolhi a vista como ponto de partida por questões metodológicas, mas sim, por uma questão afetiva, me afetou, me afeta a vista da sacada.
O olhar, da sacada, não deixa de ser pequeno burguês; vejo o mundo do alto da minha torre, meu apartamentinho de classe média, minha posição de doutor. E o mundo está lá embaixo, com suas ruas perigosas. A rua como lugar de todos, e há tantos moradores de rua aqui na frente. Porém, isso à primeira vista, porque já vivi esse espaço, o bairro, de forma transloucada: madrugadas e madrugadas, bêbado, narcotizado, com turmas de marginais.  Mesmo há pouco tempo, era quarta feira, três horas da manhã e eu estava caminhando pela Cidade Baixa; percorria o bairro atrás de alguma festa. Ninguém estava nas ruas, nenhum bar aberto. Faz uns dias passei por inúmeros fumantes de crack, sozinho, numa sexta, as quatro horas da manhã, indo de um bar até outro. Sempre estive na rua, sempre vivi a cidade; por isso, que no meu trabalho há sempre um cheiro de rua, vestígios das ruas.
Converso muito com os comerciantes da área. Uma coisa legal da Cidade Baixa é que os donos dos estabelecimentos, quem trabalha neles e os frequentadores, todos se comunicam, se relacionam de uma forma horizontal. É gente praticamente da mesma idade, com um certo interesse em cultura não massiva; e as garotas dos bares sempre são bonitas. Quando estou nos espaços, converso com eles, o dono, ou donos, e o pessoal que trabalha para eles. São pessoas receptivas e todos comentam a deterioração do bairro nos últimos tempos. Já era violento na virada do século, depois ficou menos pela modelização do bairro e agora, mas nos últimos dois anos é uma das partes mais perigosas da cidade.
As mudanças são mais que visíveis na rua João Alfredo, a segunda mais importante da Cidade Baixa, que mudou radicalmente: era uma rua modelo, hoje as casas que abrigam bares estão todas pixadas e moradores de rua e fumantes de crack estão sempre por todos os lados. Notei que as coisas tinham mudado quando as cinco da manhã, depois de um tempo sem sair de noite, fui na João Alfredo e parecia uma festa dentro de uma favela. É estranho já que o bairro ganha mais comércio, muitas vezes gourmets, e ao mesmo tempo fica mais marginal. 


CADERNOS DE NOTAS

Eu – Cara, achei um apartamento bem bom, ótima localização, bom preço. Mas só fiquei nas fotos, não fui lá;
Um parceiro meu – porque?
Eu – a sacada é muito estranha. Tem duas sacadas grandes, uma no quarto outra na sala. Só que são todas abertas, o parapeito é tipo uma grade baixa de metal. Oitavo andar.
Meu parceiro – é deve ser legal chegar de madrugada bêbado e tomar a saideira na sacada...
Eu – estava pensando exatamente nisso

Seção 1
Decidi por fim alugar o apartamento; mas a escolha foi demorada porque tenho medo de altura. Porém, foi exatamente a vista que me fez locar o imóvel. Talvez seja uma das vistas mais interessantes de Porto Alegre: oitavo andar, de frente para o Largo Zumbi do Palmares, local que tem atividades constantes.  Não estava interessado em morar na Cidade Baixa; não fazia questão; muito barulho, muita festa. Não queria acordar de madrugada com vontade de sair. Mas agora estou aqui desde sexta; hoje é segunda. Estou aqui escrevendo, faz sol, é de manhã, e quando paro de escrever, olho a vista. Montei a sala de tal forma que posso ver a vista mesmo quando estou escrevendo e pesquisando no computador.  O barulho dos carros na Perimetral, uma das vias principais de Porto Alegre, a qual vejo uma boa parte, me incomoda um pouco, mas bem pouco. 
Arrumei tudo na sexta de noite, estou bem instalado, porém sem sinal de internet. Meu plano de dados está consumindo muito. Não tenho televisão, faz anos. Por isso, fiquei muito tempo entretido com o que se vê das sacadas. No sábado, fiquei intrigado com um rapaz de pé, de frente a uma janela, uns 300 metros à minha frente, no décimo andar de um prédio, que provavelmente fica na Rua José do Patrocínio. Ele estava de pé e as vezes desaparecia. Como estava distante, não conseguia ver direito. Mas entendi a cena: ele estava, não de pé, mas de joelhos em uma cama transando. Quando desaparecia era porque caia para frente para beijar ou abraçar quem estava transando com eles. 
Daqui vejo vários prédios que já frequentei. Descobri no sábado que dá para ver um prédio que morei entre 2005 e 2006. Depois, notei a parte de cima de outro prédio no qual fiquei um bom tempo em 2013, já que ali morava uma namorada na época. Também vejo o edifício de um amigo meu. Aqui na frente tem mais espaços importantes para mim: uma lancheira, o Cavanhas, que era ponto de encontro de minha turma na adolescência; o prédio que abrigava uma casa noturna, o Dr Jekyll; o bar Ossip, que frequento desde os 20 anos; um teatro no qual assisti inúmeras peças desde a adolescência. Mas o mais importante é o Largo Zumbi. No Largo, participei de manifestações e encontros de movimentos em rede e quando era mais novo ali praticava skate.  

Seção 2

A cidade está calma agora – nessa quinta de manhã – ouvi uma sirene, mas ela significa pouco para quem está na rua. Um rapaz cruza o Largo, só vejo ele, junto aos carros que tomam o espaço. Provavelmente, está indo para o trabalho. Em sua maior parte calma, a cidade as vezes esquenta ou mesmo explode: festas e batucadas na rua, manifestações; e isso acontece com frequência aqui na frente. Além disso, a ilegalidade se expressa nas pixações e grafites abundantes aqui no entorno. Troquei uma residência segura, sem barulho em um bairro residencial, por esse ponto agitado e cheio de contradições. Não pensei muito, mas foi uma escolha premeditada provavelmente.  


Terça feira  

Aqui no apartamento tem duas sacadas: uma no quarto, outra na sala. São amplas, abertas, com visibilidade de quase 180 graus já que nenhum prédio impede a vista. A esquerda fica o Centro de Porto Alegre, depois há o Largo Zumbi dos Palmares. Provavelmente, apenas no Largo Glênio Peres, que fica no Centro, haja mais agitação que o Zumbi dos Palmares. Porém, o Glênio Peres se situa em uma área não residencial. Mais adiante, da esquerda da vista até o seu centro, prédios ladeiam a Avenida Perimetral e parte da Lima e Silva, esta a rua boêmia mais cool de Porto Alegre. Na Perimetral há seis prédios novos com arquitetura mais opulenta. Do centro da vista até a direita, vejo muitos prédios enormes residenciais mais antigos, que se situam no coração da Cidade Baixa. Muitos, não vejo sua fachada, mas a parte traseira. As fachadas são sempre estilizadas e a parte de trás, muitas vezes, parece uma gambiarra arquitetônica. Na Travessa do Carmo (que ladeia o Largo) em direção a José do patrocínio (terceira rua mais importante do bairro) um espaço amplo, muito amplo, está totalmente deteriorado e desocupado. Além disso, muito marcante é o fluxo constante de carros, muito maior que o fluxo de pessoas nas calçadas e passando pelo Largo. O Largo é o que mais me chama atenção. Sim, acontecem ali feiras e shows, coletivos se encontram nele, mas na maior parte do tempo é um estacionamento. O Largo poderia sediar quadras esportivas, área verde, comércio popular, mas isso não é do interesse do governo. Por isso, quem dá vida ao espaço são os coletivos, os movimentos. 

Sobre controle – seção

Não é uma bela vista, diriam que é feia. Mas ela tem toda essa diversidade, não é nada monótona. O afeto que sinto não é de prazer, não é algo prazeroso em vê-la. É angustiante, opressivo, assustador ver a cidade, essa prisão a céu aberto de forma tão nítida, desde cima. Sim, a festa, a política, os prazeres, são símbolos da Cidade Baixa. Sempre há manifestações; os prazeres do sexo, das drogas, os prazeres gastronômicos são buscados nos bares, restaurantes e festas. Mas apenas as manifestações são inclusivas, já que quase tudo é capitalizado na Cidade Baixa, esse bairro que faz parte do modelo dominante de cidade. Porém, há locais em que se pode comprar bebidas e usar na rua. Quem os frequenta é o pessoal com menos dinheiro, os pobres, os jovens. 


Noite de ontem, segunda.

No fim da tarde, quando começa a escurecer, a vista fica mais bonita, com as luzes dos prédios. Agora, pessoas se reúnem em grupos pequenos no Largo; alguns fumam maconha. Depois da hora de pico os carros passam com mais velocidade. Como estou sem internet, a vista é minha tela. Estou preocupado com os gastos que tive para alugar um apartamento diferente. No antigo fiquei dez anos. Fiz as contas e o que gastei de aluguel – nesses dez anos – daria para comprá-lo. O mais curioso é que eu estava para locar um outro apartamento, que coincidentemente era da mesma proprietária do meu apartamento antigo. Talvez ela tenha comprado o imóvel com o meu dinheiro; e eu continuaria sendo sugado por ela. Aprendi na prática como o inquilino está à mercê do proprietário. Porém, há uma liberdade em alugar: não ter um imóvel, ter pouco, não ter laços fortes, isso para mim é importante. Ter pouco a perder, essa é a alegria do vagabundo. Ele tem seu corpo, sua linguagem, seu carrinho, seus desejos. A Cidade Baixa é um dos bairros de Porto Alegre com maior número de moradores de rua. Aqui na frente, numa praça junto ao Largo, se reúnem muitos deles. No bairro, uma mulher que pede esmolas volta e meia desaparece e reaparece. Em 15 anos vi ela grávida inúmeras vezes. Na República, uma das ruas mais bonitas da Cidade Baixa, há um outro morador de rua, com idade avançada, que está ali faz uns seis anos. Também o bairro tem muitos guardadores de carros, jovens, que possivelmente não têm moradia. Ao lado do bairro, junto a um conjunto habitacional, faz alguns anos, um grupo grande passa o dia junto a colchões e colchas velhas. O bairro também conta com um albergue popular e seu entorno (do albergue) reúne essas pessoas que possuem apenas o que podem carregar com as mãos. Além disso, o cartão postal da cidade nos últimos tempos aglomera tendas em toda sua extensão, se tornou moradia de que não tem casa – é o Viaduto da Borges, que fica a três quadras daqui e o veria se não existissem alguns prédios que tapam a vista. A prefeitura volta e meia desaloja o pessoal, mas eles sempre voltam. Interessante é o fato de que o Viaduto já foi palco de batalha entre manifestantes e polícia, principalmente em 2013. Imagens correram as redes sociais mostrando os conflitos no local.




Noite de terça – 

O Largo de noite estava cheio de caminhões devido a feira de alimentos que acontece duas vezes por semana. No fim da feira, começaram a recolher tudo. Depois, o pessoal do DMLU passou a limpar o espaço. Agora acordei, é quarta, e vejo muitos ônibus no Largo, parecem ser comerciais. O que percebo é que a cidade funciona e muito bem: as ruas com seus fluxos de carros, os passantes nas calçadas, os prédios que servem de moradia e comércio, tudo é muito bem organizado, estruturado. Mas essa mesma cidade – e nos espaços que vejo agora – sempre pega fogo, a partir das lutas dos movimentos. Em 2013 jovens saíram do Centro e vieram até o Largo. Ali, lutaram contra a polícia, depredaram carros e edifícios. Nessa época, eu e um amigo, numa segunda feira, estávamos no local, em um encontro de um coletivo libertário. Meu amigo queria tomar uma cerveja; eu disse: vamos, mas depois voltamos. Atravessamos a Perimetral e vimos junto a uma praça um bloco policial, todos policiais armados e em posição de ataque. Passamos por eles. Os policiais, por fim, não agiram contra o coletivo, mas como a cidade estava “muito quente” na época, eles faziam o controle. As brechas na cidade não são poucas. O controle não é absoluto na cidade pela própria estrutura dela. O poder quer que as linhas de fuga não existam, mas existem. O nojo dos cidadãos para com os moradores de rua mostra quem eles – os cidadãos – são; odeiam qualquer coisa que macule a cidade que deve ser higienizada, modelada, desejam o controle.  Os moradores de rua, são os sujeitos da vida nua, despida de bens, eles não consomem, não tem moradia, são feios e sujos, vivem do lixo. Mas são uma das diversidades do tecido urbano. Não é uma pobreza voluntária e esse é o problema. Porém, a riqueza deles é algo que deve ser mapeado.   

Quinta

Estava preocupado com barulhos no entorno; sabia da existência de uma escola, embaixo da sacada do quarto. Não gosto de barulhos de gente nem de crianças. Porém, mesmo o barulho dos recreios as 10h ou as 16h não tem me incomodado. No caminho que tenho que fazer para vir dos bairros para a Cidade Baixa encontrei uma okupa. Esse caminho é novo para mim, mas agora é constante pela mudança de local. A okupa fica ao lado de um supermercado que eu andava de skate aos domingos faz quase duas décadas. Mas sabendo como eles – os okupas – são, não quis parar para abordá-los. Passei na frente inúmeras vezes, e sempre há alguém no pátio posterior. Na última vez, vi um grupo de garotas. O visual deles é punk, anarquista, parecem ter 20 e poucos anos. Porque não os abordei? Tenho experiências com movimento antissistema em Porto Alegre. Minha presença nunca é bem vista por eu ser pesquisador. Tentei inúmeras vezes contatar coletivos e eles sempre negam diálogo. Eu passei na frente da okupa ontem três vezes de carro quando estava perto. Queria ir lá, conversar com eles, ajudar como posso, levar mantimentos. Agora de noite, fim de inverno, um grupo grande de pessoas faz exercícios físicos no Largo. Alguém toca uma sanfona, o som vem do teatro. Hoje, encontrei dois amigos gays casados antes de chegar em casa. 

Sexta de manhã –

Aqui é realmente barulhento, mas estou curtindo. Ouço os carros, o barulho da cidade, que entra na minha casa; o meu espaço privado se mistura com o público. Isso se acentua ainda mais já que deixo as sacadas sempre abertas e como elas são muito amplas estou sempre com parte da visão focada na rua. Tive uma ideia ontem, uma nova possibilidade de apreensão da cidade, a partir do que é visto desde um para-brisa de automóvel. Peguei costume, já faz mais de uma década, de andar de carro pela cidade ouvindo música. Certas ruas em Porto Alegre em certos horários têm um fluxo contínuo, com poucos semáforos, o que permite boa velocidade. Mesmo de tarde, durante a semana, dá para ir da Tristeza (na Zona Sul) até a Mauá (na Zona Norte) rapidamente. Gosto de determinadas ruas, com menos carros, amplas, abertas, isso é um afeto com pontos da cidade. De carro, dá para ir em locais que não se iria a pé, nem sozinho. A Vila dos Papeleiros, partes da Avenida Farrapos, a parte de baixo da Vila Cruzeiro do Sul, são locais perigosos, mas que sempre passo por eles de carro. Gosto de atravessar a cidade em determinados horários desde a região rural da Zona Sul até o Aeroporto, no fim da Zona Norte. Por isso, por conhecer bem a cidade e saber que percorrê-la de carro permite uma visão interessante dela, talvez seja produtivo descrevê-la a partir do que se vê pelo para-brisas.  
O meu prédio é meio curioso. A cerca de ferro da parte da frente é baixa; também facilmente se chega da entrada a uma porta que dá acesso aos apartamentos, e a porta fica sempre aberta. O prédio tem dois blocos, um de apartamentos de dois quartos e outro, o meu, de um quarto. O prédio é novo, esteticamente bonito, e na garagem se vê carros mais caros que os populares. Tem poucos moradores ainda, ou seja, de noite é um pouco tenso. Não sou neurótico, mas é um prédio que facilmente poderia ser roubado. Prédios novos estão tomando a cidade. Em seis meses de procura encontrei muitos edifícios parecidos com o meu, de mesmo valor. Não só a Cidade Baixa passou por uma reformulação, mas também, o Menino Deus, o Santana e o Azenha – bairros vizinhos da Cidade Baixa. Além, disso, o custo de vida aumentou e muito nos últimos dois anos. Parece que a cidade, nesses pontos, fica mais chique, com uma urbanização mais elegante, com bons restaurantes e bares.   

Sexta a noite segunda sexta dia 26 de agosto ou 27

Agora notei um grupo de pessoas com bicicletas no Largo. É um grupo enorme de ciclistas, que forma uma roda com umas 50 pessoas. Falam em voz alta, tocam apitos. As bikes têm leds que piscam. Na parte da esquerda do Largo há policiais também de bike. Eles vão acompanhar o grupo em sua peregrinação pela cidade. Os ciclistas, do grupo, estão vestidos com roupas apropriadas e as bikes são tecnologicamente funcionais. Agora, eles partem em direção da José do Patrocínio. Ouço gritos, muitos, tanto de homens quanto de mulheres; acho que mais de mulheres. Carros da polícia vão atrás do grupo. O trânsito fica meio lento devido ao grande grupo de bikers. Em Porto Alegre, nos últimos tempos, a mobilidade ficou mais fácil, a partir de muitas ciclovias criadas. Está na moda se locomover de skate, bike e roller. E me parece que isso faz parte da moda hipster. O hipster difere dos que estão na moda, é alternativo; porém ser hipster é uma moda, mesmo que dita alternativa. Para ser um tem que se estar dentro de certos padrões. O hipster é ligado em arte e cultura de massa cult; tem interesse em gastronomia. Visualmente, a partir de suas roupas, se percebe um sem dificuldades: barbas longas, cabelos alinhados, camisas de manga curta com colarinho apertado e bermudas (ambas com adornos psicodélicos), tênis social, óculos enormes. Durante mais de um ano, ao menos em Porto Alegre, foi usado por homens um tipo peculiar de corte de cabelo: Razor, uma imitação do corte dos samurais. Todos os hipsters o usavam. Da mesma forma que surgiu, o cabelo razor despareceu, de uma hora para outra. A Cidade Baixa é o bairro hipster de Porto Alegre. Aqui há os cafés com bebidas não alcoólicas especiais, os restaurantes-bares com comidas, feitas de forma criativa, e cervejas artesanais. Além disso, o bairro tem inúmeras casas noturnas com som chamado alternativo. O bom gosto gastronômico aliado ao bom gosto musical. Nos últimos meses em Porto Alegre e, claro, na Cidade Baixa, começaram a aparecer centros de moda hipsters. Neles se faz o cabelo, a barba, tatuagens, se toma cerveja e se come. É uma moda tão pegajosa que é difícil não ter certos atributos da identidade hipster, tanto que há hipsters que odeiam ser chamados de hipsters.   Quanto a questão da mobilidade verde, aliada de um certo repúdio a grandes empresas, marcas dos hipsters, isso diz respeito a um tipo de anti-capitalismo, a uma questão ecológica, portanto, desvios de certas normas dominantes. Mas o Hipster se desvia da norma para criar uma nova norma. Ele é o bom cidadão das redes sociais, ele vai às ruas, luta por seus direitos, milita como pode, é o sujeito controlado, mas que vive como se tivesse um grande grau liberdade.  Ele se sente feliz por lutar por um bom mundo, acredita que está construindo um bom mundo possível.  Se sente feliz por ser quem é: politizado, com uma moral elevada, além de ser alguém diferenciado. O barulho que faz é pouco, não abala em nada os códigos dominantes; esse barulho não passa de uma resistência incluída, ou seja, não é resistência. Se o cidadão está feliz, não incomoda. E se ele sente feliz por ter um sentido em sua vida, ele pode dizer: eu vivi, eu lutei, eu busquei um bom mundo, sou uma pessoa especial. 

Sexta de madrugada dia 26 para 27 dia 27 sbado de madrugada

Primeiro fim de semana de calor quase de verão na cidade.  A noite está quente com grupos e mais grupos nas ruas. Três horas da madrugada, fumo na sacada. Sinto que sou visto e gosto que seja assim. São poucos os lugares na cidade em que é permitido fazer algazarra nas ruas de madrugada. Aqui a festa rola solta. Faz tempo que associações de moradores tentam tornar o bairro mais residencial, calmo, com menos festas, mas, mesmo assim, o bairro só se expande no que diz respeito à vida noturna. Eu me preocupei com isso – o barulho – antes de vir morar aqui, porém, estou gostando. Em Barcelona, em 2011, eu fiquei um mês na cidade, morando com outras pessoas. Era verão, época de férias, o bairro era residencial. Na frente da sacada do apartamento, que ficava no quinto andar, ficava uma praça. A praça era local de encontro dos moradores, como é típico na cidade. O barulho de pessoas conversando e crianças brincando começava de noite e ia até de madrugada. Era ensurdecedor, não apenas para mim, como também para os meus colegas de moradia. A questão é que minha subjetividade mudou nos últimos anos e esse tipo de barulho não mais me incomoda, também por fazer parte do “objeto” que estudo.

Sábado ao meio dia
Estão desmontando a feira alimentícia no Largo. Muitos caminhões recolhem o material. Aos poucos, eles saem. Por ser sábado, com o trânsito mais calmo, há menos barulho.  

Sábado de noite
A Cidade Baixa, no fim da tarde, estava toda viva, com os bares cheios de gente, devido ao calor nesse início de primavera. Deveria já ter saído de noite, isso é o mais óbvio, por isso se mora aqui, pelo agito. Quem gosta de ficar em casa, mora nos bairros residenciais. Mas não quero sair, justamente, para ver o que acontece lá em baixo desde cima. A Cidade Baixa vista de baixo, da rua eu conheço muito bem. Uma moto passa agora em alta velocidade, barulho agudo, em contraste ao barulho mais grave dos carros. A surdina berra durante um longo tempo e, depois, vai se emudecendo, se distanciando. Ouço o som de muitos carros ao mesmo tempo, que parece o som de ondas quebrando. Também há o barulho dos aviões e helicópteros que passam aqui, o que é mais raro. Poderia fechar a janela e ligar o ar condicionado, ficar acolhido, recolhido; mas deixo as sacadas abertas. Sinto palpitando o coração da metrópole. Tudo isso que me agita, me deixa afoito, me ajuda a escrever. Uma sirene por dez segundos e depois ela para. Os carros enfileirados na frente do semáforo. Um cão late. Vozes de pessoas. Ciclistas, transeuntes. Som de fogos de artificio. A luz de neon do posto de gasolina. As janelas dos apartamentos abertas que mostram luzes acesas.  Algumas pessoas poderiam estar aqui, mas estou preferindo que não. Ou seja, estou solitário, nesse tempo. A solidão é um afeto diferencial; experimentá-la talvez possibilite uma percepção molecular, do molecular. Os eremitas, os monges, com suas subjetividades moleculares são exemplos da potência da solidão. Pode ser uma potência, pode ser algo triste e doloroso, mas diz respeito a diferença. Talvez muitas coisas fiquem mais próximas quando se está só ou enfrentando um momento mais longo sozinho – isso é o que eu sinto quanto aos carros com seus barulhos, quanto às pessoas nas janelas, ao som dos helicópteros. Me sinto muito sensível. Parece que não apenas vejo, mas que também sou visto. Gostaria de permitir aos outros o prazer que sinto ao vê-los, por isso, deixo as luzes acessas. Se voyeurs quiserem me ver, não tem problema. Quero vê-los e pago isso com minha imagem. 

Domingo dia 28 de manha meio dia – 

Acordei no meio da manhã com um som alto. Talvez fosse um carro de som. Como estava meio adormecido, senti que pudesse ser algo como uma procissão. Voltei a dormir. Agora, ao meio-dia, poucas pessoas nas ruas. Normalmente, saio para almoçar no domingo, mas hoje vou ficar o dia em casa. Essa minha relação afetiva com a cidade é muito antiga. Quando comecei a usar maconha, gostava de fumar antes da aula, de manhã, e enfrentar a rua. Eu gostava de contemplar, sentir o nascer do dia, a névoa e as pessoas, chapado. Eu pegava ônibus, ficava na janela e olhava para a rua como se estivesse vendo um filme. Curtia, também, quando ia fumar com meus amigos mais velhos de carro. Era a mesma sensação, o para-brisas como tela. Quando estava sentado do lado do motorista, ficava olhando o espelho retrovisor que parecia uma pequena televisão. Minha primeira crônica foi sobre o trecho de uma estrada que vai de Porto Alegre até uma cidade vizinha; minha primeira reportagem foi sobre a noite na cidade. Na monografia trabalhei com a vagabundagem urbana. Parte da tese dediquei à cidade de Barcelona. A questão afetiva sempre moveu meus trabalhos, por isso, não me encaixo na identidade ideal de pesquisador, de cientista. O que move meu trabalho, sempre, é o afeto. Considero que é impossível pensar o mundo, a sociedade em que vivemos, sem sentir dor, medo, frustração e, até mesmo, um sentimento perigoso como o de insuportabilidade.  Mas, como as linhas de fuga estão sempre agindo, como a multidão produz, resiste, deseja, pensar nisso permite afetos nobres, como paixão, alegria. E como ou porque abstrair isso – o afeto – se está sempre presente? Falar de forma aberta, franca, demonstrar os sentimentos, não se perder em uma assepsia própria a ciência é uma falha, um erro? Sim, é um erro, mas eu gosto de errar. Quando falo “eu” (e isso é frequente aqui) é porque afirmo minha posição afetiva, tento fugir da fala impessoal acadêmica; mas obviamente ‘eu’ não diz muito. Dizer eu, é rotular, criar uma fotografia que nega os fluxos, as conexões, os agenciamentos. O livro está cheio de memórias pessoais que dizem respeito a esse “eu”, mas foi a forma que encontrei para pensar certos coletivos e os processos que passam as cidades. Como já disse, há contradições no meu trabalho, claro, pois é uma experimentação. 


Terça noite                                                              
Decidi não escrever no domingo e na segunda para ver o que uma pausa pode gerar. Sair um pouco de cima do texto, fazer outras coisas, esses momentos podem ser importantes para o trabalho. Acordei bravo na terça com o barulho das crianças da escola aqui do lado. Fizeram uma festa na entrada. Depois de passar inúmeras vezes na frente daquela okupa, que citei anteriormente, de tirar fotos, de ver pessoas na okupa, de conversar com moradores do entorno, fui até lá e tentei falar com eles. Como havia pessoas no pátio, eu as abordei e disse: olha, eu pesquiso okupas, eu passei aqui na frente inúmeras vezes, vocês devem ter me notado, estava com vergonha de me aproximar de vocês, porque sei que o pessoal antissistema não gosta de pesquisadores, mas gostaria de falar com um de vocês, fazer perguntas sobre o funcionamento do espaço, como ele está sendo gerido.... O coletivo, no momento, era formado por garotas, já tinha notado que a maior parte dos membros eram mulheres. As garotas me interrogaram e muito, disseram que eu deveria saber que eles não são abertos ao diálogo, pelo menos com gente como eu. Notei que elas estavam incomodadas com a situação. Quando vi que não haveria realmente diálogo eu disse: peço desculpas por ter vindo aqui, não vou mais passar na frente do espaço, admiro as okupações, que vocês fiquem bem e que dê tudo certo. Um amigo pesquisador sempre diz que eu idealizo demais os jovens. Sim, tenho um afeto especial com a juventude porque certos processos que dizem respeito a eles são importantes. As pessoas pensam sempre no futuro, desejam um bom mundo, mas que sempre está além e, por isso, não dão importância para o que está acontecendo, agora no presente.    




Terça noite ainda – 

Noite, 30 de agosto, ouvi gritos. Notei que um grupo vinha, gritando, do Centro pela José do Patrocínio (segunda rua mais importante da cidade baixa). Me perguntei: será gente a favor ou contra a Dilma? Logo ouvi o grito de guerra “Fora Temer”. Fiquei um pouco empolgado, pensei que veria em primeira mão uma grande manifestação. Mas não, havia no máximo 200 pessoas. Vieram do Centro para se aglomerar na Cidade Baixa, algo comum em manifestações do tipo em Porto Alegre. Mas me pergunto: tão pouco barulho? Nesse momento que dizem ser tão importante. Porém, talvez outros grupos estivessem em outros pontos, não sei. O que mais me causou estranhamento em toda essa história, do impeachment, é que em Porto Alegre, aqueles que tanto criticaram o golpe não saíram para as ruas. Tudo se naturalizou no discurso das redes sociais.

Terça a noite segunda parte  
Ouvi novamente gritos, muitos gritos agudos de “Fora Temer”. Vi um grupo vindo da Lima e Silva. Havia a mesma quantidade de pessoas da manifestação anterior. Eles pararam na Perimetral com a José do Patrocínio por mais de vinte minutos. Era pouca gente, eu só ouvia o: Fora Temer. A parada nesse local, a tática foi eficaz. Esse é um ponto estratégico, cheio de carros nesse horário. A manifestação causou um pequeno caos; e foi acompanhada por poucos policiais. Os motoristas não sabiam o que fazer. Vi carros andando de ré, carros passando por cima de canteiros. O fluxo, em certas direções, parava e depois voltava, porque o ponto é uma encruzilhada; quem passa por ele pode estar vindo da Zona Sul, das cidades do entorno de Porto Alegre, do Centro. Foi cansativo, estava contemplando uma manifestação que simplesmente não me interessa, uma manifestação pró governo, partidária. Minutos depois, o pessoal do DMLU com suas roupas laranjas começaram a limpar o Largo. Como sempre, aconteceu a feira de terça no espaço, e acho que eles foram impedidos de o limpar antes pela movimentação dos “contra o golpe”. O pessoal do DMLU sempre está por aqui, devido aos eventos constantes no Largo. Às vezes, os encontro em mercados do entorno. Como disse, foi cansativo ficar na sacada quando os manifestantes ocupavam o cruzamento. Mas não consegui sair da vista; queria ver o que ia acontecer. 

Quarta noite – trinta e um de agosto

Ouvi gritos, fui para a sacada e vi que era a manifestação passando pela Rua República. Senti que eles viriam até o Largo. Minutos depois passaram carros da polícia pela Perimetral em sentido Centro.  Primeiro um grupo grande de umas 200 pessoas chegou no Largo pela Perimetral vindo da Lima e Silva; dez minutos depois chegou um outro grupo. Tudo ficou parado, sem fluxos de carros. Não há como não apresentar essa mudança do entorno a partir das manifestações, mas, para mim, é uma questão, muito mais, estética e não ideológica.  Recebi alguns conteúdos pela web. O ativista de mídia Marcelo Branco fez uma gravação longa em vídeo de uma marcha contra o chamado ‘golpe’ ao governo Dilma. A marcha foi expressiva e aglomerou muitos jovens fortemente vigiados pela polícia. As imagens de Branco mostravam minutos da caminhada desde a Universidade Federal do estado até um centro cultural, que fica umas cinco quadras de distância da universidade. Nas imagens de Branco, uma sede do PMDB foi atacada pelos manifestantes. Deixo isso como registro para comparar com as descrições da tímida manifestação ocorrida ontem. Porém, friso que o que está acontecendo na política brasileira nos últimos tempos não me interessa. Me interessa a mudança do ambiente causada por um acontecimento desse tipo, algo que não se vê com tanta frequência. Outro vídeo de Marcelo mostrava a manifestação em frente do edifício do jornal Zero Hora sendo reprimida pela polícia.

Sexta dois de setembro de 16 -   
As ruas aqui da frente foram fechadas e surgiram alguns carros policias. Depois ouvi gritos de guerra, uma nova manifestação a caminho. Era pouco densa, talvez umas cem pessoas, entretanto, o som que faziam era bem expressivo. Atrás da manifestação estavam carros, motos e montaria da polícia. Dois helicópteros sobrevoavam o local, produzindo um barulho irritante, meio ensurdecedor. Um canhão de luz vindo de um deles iluminava as ruas. A polícia fechou ruas; o trânsito ficou confuso, os carros que vinham do Centro desde a José do Patrocínio tinham que desviar em direção à Zona Sul ou da Universidade Federal. Pouco depois, o trânsito voltou ao normal, mas ainda dava para ouvir gritos de guerra.

Domingo 4 de setembro – ver o tempo
Dia chuvoso, como nos últimos dias, nada demais, mais um domingo. Da sacada, noto alguém tomando algo, parado no meio do Largo, em um momento de pouca chuva. É um senhor de uns 55 anos de idade, que sempre está pela vizinhança tomando um latão de cerveja. Um pouco estranho ele parado, lá no meio do Largo, com chuva, bebendo. Já tentei falar com ele e ele sempre nega qualquer tipo de diálogo. Mora num hostel aqui na rua, local com uma turma grande, mas esse senhor nunca se mistura. O latão de cerveja as vezes vira uma garrafa plástica, provavelmente uma mistura de destilado com suco. Volta e meia ele desaparece, me disseram que ele é internado e no dia que sai da reabilitação volta para o Largo, com sua bebidinha. No fim da tarde, aconteceu um apagão, a região ficou sem luz.  Agora ainda sem luz, fico vendo os carros perdidos no cruzamento já que o semáforo não está funcionando; os motoristas sem saber o que fazer. 

Dia seis de setembro – 

Na noite anterior tive uma sensação estranha ao olhar a sacada; percebi como a vista, em parte, é espetacularizada. A Perimetral é ladeada em sua esquerda por grandes prédios imponentes: hotéis, edifícios comerciais e residenciais novos. À noite, com as luzes das ruas e essa coluna de prédios (que foram sendo construídos pelos menos nos últimos dez anos) iluminada, a vista é quase primeiro mundista, porém, apenas no lado esquerdo, ou melhor, a maior parte desse lado. Sensação parecida tive ao percorrer ruas no bairro, que não via pelo menos há 15 anos. Pequenas ruas da Cidade Baixa estão tomadas por bares e restaurante da moda. A Cidade Baixa, quem a consome são jovens adultos, classe média, de bom gosto, alternativos, muitos, gays. Há duas festas góticas no bairro; a casa noturna Opinião abriga shows com um pessoal de estética mais agressiva, como cabelos compridos e roupas pretas. Os metaleiros, os góticos, os hippies que consomem o bairro, não representam um perigo, apenas esteticamente destoam das patricinhas e dos hipsters de casas noturnas como Beco, Margot, Clube Silêncio. O dress code é marca das casas noturnas. Um gótico não vai numa festa funk, uma garota Funk não entra numa festa gótica ou em um show de metal. Já o morador de rua pode ficar na rua, mas correndo o risco de ser preso. A higienização, a gourmetização do bairro é um dos elementos da Cidade Baixa; o outro elemento é exatamente algo que parece ser uma resposta a assepsia própria à classe média. Esse último elemento diz respeito à pixação, aos moradores de rua e a grupos de jovens de classe baixa que fazem parte do ambiente. O pixo é predominante em muitas ruas; moradores de rua estão em toda a parte, a qualquer hora do dia. Os jovens pobres frequentam certos pontos do bairro, e eles têm fama de serem perigosos.

6 de setembro de noite, 20h45min  

Mais um grupo se manifestando. As ruas paradas. Dois helicópteros sobrevoam o espaço. Há umas quinhentas pessoas na rua, gritando: Fora Temer. Ouço batucadas. O posto de gasolina continua aberto; em manifestações, notei que o posto fecha. Helicópteros com seus canhões de luz iluminam as ruas. Uma fogueira feita pelos manifestantes em plena rua fica acesa durante mais de quinze minutos. A massa começa a se dispersar. Os helicópteros sempre fazem algumas coisas estranhas como iluminar terrenos baldios, edifícios, que não estão sendo ocupados pelos manifestantes. As ruas continuam fechadas, a fogueira ainda queima, e há pouquíssimos manifestantes no ponto em que havia aglomerado umas quinhentas pessoas. Os muitos carros estacionados no Largo continuam ali e não foram depredados. O posto aberto. Uns vinte minutos depois, carros começam a passar pela Perimetral vindo da UFRGS. A fogueira se apaga. Uns poucos manifestantes no espaço. Dois carros vêm na contramão pela Perimetral e entram na José do Patrocínio. Os helicópteros sumiram. Passam motos da polícia. Um carro da polícia para junto da fogueira e depois sai. Passa um caminhão do corpo dos bombeiros. Ouço gritos de guerra. Talvez a manifestação esteja ainda quente em um ponto próximo. Seria interessante se a manifestação voltasse para o mesmo ponto; a sensação de segurança, de que tudo havia voltado ao normal, seria contrastada com um novo pequeno caos, o que criaria uma sensação de sobre tensão. Param vários carros da polícia aqui na frente. Depois um efetivo com dezenas de policiais corre em direção a Lima e Silva. Ouço gritos de manifestantes. Depois vejo algo como uma bomba voando, uma bomba de gás. Ouço estrondos altos. Os estrondos continuam. O trânsito normaliza, porém, na parte esquerda da Perimetral em direção a Federal apenas passam carros policiais. Penso que os manifestantes, que estavam na posição Norte da minha vista, ou seja, na Lima e Silva, foram rapidamente dispersados pelas bombas. Parece que tudo fica normalizado. Continuei um bom tempo atento, mas nada mais aconteceu. 

Dia sete de setembro

Pensava que teria uma parada de sete de setembro de manhã na Perimetral. De tarde, um grupo se acumulou aqui na frente, gritando: Fora Temer. Eram pessoas de diversas idades, muito senhores e senhoras. Em determinado momento chegou um carro, com aparelhagem de som, e todos começaram a cantar o hino nacional de uma forma diferente. Todas as frases do hino eram terminadas com: “Fora Temer”. Antes de decidir descer para ver o que estava acontecendo (e nem queria descer, achei meio ridícula a situação) recebi informações do Marcelo Branco do que se tratava. Esse grupo se reuniu para cantar o hino dessa forma para uma gravação em vídeo. O fato foi organizado anteriormente pela internet. Para mim, foi muito mais importante, que a gravação, que o significado do sete de setembro, sentir uma mudança nessa parte da cidade, já que era meio da semana, feriado com cara de domingo, poucos carros na rua, menos barulho.

Quinta 8 de setembro 18h30

Dia de semana, fim da tarde; notei alguns – o que me pareciam guardadores – em volta de dois carros. Notei que eles olhavam para dentro dos carros. Voltei a escrever e no cigarro seguinte fui para sacada, e tive a sorte de ver os dois carros, grandes, caros, serem abertos no mesmo momento; e mais saíram no mesmo momento. Obviamente, foram roubados por aqueles que estavam em volta deles. Mas o mais importante, me perguntei se eu delataria uma ação desse tipo. Carros caros, comprados por cidadãos de bem, gente próxima a mim, roubados por ladrões de rua. Eu não tenho nenhum apreço por ladrões profissionais, que desejam ser ricos, como não tenho por banqueiros, políticos, policiais. E quanto ao cidadão de bem, que compra seu carro com esforço, um dos grandes bens de sua vida, apenas menos caro que a casa na cidade e a casa da praia? Eu tenho algum apreço por ele? O defenderia daqueles que precisam, ou mesmo querem, ir às ruas para roubar? Deleuze e Guattari eram ladrões profissionais, e os admiro. Eu sou um ladrão pé de chinelo, e não estou procurando ser admirado. Sempre quando ouvia a palavra “doutor”, ficava com medo, pensava: alguém muito importante está próximo. Hoje, ser doutor para mim significa muito pouco. É interessante como o empresário cheirador de pó, o yuppie, o pesquisador alcoólatra, a dona de casa que toma valium, como esses são tão bem aceitos socialmente; o que não acontece com o ladrãozinho pobre que rouba para manter seu vício. O empresário se orgulha de quem é, se sente feliz por não ser um ladrãozinho. O intelectual se considera especial, por pensar o mundo. E eu estou no meio disso, não estou livre, sou mais um; melhor, menos um. Rimbaud dizia que era um negro. O Beatnik era negro, melhor, white negro. Os White Phanters queriam ser negros armados. Negri foi um presidiário. Deleuze foi um fraco, suicida. Bukowski ,o vagabundo; Hemingway e Thompson também suicidas; os ladrões, viciados, gays como Burroughs, Jim Carrol. Presidiários, vagabundos, miches, suicidas, ladrões, me sinto bem com eles.


DELÍRIO NA CIDADE

Porto Alegre na virada do século era uma cidade diferente. Haviam poucos controles de velocidade de carros nas ruas. Dava para beber nos postos de gasolina e fumar dentro das casas noturnas. A Rua Oswaldo Aranha estava no auge como ponto underground da cidade; as áreas de prostituição da Rua Farrapos e do Bairro Menino Deus eram bem viva. A casa noturna NEO (antigo Fim de Século) passava pelo seu melhor momento. Outra casa noturna o Garagem Hermética tinha os melhores shows de bandas locais além de festas para aqueles com interesse em cultura alternativa. Nos domingos à noite o pessoal fazia pegas de carro pela cidade, principalmente na Rua Nilo Peçanha. No fim da tarde de domingo enchia de gente no bar mais clássico da Zona Sul, o Timbuka. Nas segundas feiras de noite o pessoal tomava o cruzamento da Rua Independência com a Barros Cassal. Também nas segundas uma casa noturna abria, o Virtual. Além disso, ainda funcionavam outras casas noturnas como o Elo Perdido e o DR Jekill.
Não sei se a cidade nessa época era tão diferente dela no início de 1990 quando tinha acabado de entrar na adolescência. Mas para mim aconteceu uma mudança radical ao começar a dirigir e ter mais dinheiro no bolso, passei a experimentar a cidade de outra forma. Sim, os automóveis são um dos grandes problemas urbanos, mas para um jovem, tirar a carteira, ter um carro em mãos, isso cria um tipo de empoderamento. Comentei sobre os pegas de carros, facilitados pelo trânsito não muito controlado. O pega é uma brincadeira na cidade, meio suicida: andar em alta velocidade pelas ruas, passar sinais vermelhos, não respeitar nenhuma sinalização, e isso as vezes em duplas, grupos de carros. O pega é experimentar a cidade de forma espetacularizada, é imitar o que se vê no cinema, na TV, imitar as corridas de automóveis. Porém, o empoderamento se dá na apreensão da cidade; de carro dá para ir de um ponto a outro em pouco tempo.
Na virada do século em Porto Alegre, o carro permitia então passar por todos esses espaços, comentados no primeiro parágrafo dessa parte, de uma forma simples e rápida. Um trajeto comum era ir da Oswaldo Aranha até a Farrapos. Dois pontos distantes, pouco comunicáveis, diferentes. Na Oswaldo, o pessoal ficava na rua, não tinha que pagar para entrar nos bares; dava para estacionar o carro curtir o espaço, sair dele e depois voltar. Na Farrapos, o que interessava era a área de prostituição, as meninas que ficavam nas ruas. O pessoal jovem frequentava a Rua não necessariamente para fazer um programa, mas sim para ver as meninas, falar com elas. E sem um carro fazer tudo isso seria impossível.
Quanto ao dinheiro – ter mais dinheiro do que se tinha na adolescência – ele permite que muito pontos sejam usados. As casas noturnas são pagas para entrar e nelas as bebidas são mais caras do que as dos bares abertos. Se um rapaz tem um pouco de dinheiro, ele pode compartilhar com as garotas, pagar entradas, bebidas, e com o carro pode dar caronas. Mesmo no meio underground isso é importante, sempre foi. Não por uma questão de prestígio, mas de liberdade.
Todos esses pontos eram frequentados por jovens, porém, as áreas de prostituição podiam atrai-los, mas eles não eram o público principal. Esses espaços boêmios, esses locais de encontro em dias pouco comuns para fazer festas – segunda à noite, domingo de madrugada – atraiam jovens, já que eles têm menos obrigações. É mais fácil para quem tem menos idade passar a noite bebendo, ficar em claro e depois seguir a rotina do que para um adulto. Claro que há muitos adultos que cheiram cocaína, pegam prostitutas, vão virados para o trabalho, pisam fundo no acelerador. E também, muita gente nova não sai à noite, ainda mais nos pontos marginais, e tem medo de usar certas substâncias. 


Começa a falar sobre noite-dia-crepusculo

A mim sempre interessou a área de indiscernibilidade entre a vida diurna e noturna, quando a festa continua, sem parar: passar noites e dias seguidos na curtição da cidade, sem dormir, usando pó, anfetamina, álcool, o que vier pela frente. É dia, meio da semana, tudo funcionando a todo o vapor, gente no trabalho, os estudantes nas escolas, o trânsito lento e monótono, mas alguns poucos estão em outra lógica. Me interessa essa área de indiscernibilidade entre dia e noite já que diz respeito a uma apreensão, percepção, experimentação diferente da cidade. Virar a noite com a cabeça cheia de muita coisa e se chocar com a vida diurna, essa mudança da noite para o dia já é radical. E se a festa está rolando direto, e não importa qual é o dia, é fácil seguir o ritmo em uma cidade grande.
Sim, os garotos fumam maconha de manhã, bebem de manhã, alcoólatras fazem isso o dia todo, profissionais precisam de pó para trabalhar, garotas tomam ritalina para estudar, donas de casa bebem vinho com valium. Mas virar a noite, não dormir, ficar uma, duas, mais noites acordados, e isso não nas férias na praia, mas em uma cidade urbanizada, isso acentua a percepção molecular. Prostitutas, drogados, traficantes, gente maluca, sempre estão nas ruas, são fáceis de serem encontrados a qualquer hora de qualquer dia, claro que é mais difícil as três da tarde de quarta-feira do que as três da manhã de sexta; mas os malucos sempre se encontram. 
O tempo cronológico é um controle, duro, doloroso, e ele é marcado na metrópole. Em Porto Alegre a maioria das ruas estão praticamente paradas em muitos horários. E isso doí, é uma forma horrível de opressão, estando de carro ou de ônibus. Mas na rua pode ter esse pessoal, no mesmo horário, caminhando ao lado dos carros. Esse pessoal pode estar bêbado e chapado indo em direção do Rio para ver o pôr do sol.


Crônicas – delírios em porto alegre

As páginas posteriores são sobre cacos de memória meus, referidos a Porto Alegre na virada do século. Tratam da indiscernibilidade entre dia e noite, sonho e vigília, lucidez e alucinação, realidade e ficção. São coisas que vi, fiz, ouvi que foram feitas, coisas que não sei são verídicas por serem absurdas, mas mesmo essas coisas absurdas sei que podem ter acontecido. São cenas da noite, ou do dia que é continuação da noite. Como muitas das histórias são situações que não tenho certeza se aconteceram realmente, escrever sobre elas é crônica, literatura ou autobiografia? Por isso no caso o registro artístico é mais importante do que o trabalho cientifico, a arte expõe melhor a loucura e a narcose do que as ciências. Como eu disse, o tempo funciona de forma diferente quando se está drogado e ainda mais sem dormir. Coisas estranhas acontecem, coisas acontecem e não são bem lembradas; três dias acordado, podem render só flashs do que aconteceu. Uma semana acordado e louco de muita coisa, pode ficar esquecida para sempre, e as vezes, as lembranças se misturam com fatos reais, sonhos e alucinações.   



De madrugada, acabei de sair de um bar, pedi um ácido para algumas pessoas, desconhecidas, não sei se eles me deram, se eu tomei, estou descendo de carro a rua do Jardim Botânico, os vidros abertos, som alto, alta velocidade, começo a respirar fundo, fundo, mais fundo, de repente cada inspiração é como seu eu estivesse aspirando um gás que sobe direto para o meu cérebro e me dá uma sensação de prazer. A rua fica flat, paro em um sinal, a alucinação acaba de súbito. Penso no que aconteceu; o que aconteceu? Eu tomei o ácido? A turma me deu alguma droga, uma droga nova? Nunca havia sentido isso. Me envenenaram? No chão da parte da frente do carro estavam descansando várias caixas de vários tipos de medicamentos estupefacientes. 
Estou voltando de carro de Canoas, cidade ao lado de Porto Alegre, estava tendo aula. Tinha virado a noite. Me sinto bem; não sei o que tinha tomado, não que eu não lembre, mas eu não sei, e não sabia. Devia ter tomado muita coisa. Estou na estrada e tenho um acesso de risos. Não consigo parar de rir. Sinto como se as pessoas nos carros, que elas estavam rindo comigo, rindo de mim por eu estar rindo. Me sinto louco, mas não me importo.
É de manhã na saída da NEO. Tudo estava escuro. Estou com a gangue na frente da NEO e a luz do dia quase me cega; me sinto meio oprimido pela luz do dia. Poucos carros na avenida, um pouco frio. Um carro passa em alta velocidade e um dos que estavam no grupo, a gente estava no meio fio, golpeia o carro e quebra o espelho retrovisor. Isso realmente aconteceu? Poderia acontecer algo do tipo? Um carro na rua em alta velocidade pode ser golpeado por alguém que está a pé? E mais, esse alguém nem se lesionou.
Havia tomado ácido e codeína no Garagem Hermética. A codeína tinha batido, mesmo que eu precisasse de doses cavalares para fazer efeito já que eu tomava feito água. O ácido não estava batendo. Quando chego em casa de manhã nada do ácido ainda.  A casa estava agradável, sentia um vento gostoso passando sobre mim, um frio agradável. De repente, paro na frente do espelho e me olho. Olho fixamente e quase vejo os ventos. E daí, ouço uma voz: “se despeça de mim” ela diz. Ouço isso apenas quando olho o espelho. Na semana seguinte uma amiga de infância se mata com um tiro.
Saio de um puteiro na Cidade Baixa de manhã, estou na rua. Devo ter passado a noite junto com as prostitutas. Me direciono para casa, que ficava na quadra abaixo. Ouço uma prostituta gritar meu nome, não sei por que, não dou bola e continuo caminhando.  É um dia estranho; a estranheza de se encarar o dia depois de ter estado a noite toda em um lugar fechado e escuro. O que se passou? Não lembro de nada. Provavelmente isso aconteceu inúmeras vezes, mas eu não tenho memórias claras precisas.  
Passa aquele mano que era namorado daquela garota que dormia no meu ap de vez em quando. Eles tinham um filho, uma bela criança. Passa ele e ele tem em mãos umas três garrafas de vinho. Pergunto: recebeu o salário do mês? Tá trabalhando? Daí ele diz: peguei nas macumbas do cemitério. Os cemitérios de Porto Alegre ficam perto da Cidade Baixa. Lá se reúnem mendigos que roubam vinho e cachaça das oferendas.
Nova York, década de 70, Iggy Pop louco de muita coisa como sempre. Ele passa por um pessoal, diz oi, mas não vê uma escada de oito degraus. Ele cai, rola pra baixo. Todo mundo diz: ele morreu. Mas ele se levanta e continua caminhando como se nada tivesse acontecido. Quando li a história pensei: acho que isso aconteceu comigo naquela casa noturna no fim dos 90. 
Alguém diz: a Maria Andrea, tomou Artane e atacou um grupo policial montado. Eu penso na hora: acho que isso aconteceu comigo.
É de manhã, passo na área administrativa da cidade depois de uma longa noite. Passo um sinal vermelho, a polícia me para, e diz: cara, é a segunda vez que você faz isso na semana; eu não vou te passar no bafômetro hoje, mas na próxima eu te prendo. 
Eu tava vidrado nessa mina. A gente se via sempre na NEO e ela virava a cara para mim. Num domingo na Oswaldo Aranha ela cede e a gente vai pro meu ap na Cidade Baixa. Estou nu ao lado dela; é de noite, madrugada. Ela se apoia na janela, nua. Nunca havia visto uma mulher tão bela, gostosa. A gente transa na janela mesmo, olhando para a rua. Depois pelo que me lembre, é dia, a gente tá na sala, eu estou nu e ela está com aquele vestido negro mostrando os seios e a púbis. Eu gostava do vestido, ela sempre o usava. Sem pudor pedi para por o vestido dela, a gente ficou ali na sala, ela nua e eu de vestido. Depois a gente transou de novo, deveria ser nove horas da manhã. Horas mais tarde estou sozinho em casa e vejo que ela havia escrito em meu diário: “vai a merda, eu te amo”. Na noite posterior a tudo isso, a garota que eu gostava, uma ninfeta dez anos mais nova, permite que eu a beije, não na boca, como rolou no Parque da Redenção horas antes, mas em seus peitos, em seu ventre, em sua vagina. Daí dias depois, estou fumando um na janela e vejo que ela – a ninfeta – lê me diário; ela lê aquilo que a outra mina tinha escrito: “vai a merda, eu te amo”. A garota ninfeta já tinha dito que me amava noites antes, em uma gravação telefônica. Ela, a ninfeta, foi embora e nunca mais a vi. Conheci ela semanas antes; eu estava descendo de tarde a Rua Independência; vi essa mina linda com uma criança caminhando pela Rua. Pedi para acompanhar. A gente desceu até o Colégio do Rosário, conversou, trocou telefones. 
Caminho pela rua, parece que estou caminhando a dias, parece que estou sempre na rua. Encontro um amigo e a gente vai tomar uma ceva num bar perto da Redenção. Antes eu tava na Redenção beijando duas EMOS. Sempre encontrava elas e não sei o que mais rolava, não lembro. Eu e o amigo a gente tava bebendo uma cerveja e comentei com ele: acho que eu tava caminhando de tarde no centro, perto da Matriz, tinha poucas pessoas na rua, vi uma mina caminhando. A gente, eu e a mina se olhou, eu beijei ela, assim do nada. Nunca tinha visto ela e ela gostou. Sim, isso aconteceu, mas eu não me lembro.
Minha amante foi convidada pela minha namorada pra gente ir no acampamento do Fórum Social Mundial. Isso em 2001 ou 2003 ou 2002. Minha namorada ficou conversando com minha segunda amante e eu fiquei com a minha primeira já que ela tinha várias caixas de Valium e Rohypnol. Antes disso eu tava em casa com minha namorada e a gente estava com várias caixas de ritalina. Ela me pediu um comprimido, a gente tava na cama. Eu fiz que ia por na boca dela, mas engoli. Isso se repetiu cinco vezes. Depois, dez anos depois eu vi essa cena acontecer em um filme sobre Johnny Cash. Então minha amante, no Fórum, foi me dando comprimidos. Eu pedia, ela me dava. Isso era de noite quando o pessoal dançava, bebia e tocava instrumentos rústicos entre fogueiras. De manhã a gente chega em casa, não sei como. Mas lembro bem de tomar tudo que ela tinha em mãos, mas não lembro da overdose, nem quando me levaram para o ambulatório. E tudo isso pode ter sido um sonho.
É uma noite escura, estou na Barros Cassal. Eu encontro aquela mina com sotaque estranho que era atriz de filmes de terror pornô. Em outra noite eu pedi para fotografar os peitos dela, enquanto o diretor dela estava cheirando cocaína em um grande espelho, isso no Garagem Hermética. Daí eu tava com a mina e a gente deu umas voltas pela cidade de carro. Acho que tava junto aquele cara, o Paulista. Eu digo para ela que não posso comprar codeína, a única farmácia que tinha não vendia mais para mim. Ela vai até a farmácia com as receitas e consegue comprar. Daí o Paulista enquanto ela comprava disse que iria me dar pelo menos mil reais se a gente roubasse a farmácia. Eu mudo de assunto. A gente tava num posto perto da Farrapos e o Paulista desaparece num carro com um psicopata cheirador. Eu fico com ela como queria. A gente tira umas fotos. Eu peço um beijo e ela me chama de infantil. Deixo ela em algum lugar muito longe, talvez na Avenida Assis Brasil.
O dia nasce e estou caminhando em direção da Farrapos para ir num puteiro, não sei porque estava caminhando; tinha perdido o carro? 
Eu estava voltando pra casa. Tinha saído da independência, e estava indo em direção à Zona Sul. Passei pela curva do Estaleiro e quase morri. Dormi na direção, mas acordei no meio fio e voltei para a rua. Só que um ano antes meu primo havia se acidentado no mesmo lugar. Bateu o carro num poste, quebrou o para-brisa com a testa. Passei pela Avenida Diário de Notícias – naquela época que era um lugar sem nada. Acordei na Escobar, com uma mão no meu pescoço perguntado se tava tudo bem. Notei o que aconteceu quando toquei no meu nariz quebrado: dormi na direção e bati numa árvore, uns quilômetros à frente da curva do Estaleiro. Como bom jornalista estava com minha câmera fotográfica no banco do carona. Sai cambaleando e tirei fotos nunca reveladas do acidente que rendeu perda total do Escort. Minha próxima imagem é de chegar num hospital e tentar sentar numa cadeira de rodas. Pensei que tinha quebrado o pescoço. A enfermeira me manda ir caminhando para fazer pontos. Um taxista me deixa em casa horas depois. Eu lhe digo que seria melhor fechar a noite na Farrapos já que meu pai ia me matar ao saber que eu tinha destruído o carro.
Não sei porque eu e minha namorada a gente decide conversar sobre a relação dentro do banheiro de um bar na Lima e Silva. A gente entra e começa a conversar. Ao mesmo tempo uma das atendentes do bar fica batendo na porta dizendo para a gente sair. A gente não sai, a gente ficou lá uma meia hora. Nossa turma de amigos estava lá fora fazendo não sei o que, mas nos esperando. Dez anos antes eu e meus amigos a gente entra em um banheiro minúsculo para cheirar pó pela primeira vez. A porta começa a bater, e a gente ouve berros pedindo para que a gente saísse. Isso era meio óbvio já que era o único banheiro masculino de um bar que enchia de caras que bebiam cerveja. Mas lá no bar da Lima e Silva eu e minha namorada a gente ouve uma voz alta e masculina dizendo: é a polícia, se não abrirem a porta vamos derrubar. A gente abriu e saiu sem problemas; apenas nunca mais deixaram a gente entrar no bar. Mas o mais interessante é que a polícia bate as sete horas da manhã na porta do meu ap na José do Patrocínio. Pensei: me ralei. Eu abro a porta e o policial diz: mas você de novo! Era o policial que me tirou do banheiro em que eu estava com minha namorada. Nesse dia a coisa foi simples, eu só tinha estacionado o carro em frente de um bar o que tava impedindo que o bar fosse aberto. Não sei o quanto de verídico é essa história, já que eu não confio em mim.
Eu saio de manhã da NEO. Uma garota debocha de seu amigo gay. Ela lhe dá um tapa no rosto. Eu fico puto já que ela estava sendo sádica com alguém mais fraco. Eu lhe digo: bate em mim. Ela abaixa a cabeça. Eu lhe digo: venha com minha turma não tem ninguém na rua vocês podem ser assaltados. Ela vem atrás de mim e me beija na boca.
Eu mando um segurança ir se fuder. Ele me arrasta de dentro da NEO e me põe para fora.
Eu peço cocaína para alguém é um segurança e ele me põe para fora de algum lugar que eu não me lembro.
Eu beijo uma garota dentro de um bar enquanto acontece uma chuva de garrafas, uma briga de gangue.
Eu acordo na rua, e a minha futura namorada aparece e me compra um XIS para eu comer.
Uma amiga me paga uma coca cola enquanto estou sangrando no braço em uma cidade qualquer.
Eu falo com um presidiário que ganhou um dia livre na parada do trem em Novo Hamburgo.
Não sei como eu chego em casa depois de fazer uma festa no Centro de Porto Alegre com alguém que eu nunca havia conhecido.
Ela me chupa em seu apartamento depois de anos tentando me comer. Meses depois eu vou na casa dela de madrugada, mas ela mesmo assim me acolhe. Anos antes a gente caminhava de madrugada da Osvaldo até a casa dela na Independência. Ela queria ficar comigo, eu não. Anos depois eu durmo na casa dela e a gente transa. Ela fica brava comigo porque eu derramei vinho no sofá. Anos depois eu digo a ele que a amo, e ela diz que sabe que é mentira. Não posso falar sobre ela, já que não sei se ela realmente existe ou existiu.
Eu entro em um banheiro de um bar – não sei qual – com duas garotas. O banheiro é o feminino talvez estivessem lá outras garotas. Eu e as garotas a gente se beija. Não sei como era o rosto delas. Parece que elas estavam tão seguras, livres, quanto eu. A gente não tava nem aí com seguranças, com as pessoas em volta. Sinto que isso aconteceu não uma vez, mas inúmeras vezes, em inúmeros lugares em inúmeras épocas. 
Em uma casa noturna eu começo a caminhar e beijar qualquer garota que passa pela frente. Eu beijo todas, umas dez, talvez tenha beijado rapazes, não sei. Lembro do afeto envolvido, algo que me impulsionou a isso. Depois eu transei com uma garota na janela. E depois..... um grande buraco negro.
Estou sentado com duas garotas numa escadaria, eu as beijo. Estou caminhando com um amigo e digo: Lucia é uma garota bonita, não? Ele diz: você ficou com ela noite passada. Eu pergunto para um outro amigo: eu tentei agarrar a Maria noite passada? Ele diz: você não devia ter feito isso. Eu saio do táxi na frente da casa noturna. Vejo uma garota e digo: vamos para minha casa? Ela estava conversando com um cara, acho. A gente pega o mesmo táxi vai pra casa e transa. Depois disso ela vai embora. Não lembro do seu rosto. Estou com ela na praia do Rio Guaíba, a gente está quase transando. Eu olho para o seu rosto e a cada piscada vejo um rosto diferente. É ela, sempre ela, mas ela de outras formas. 


Seção ficção – Literatura

A escrita acima, ficou presa na crônica, nos relatos “mais realistas”, mesmo que fossem a realidade da droga, dos sonhos, da loucura. Mesmo que absurdos para muitos o que foi narrado acima ter acontecido. A drogadiçao, a alucinação, a descida ao gueto, a marginalidade para muitos, para o bom cidadão, são inimagináveis, impossíveis. Agora abaixo, a linguagem delira muito mais, é literatura. Necessito dessa literatura, já que mostra uma subjetividade afetada pela transição, pela indiscernibilidade entre dia e noite, ou seja, não trata de fatos, mas de sensações percepções que a indiscernibilidade permite. Não importa muito o que corpo do drogado fez, mas como sua subjetividade é afetada. Escrevi as passagens sem usar drogas, aliás, escrevi em uma época muito calma, porém, o afeto, os devires experimentados pela droga estavam ainda muito vivos, duravam. Se trata de um estilo textual que experimentei na graduação. Na época, eu não consegui continuar com o estilo, já que era uma escrita muito cansativa. O estilo parece com cut ups, aliás, alguns textos escrevi para que fossem usados como cut ups. Um texto serviu como recorte em outros dois textos em que eu tratava da cidade, a parte final da minha monografia e um artigo para revista.
VER SE O PARAGRAFO NÃO REDUNDA COM PARTES ACIMA O que segue é uma textualidade delirante, de delírio na cidade, que diz respeito a uma subjetividade descodificada. Os textos são passagens do tempo, da noite para o dia do dia para a noite, as mudanças do tempo em um dia. Porque um dia? Para o jovem, para o drogado, interessa o que está acontecendo, não fazem planos futuros, não se preocupam com o futuro, importa é agora. E é fácil apreender um dia, sentir um dia inteiro na carne, ainda mais chapado. A passagem da noite para o dia cria um estranhamento arrebatador. Era de noite, era festa, a cidade era uma, mas com a chegada da manhã, tudo muda, muito. Sentir essa mudança afeta, acentua o efeito da droga. Se está com uma cabeça completamente diferente de todas as pessoas que estão nas ruas, mesmo que se esconda que se está chapado, se está virado, nas interações com os que não estão, isso acaba ficando visível de certa forma; há um choque entre o chapado e o cidadão. Quando a pessoa não dormiu, por um motivo qualquer, perdeu o sono e ficou se virando na cama, ou quando está de jet leg, sempre há o choque com o tempo cronológico, com as pessoas que estão seguindo o dia de forma normatizada.
Nesses textos há uma mistura de animais, seres humanos, personagens urbanos, artefatos, objetos, instrumentos; há o asfalto, mas há o céu, e a floresta, o sol, a lua; a enfermidade e a loucura também estão presentes. Coisas estranhas se ligam, pois é próprio da loucura e da drogadição. Os textos portanto, dizem respeito ao afeto da droga, dos sonhos e delírios, não narram fatos, não são realistas, o que se sente, percebe, a partir desses afetos formam uma realidade assustadora, impossível.... no segundo texto, a passagem do tempo é linear, mas se refere a percepçao de uma louca subjetividade dessa linha do tempo.
os textos são antigos, escritos na época da graduação. Eu tirei algumas coisas principalmente expressões de norma culta. Mas me importa o afeto que o percorre e também o fato de eu ter escrito sem pensar no que estava escrevendo, escrevi isso naturalmente, e como disse em um época calma.



Crepúsculo cinzento. Pássaros excitados pela transição temporal se escondem entre marquises e bueiros. Luzes artificiais surgem da cloaca da cidade. Uma lua insensível esconde-se entre a neblina e o cume de prédios silentes. E também a fauna urbana se metamorfoseia. Médicos e advogados retiram suas cínicas pompas, transformando-se em cafetões e traficantes. Estudantes abduzidos de seus ingênuos corpos se tornam assaltantes. Donas-de-casa vendem boquetes efêmeros nas esquinas. Apenas os mendigos mantêm suas formas corpóreas, já que seus organismos foram manipulados, em essência, na origem dos tempos.
Sigo meu caminho percorrendo as carcaças, os esqueletos de ferro, esses pequenos cânceres grudados nesse câncer maior, a cidade. Sinto o gás artificial, doce estado de torpor; mantenho-me conectado, buscando os espaços, os restos daquilo que a metrópole ainda não digeriu.
Ratos ensandecidos introduzem-se em canos de escoamento e ventilação. Morcegos curram rolinhas entre árvores petrificadas. Faróis iluminam restos de jardins de piche abarrotados de micro-organismos. Cães brincam com suas parceiras consumindo as alegrias do cio.
Bebês dão os seus primeiros passos em restos de lixo hospitalar, não sangrando seus pequenos pés idosos e calejados. Uma chaminé vomita o oxigênio necessário para a manutenção vital da metrópole. Em frente à boca de crack um letreiro luminoso grita: “Em reforma”. A noite vende suas vísceras a domicilio.
Acendo um cigarro. Cuspo restos de saliva e de órgãos internos no meio-fio. A lua vai brochando, lentamente, mas sorri em sua potência. A aurora dá continuidade ao ciclo e, aos poucos, espíritos terminais transmutam-se em corpos definidos pela rigidez moral e estética solar. Heroinômanos catam pastas e gravatas em sarjetas e enclausuram-se em gabinetes neuróticos sem ventilação. Michês limpam seus ânus vaselinados, com uniformes assépticos, e percorrem os corredores intermináveis da burocracia. Ratos ganham asas, mas mantêm-se no chão ingerindo alpiste e lixo. Maconheiros recolhem seus baseados chapando-se da fumaça das fábricas e seu virulento THC fordiano. Jovens recém-estupradas encaminham-se à feira em busca de seu desjejum. Mas, estranhamente algumas almas de aura vibrante, continuam estáticos em seu físico, já que o crepúsculo e a aurora nada significam para aqueles que queimam a própria carne em ode a insanidade.

Outro

Manhã idosa parindo pequenos cânceres. Manhã decadente, engrenagem do contínuo definhamento. Anões neuróticos cultivam leguminosas radiativas para serem digeridas por anões psicopatas herbívoros. Iluminações artificiais permitem a fotossíntese dos gigantes de pedra e das carcaças de aço. Crianças com Talidomida extraem membros de sexagenários, para completar as lacunas do corpo cansado e moribundo. Eflúvios incandescentes brotam do solo de plástico, queimando resíduos químicos de libido. O céu, acometido pela Cirrose, explode dentro de uma moldura repleta de ferrugem. Filmes maias são transmitidos numa tela orgânica, em estado de putrefação, para um público de jovens sifilíticos. A pureza, há tempos estuprada em mictórios públicos, finge manter certa compostura. Traumas sobrevivem e se recriam em múltiplas formas. O esquecimento deixa de ser uma mera negação frívola, tornando-se a única forma de impedir que a herança podre destrua o corpo enfermo.

Tarde adulta regurgitando o organismo. Tarde, de lucidez demasiada, perpetuadora da moral alienígena. Pergaminhos indexados, para a eternidade, são registrados em cartórios rígidos e inflexíveis. Ratos com sociabilidade aguçada rastejam em calçadas e seguem a rota linear que os conduzirá à glória terrestre. Um grupo de semáforos fêmeas conduz pombos a uma gaiola de vinil. Os pombos entram em êxtase ao reconhecer a aglomeração de outros seres da mesma espécie. Uma cadela dominatrix chicoteia os pombos. Os pombos cospem uivos de prazer. A dominatrix vomita um espectro marrom-esverdeado de sua vagina construída em tempos remotos. O espectro ganha vida e engole a cadela. Os pombos atônitos elegem uma gata para a função. A cena reinicia. O início irremediável e implacável. Em um canil, pastas abarrotadas de documentos, sem nexo e sem utilidade, são trocadas por seios, genitálias ou qualquer tipo de órgão sexual. Objetos fálicos de ossos são introduzidos em sulcos vaginais de alumínio, facilitados por uma mistura de gasolina, azeite e vaselina. Restos de restos de pequenas essências, que nunca existiram e nunca existirão, felicitam-se por sua inexistência. A tarde se eterniza. Um jovem – trancado em seu quarto, desconhecedor do sol – alimenta-se de seu próprio corpo. Cada pedaço de corpo deglutido impõe-lhe orgasmos intraduzíveis em qualquer dialeto racional.

Crepúsculo. Tempo zero. A subjetividade, liberta-se do sujeito. Subjetividade coletiva. Subjetividade animal. A enésima natureza, a poesia, sonhando consigo mesma, pensando em si mesma, experimentando a si mesma. Solitária, única, apenas sendo. Mares de excremento imensos, sem fronteiras e sem limites. A terra, interligada ao mar, ao céu, não consegue impedir que se veja todo o resto, aquilo que é visto apenas pelos surdos.   

Noite adolescente reproduzindo o êxtase da negação. Madrugada dos spots de carne. Pedaços de órgãos brincam com pedaços de libido. Desejos sendo comidos, pelas beiradas, em um prato de seda. A arte mostra algo muito mais imundo e purulento: escoriações, necroses, fraturas. O pesadelo insone debocha daqueles que ainda dormem. Multidões ovacionam lágrimas, pensando que elas são fúteis sintomas de uma saúde extraordinária. O poeta é morto para, logo após, tornar-se imortal. A loucura sempre foi bela. A arte deve ser uma mera máscara, caricatura débil, resíduo gástrico duvidoso, criada para a digestão de glutões que se alimentam do espírito do outro. O deus ânus apaixona-se pelas fezes. Pênis são dilacerados, castrados. A noite se reproduz, ao extremo, repleta de sangue. Há algumas horas foi reduzida à inexistência uma raça inteira. O genocídio tornou-se a solução mais eficaz. Punir é uma ação incômoda. É mais fácil matá-los. Torná-los humanos sairia caro demais para aqueles que se regozijam com a humanidade. Do mesmo solo em que raças foram destruídas nascem outras e outras e outras. O ciclo de destruição e criação nunca cessou e nunca cessará. Viva o nascimento, viva a vida. Deus cria para nos brindar com a possibilidade de destruir. Grande pai incentivador. Prostitutas e travestis, com suas entranhas de silicone e almas de papel de seda, cospem elegias venenosas entre si. As meninas e os meninos da noite, meus parceiros de penitências físico-afetivas, em sua maioria, tornaram-se clones. Seus peitos-bundas-espíritos-estilos são elementos de um simulacro perpétuo, mostram a tentativa de atingir-se a perfeição para serem expostos num museu de carne e terror. Senhoras arrastam-se embriagadas em calçadas empunhando poodles de plástico e intenções patéticas. Crianças consumidas por viroses desconhecidas jogam futebol em plena avenida, entre automóveis e seringas descartáveis. Mendigos em trajes de gala lutam por pedaços de excremento e garrafas de caipirinha de gasolina. Viciados, em narcose, choramingam canções de amor com sentido dúbio. A noite brinda olhos cegos com uma cegueira menos rígida. Os corpos sem face e sem silhuetas, banhados de múltiplas cores, tornam a visão um artefato desnecessário. Respirações, bloqueadas pela bronquite química, suspendem corpos em estado de morte efêmera. Volúpias auditivas curram tímpanos que sangram docemente. O ritual sacro noturno cria vaginas e sacos em lugares diversos ao organismo. O corpo é livre do parasitismo da alma. O espírito é crucificado junto a Cristo e regozija-se com o pecado. A memória se recompõe causando o esquecimento. A lembrança do prazer é bloqueada por células infectadas por vírus mutantes. O momento se dissipa no ato.

Aurora. 
Um grupo de cães, gatos e pombos se reúnem em um bar para decidir quando a Bomba A será lançada. Árvores e estrelas se suicidam junto ao rio em uma comunhão linda, indescritível. A metáfora do corpo da terra é contemplada em um letreiro que ninguém vê e nem deve ser visto. Lençóis se tornam asas; cobertores se tronam mais eficazes que gasolina. Bocas secas peregrinam para longe dos riachos da assepsia. Eles tentam esquecer, tentam não saber. Lexotam é a imagem do coração de Deus. 
Fim dessa parte 

Como essa parte é a mais experimental, me permito não finalizar ela, deixar ela com cara da inacabada, a deixo dessa forma: tiros para alguns lados, sem tentar amarrar o texto dando uma organicidade dura. Como digo: sujar o texto não por que não se tem opção, mas sujar o texto a partir de uma certa rigorosidade. Errar como objetivo.




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Aqui trato do skate na cidade de Porto Alegre nos anos 90. Apresento minha experiência como skatista, que envolve também um saber sobre o esporte, possibilitado por revista e vídeos. O recorte se deve, pois, moro em Porto Alegre desde os 12 anos de idade; quanto à década de 90, ela foi a época em que pratiquei o skate de forma mais intensa. Importante também é o fato de que o skate antes da virada do século ainda se referia a um estilo de vida marginal, principalmente, em Porto Alegre.
Decidi pensar na relação de certa modalidade do skate, o Street de rua, a mais marginal, com a cidade. Conclui que essa modalidade ressignifica espaços da cidade, é uma experimentação do tecido urbano. Assim, posso dizer que os skatistas são nômades, melhor, experimentam um nomadismo nas estrias da cidade. 
Morei até os 12 anos em uma cidade grande do interior do Rio Grande do Sul. Era grande, mas era segura. Não tinha como hábito andar de ônibus; então, ainda criança percorria toda a cidade a pé. Minha família, em pouco tempo, morou em três bairros diferentes. Portanto, eu me deslocava entre bairros para visitar meus amigos. Isso me afetou de tal forma que quando vim para Porto Alegre mantive a rotina de percorrer a cidade, mas acrescentando também as viagens de ônibus devido ao tamanho da capital gaúcha. O skate não ajudava na época a me deslocar. Porto Alegre não tinha uma estrutura como a dos dias de hoje, que facilita o uso do skate, roller e bicicleta.  Aliás, as ciclovias e as longas vias fechadas no fim de semana para o uso recreativo e não de carros, começaram a surgir devido a Copa do Mundo de futebol em 2014.
Me encantei com Porto Alegre por ser uma cidade grande e diferente, um lugar de possíveis novas aventuras. Além disso, havia uma pista enorme de skate, pública, situada no Parque Marinha do Brasil, com um número expressivo de praticantes. Comecei a frequentar o Parque e logo me enturmei. Esse tipo de modalidade que sempre me atraiu, o street, é feita na rua; a rua, como disse, esse lugar que sempre esteve presente na minha vida desde a infância.
O street, portanto, não depende de pistas, é feito partir do que a rua oferece. As pistas de skate, muitas delas, são pagas, e na época não havia skate parks desse tipo na cidade. A pista clássica do Marinha, grande, longa, com paredes irregulares, e um formato estranho, incomum, lá frequentavam também os que tinham interesse pelo street. Ela, posso dizer, era na rua, por ser aberta, e atraia poucos praticantes que levavam o skate a sério, porque, como disse, tinha um formato estranho em relação aos formatos em que ocorrem campeonatos. Nos reuníamos na pista, a usávamos e depois andávamos por Porto Alegre, ou seja, a pista do Marinha era mais um elemento da cidade que experimentávamos. Eu costumava a ir para lá no fim de semana. O fim de semana era fundamental, haja vista que a cidade na época, praticamente, parava nos sábados e domingos; assim, ela era nossa.

Breve história do skate

Surge principalmente na Califórnia nos anos 70. Surfistas que só podiam surfar pela manhã, pela natureza das ondas, começam a usar o skate para fazer manobras parecidas com as do surf. O skate era muito rudimentar, feito, em parte, pelas próprias mãos a partir de peças de patins e pedaços de madeiras. Com uma certa popularidade começam a aparecer marcas, que fabricam skates de qualidade e patrocinam campeonatos.
Um momento importante foi quando se nota que as piscinas das casas na Califórnia tinham formato parecido com o de ondas. Devido as secas na região, as piscinas ficavam vazias e elas tinham esse formato diferente por questões estruturais. Os skatistas começam a usá-las, criando manobras que impõe uma evolução radical no esporte. Tempo depois, a forma arredondada é copiada se atualizando na modalidade mais famosa, o vertical. Ou seja, as piscinas desativas são usadas de um jeito diferente, a inventividade que sempre motivou a prática. 
Nesse cenário californiano surgem três figuras chaves: Jay Adams, Tony Alva e Stacy Peralta. Alva foi o grande astro da época, criou e aperfeiçoou manobras. Peralta, montou a marca mais importante até os dias de hoje. Jay Adams foi o skatista carismático, ícone do skate como cultura marginal. Ou seja: a invenção das manobras; a marca (empresa) que produz skates e patrocina atletas; e o espírito outsider. Esses três elementos, são o que sempre moveu o skate, que não é apenas um esporte comercial, mas um estilo de vida.
No Brasil, o skate tem uma forte expressão nos anos 80, com revistas, campeonatos, skatistas inventivos, pistas e a vinda dos astros norte-americanos para o país. O núcleo do esporte, na época, era situado em São Paulo. No Rio Grande do Sul, além da capital, uma cidade era central, Novo Hamburgo, a qual tinha uma importante pista. Na era Collor, muitas revistas, marcas e pistas, devido à crise econômica, vão à falência. Porém, a partir de meados dos anos 90 o skate volta a crescer. O Brasil é muito importante no cenário mundial nos dias de hoje pela figura de Bob Burnquist, skatista brasileiro que levou o skate a um novo patamar.  

Espaços em Porto Alegre para a prática do skate nos anos 90

Quanto ao street não se necessita de muito para praticá-lo. Um chão liso é um começo. Nele há a possibilidade de inúmeras manobras, como a mais básica, o ollie, um impulso que faz com que o skate e o skatista voem desde o chão. Também um banco, uma escada, uma parede, um corrimão, uma rampa feita com as próprias mãos são importantes obstáculos que permitem inúmeras manobras. Se desejávamos nos anos 90 usar todas essas possibilidades tínhamos que percorrer a cidade; não havia um local com todos os obstáculos reunidos.
A principal praça do centro de Porto Alegre, a Praça da Matriz, tinha uma escada, um banco e algumas paredes. Normalmente, acabávamos a seção do dia nela, já que, como era no centro, havia ônibus que levavam para todos os bairros da cidade. O Marinha também contava com uma pista flat de patins. Como o piso era liso, quando a turma dos patins não estava a usando, nós praticávamos manobras de solo. No bairro Azenha havia um terminal de ônibus com, também, chão liso e alguns degraus que permitiam certas manobras, mas o mais importante é que era uma grande área coberta, então, íamos para lá quando chovia. Os estacionamentos dos supermercados eram convidativos. Dois supermercados reuniam muitos streeteiros: um Nacional no Menino Deus e o Dino Sul na Tristeza. Já que ao lado do Menino Deus ficava a pista do Marinha, costumávamos peregrinar pelas ruas desse bairro. O centro cultural Lupicínio Rodriguez, também, no Menino Deus contava com longas escadarias que pulávamos. A calçada da rua Borges de Medeiros, situada em uma lomba, permitia que a descemos em alta velocidade. O calçadão da rua dos Andradas nos fins de semana era também muito convidativo. Além disso, cidades próximas de Porto Alegre, como Canoas, Esteio, Novo Hamburgo, apresentavam uma cena própria referente ao skate; eram locais de fácil acesso já que o metro levava até elas rapidamente.
Eu tinha catorze anos quando comecei a usar todos esses pontos da cidade, tanto de dia quanto de noite. Para mim sempre foi seguro. Claro que a turma era grande, e ninguém se metia com nós; porém, sempre voltava sozinho para casa, pois era o único que morava na zona sul. Voltava de ônibus, de noite, e isso era algo rotineiro. Muitas vezes chegava em casa à meia noite, quando o dia estava com temperatura agradável e toda a turma estava reunida. 

Uma crônica pessoal sobre skate

Narro, em tom de crônica, como usávamos em um dia comum alguns espaços referidos acima. Era um domingo de sol, mas não muito quente. Cheguei no meio da tarde no Marinha; após o almoço, pois todos almoçavam em casa, já que ninguém tinha dinheiro para comer na rua. Lá já estava toda a turma reunida. Alguns andavam na pista, outras conversavam em grupo, outros fumavam maconha. Eu tinha 14 anos, meus amigos eram um pouco mais velhos. Não éramos donos da pista, mas éramos locais, bem aceitos e vistos. Eu já conseguia fazer algumas manobras difíceis; mas não havia desejo de me tornar um grande skatista. Da turma, uns três viraram esportistas que competiam. Mas parecia que todo mundo só queria curtir o domingo, fazer as manobras, evoluir um pouco.
Descemos até a pista de patins; ela estava vazia. A pista assim era nossa. O chão liso e flat permitia manobras de solo. Pegamos alguns engradados de madeira e colocamos no meio da pista – era um obstáculo a ser pulado. Fizemos uma fila, cada um repetia por sua vez a mesma manobra, as vezes com variações.  Ou seja, era algo livre, mas um pouco metódico. A repetição nos treinos de outros esportes não diferia muito. Também, no entorno da pista ficavam alguns bancos em cima de um chão liso, o que permitia toda uma variação de manobras.   
As nossas roupas eram de marcas do esporte. Não eram grandes marcas, mas sim, marcas pequenas, nacionais, boa parte criadas por skatistas. Como o Marinha era um espaço livre, aberto, gratuito, o pessoal que o frequentava em maior parte era de classe média baixa. Meus melhores amigos eram pobres, mas se vestiam melhor do que eu, pois trabalhavam, como office boys e estagiários. Não haviam garotas, nem que andavam, nem que iam para lá nos ver andar, algo diferente dos dias de hoje.
Decidimos ir até um lugar que tinha uma escada e um corrimão, próximo umas oito quadras do Marinha, na parte da frente do edifício de uma instituição Estatal. O corrimão ladeava a escada de cinco degraus; a manobra consistia em descer pelo corrimão do alto da escada. O grande perigo era de cair com as pernas abertas em cima do corrimão. Mais uma hora treinando, talvez mais de uma hora, porque o tempo não importava para nós, já que a prática era prazerosa. Também, umas duas quadras em direção do centro, um outro prédio Estatal contava com uma escadaria gigantesca que alguns de nós tinham coragem de pular.
Esses espaços que durante a semana contavam com fluxo contínuo de pessoas, em nosso domingo estavam vazios. Não havia nem seguranças que nos impedissem. Quando a gente cansava, sentava na calçada e fumava cigarros. Éramos todos companheiros. Nos víamos mais no final de semana. Subimos em direção à rua Borges de Medeiros. O comércio estava fechado. A Borges permitia uma descida em alta velocidade e manobras de chão, slides. As manobras mais clássicas. As quais eu apreendi a andar de skate. Slides é, a partir de uma boa velocidade, deslizar com as rodas em um sentido de 90 graus, ou seja, o skate fica de lado em vez de frente e desliza pelo solo. Mas também é possível variações, como um deslize de 180 graus ficando de costas para a descida ou um giro de 360, ou mais, quantos giros se conseguir fazer. 
Depois fomos para a Matriz. Tinha mais gente. Alguns skatistas melhores, mas nos misturávamos bem em todos os ambientes. A trip tinha começado no Marinha de tarde, já era de noite no centro da cidade. Fiz uma manobra perigosa num banco e caí em cima de uma mureta, de queixo na quina dela. Senti o impacto, me levantei e percebi um corte imenso. Fiquei assustado pelo contínuo fluxo de sangue. Tirei a camiseta para estancá-lo. Estava meio tonto, meus amigos falavam comigo, mas eu não conseguia pensar direito. Peguei um táxi e fui para casa. Se eu tivesse ido a um hospital teria feito inúmeros pontos. Meus pais não estavam em casa. Meu irmão me fez um curativo. Naquela noite estava tendo uma festa na minha vizinhança. Eu comecei a beber e esqueci do corte pelo efeito do álcool.
Dias depois, comecei a ficar com medo de fazer manobras em bancos, algo comum, um trauma, que pode ocorrer após um acidente. Demorou um mês para voltar à ativa. Hoje, vinte anos depois, tenho uma marca bem visível no rosto, meu queixo tem uma deformidade devido ao corte não tratado. Uma das relações principais do skate:  o chão e o corpo. Não há como não se machucar no chão duro. Isso faz parte. Durante meu tempo como skatista quebrei várias vezes o tornozelo direito; quebrei dois dedos do pé, também direito, fazendo manobras sem tênis, e como não tratei, eles são tortos; quebrei meu punho e fiz uma cirurgia dolorosa. O skate deixa o corpo mais duro, menos sensível à dor.


Os bandos de skatistas

Eu frequentava diversos grupos de skatistas. O meu grupo principal era uma turma com rapazes de diversos bairros de Porto Alegre que iam, principalmente, nos fins de semana no Marinha. Desse grupo, eu era o mais novo. Andava com eles por afinidade e porque tinha uma habilidade parecida. Havia outro grupo que era de meninos que moravam nas proximidades do Marinha. Eram da minha idade. Eu andava com eles, me misturava bem, mas eles não tinham o costume de sair do bairro e da pista. Também no Marinha, mais dois grupos eram formados por rapazes mais velhos; um grupo era de gente de classe média, outro, contava com um pessoal ligado a subculturas. Alguns deles eram bem conhecidos no meio. Todos estes grupos interagiam. No interior dos grupos ninguém os liderava. Os mais velhos, é claro, tinham mais habilidade, mas era normal todos andarem juntos no Marinha e na Matriz sem distinção. Posso falar que a relação entre todos era horizontal. Apenas uma outra turma, de skatistas que participavam de campeonatos, que as vezes estavam juntos de nós, quando eles andavam todos nós parávamos e ficávamos olhando.  

As pistas e a cidade

A pista do Marinha era – é – um longo canal com formato de cobra, por isso chamada de snake. A pista tem esse formato incomum. A cobra em ziguezague começa em uma parte alta e estreita e termina em uma grande bacia. Porém, não há trajetos definidos a seguir: pode-se ficar apenas na parte alta e fazer manobras de street; pode-se usar certos locais como se fossem uma mini rampa; pode-se descer a cobra usando todas as paredes. A pista do Marinha por sua natureza, diferente das pistas mais usuais, pelo menos na minha época, não era capitalizada por campeonatos; ou seja, era marginal dentro do circuito do skate na cidade. Quem lá andava não se interessava pelo lado comercial do skate.
Os tipos mais comuns de pistas no skate são a de vertical e a de street. Esta última é uma imitação de elementos da cidade: corrimãos, escadas, trilhos, caixotes, bancos, rampas. É uma imitação em um espaço restrito. A pista de vertical é ainda mais restrita. Ela tem o formato de U, e suas paredes têm altura de mais de três metros; nessa pista se pratica a modalidade mais famosa do skate. 
Bob Burnquist, entretanto, transcendeu o vertical e criou uma mega rampa, que consiste em uma rampa inclinada de 8 andares na qual o skatista desce e após pula uma outra rampa sobre um enorme vão. O pulo direciona a outra rampa a qual o skatista desce e então sobe uma parede vertical e faz uma manobra final. A mega rampa é o extremo do skate como esporte radical; parecida com o tow-in, a modalidade mais perigosa do surf, que consiste em surfar ondas gigantescas, às vezes, em tempestades em alto mar. O vertical, junto com a mega rampa, são as modalidades que mais geram lucro.
Essas modalidades restritas a espaços delimitados é que são as mais capitalizadas e publicizadas. O street de rua também pode ser capturado pelo mercado, o que é permitido pelo uso de equipamentos de filmagem. Com esses equipamentos e ferramentas de divulgação em vídeo como youtube, seções de skate na rua podem ser gravadas e apresentadas. Porém, normalmente, elas contam com skatistas que correm campeonatos, ou seja, estão inseridos no mercado.
As modalidades de pistas mais comuns se parecem muito com os esportes tradicionais. O futebol, o basquete, o vôlei, são praticados em espaços com restrição de movimento: uma quadra, com uma trave, ou rede, ou cesta, que impõe uma posição aos jogadores. Sabe-se o que vai acontecer na quadra. No skate de pista acontece o mesmo. No skate de rua as manobras também são delimitadas, dizem respeito ao estado atual de manobras que são realizadas. Cada espaço de tempo tem suas manobras, que vão aos poucos evoluindo. A diferença do street é que a cidade é um espaço imenso comparado a uma quadra.  
Para nós, não bastava a pista. Tínhamos a necessidade da cidade. Era comum de irmos até a pista mais famosa do Rio Grande do Sul na época, para andar nela; era em Novo Hamburgo. Porém, dedicávamos parte do dia para andar pela cidade. O motivo óbvio deveria ser ir até a pista e passar o máximo de tempo nela. Era a única do tipo próxima a Porto Alegre.  Mas não nos contentávamos com o espaço fechado, tínhamos necessidade da rua, do ar livre. Nós inventávamos novos usos para as ruas e seus elementos. Talvez fosse esse grau de invenção que nos movia.
A cidade aberta e praticamente impossível de reconhecer todos seus espaços tem algo de aventura. O mais importante no street na cidade é a liberdade que ele permite. Um skatista paulistano famoso na cena oitentista, conhecido apenas como Glauco, chamava o pessoal do street de “vagabundos”, pois andavam em qualquer lugar, a qualquer hora, sem pagar, e sem se importar com o mercado, os patrocínios, os campeonatos. A casa do vagabundo é a cidade. O local do streteiro é a cidade. A fama de vagabundos dos skatistas se deve, também, ao fato de que normalmente não são bons alunos e curtem drogas. 
Estar nas ruas é não estar em casa submetido às regras paternas; é não estar na sala de aula sob o olhar do professor; é não estar na quadra esportiva sendo dirigido pelo treinador. Estar nas ruas é estar livre, mesmo que exista a dor do lado negativo como a possibilidade de sofrer repressão da polícia ou encarar a violência, tanto de assaltantes, quanto de gangues. Ninguém fuma maconha numa skatepark fechada, que é um lugar regrado, para poucos, para os skatistas sérios. Muitos destes se drogam, não são bons alunos, passam o dia andando de skate; mas aqueles que estão nas ruas é que são os verdadeiros marginais.   
A minha turma eu conheci na pista do Marinha, na rua. Eu comecei a frequentar todos os fins de semana. Aos poucos, fui me aproximando do pessoal. Eu apenas andava de skate com eles. Muitos eu sabia só o apelido. Não frequentava a casa deles e eles não frequentavam a minha. Sabia pouco deles. Mas andei com eles durante anos. Éramos amigos, confiávamos uns nos outros. Se havia alguma briga, nós nos defendíamos juntos. Quando parei de andar por uns anos, eu simplesmente me desliguei totalmente da turma. É comum o pai perguntar: com quem você está andando? Se me perguntasse eu não saberia a resposta. Havia ali um perigo, o perigo das ruas.

Um filme sobre skatistas  

A questão do skate, da rua, da cidade, da marginalidade, do companheirismo, das drogas, dos perigos é muito bem retratada por Larry Clark, diretor estadunidense, no filme Kids, de 1994. O filme apresenta garotos e garotas de classe média baixa. No filme eles não vão para escola, os pais praticamente não aparecem. A maior parte das casas que eles frequentam não estão presentes os pais, então podem fazer o que quiserem. Eles frequentam uma praça. Lá se drogam e andam de skate.  
O filme é muito violento; há uma cena em que um dos personagens está fazendo manobras de skate e tropeça em um rapaz negro. Este rapaz o encara e é bem rude. Os dois começam a discutir. Então, um dos amigos do skatista agride o outro rapaz pelas costas. Depois disso, toda a turma que está na praça fecha uma roda e bate no rapaz. No fim, não se sabe se ele morreu o que seria bem provável.
Em Kids a aventura perigosa é constante. Além das brigas, há a questão da sexualidade no filme. Um dos rapazes que mais se interessa por sexo é portador de HIV e não sabe. Ele transa com muitas meninas e tem um fetiche: iniciar virgens. No filme, ele transa com duas virgens que possivelmente pegam a doença. Sexo, violência, drogas, skate, juventude, descontrole. O descontrole persegue essas experiências. Isso diz respeito a adolescência.
Por qual motivo tanto descontrole, tanta loucura, esse lado suicida, que não acontece em casa, mas sim nas ruas? Talvez seja, pois ficaram mais de uma década em casa, presos aos pais. É como se saíssem de uma prisão – a infância – e então enfrentassem, por vontade própria, às ruas, esse espaço cheio de prazeres e perigos – as ruas que são impedidas às crianças. E mais, o descontrole não se refere apenas à fuga da infância, mas também, à consciência de que a vida adulta está perto, outra prisão. A vida adulta do trabalho, do casamento, dos filhos, da dita maturidade. É como se soubessem que serão presos com data marcada e fizessem a festa antes de serem enclausurados. Sem romantismo e idealização quanto aos jovens, muitos deles, a maior parte vive numa prisão: do fascismo de gangues, da mentalidade fechada e reacionária em relação a minorias, do consumismo, de uma vida imposta desde cima. Mas mesmo os que estão presos, experimentam a liberdade, aqui no caso a partir do skate de rua.   

A maconha e a cidade

O uso da maconha é comum entre surfistas e skatistas. Entre os surfistas porque tem uma relação com a natureza, é uma erva natural. Quanto aos skatistas talvez eles tenham herdado do surf o uso da maconha. Não é incomum de esportistas se drogarem, mas há uma visão de que eles são pessoas saudáveis e que seria um contrassenso a adição a certos tipos de substâncias.
Uma aproximação importante entre o skate e a maconha é a relação com os espaços dentro da cidade. A maconha se usa na rua, no caso dos adolescentes, pela impossibilidade de se fumar em casa devido ao cheiro forte. Também, há a necessidade de se ficar na rua um bom tempo depois de fumar, por causa do cheiro impregnado no corpo e roupas. Mas a rua não é uma questão secundária, o maconheiro escolhe certos espaços que sejam seguros, que não tenham movimento de pessoas e nem policiamento. Com esses lugares há toda uma afetividade envolvida, normalmente, são lugares com um bom astral para se ficar chapado, que se deseja estar. 
Os espaços usados pelos maconheiros nos anos 90 em Porto Alegre eram inúmeros. Talvez o ponto mais famoso da cidade na época fosse o fumódromo junto à Rua Oswaldo Aranha. Era uma parte ampla de um parque, o Farroupilha, em que os frequentadores dos bares da Rua se reuniam para fumar maconha. Lá tudo era escuro, facilmente se via quem entrava no local e a polícia nunca dava batidas.
 Outros dois pontos eram a praia do Gasômetro e o Timbuka. Este um famoso bar na zona sul, situado junto ao Rio, em um bairro de classe alta. Fazem alguns anos que o bar fechou, mas nos anos 90 era um ponto essencial, que reunia uma multidão de jovens que lá iam para fumar maconha e beber. Quanto à praia do centro cultural Gasômetro, no fim da tarde ela ficava cheia de maconheiros que buscavam o astral permitido pelo pôr do sol. Também, a praia de Ipanema nos anos noventa era um ponto agitado de noite. Na areia, o pessoal se encontrava e fumava à vontade. Interessante que esses três espaços – Gasômetro, Timbuka e a Praia de Ipanema – ficavam, como disse, junto ao Rio Guaíba; um rio morto devido à poluição, mas que dava um ar, um algo de natureza, essencial na vibe do maconheiro.   Talvez a água lembre a praia, o mar do surfista, o tipo de esportista mais propenso ao uso da maconha.
Outro tipo de espaço usado pelos maconheiros são as praças. As praças do centro de Porto Alegre são os melhores lugares nessa região, pois elas têm pouco fluxo de pessoas e sempre há algo de verde nas praças, como árvores e canteiros, o que ajuda na vibe. No centro é impossível fumar na rua, o espaço é a praça. As mais próximas de cursinhos supletivos ou pré-vestibulares nos anos 90 eram as mais buscadas. Eram seguras, não havia policiamento, mesmo que as turmas não fossem silenciosas.
Como disse, se busca um lugar que se tenha uma afetividade, que não “corte o barato”. Isso é próximo do que acontece com os skatistas, que buscam um lugar prazeroso, que se deseja estar. Espaços diferentes da sala de aula, da sala da casa, do ônibus cheio, dos locais privatizados. A relação afetiva com a cidade do maconheiro, portanto, é parecida com a afecção do skatista. E isso se mistura porque quem anda de skate fuma maconha. 

O devir-nômade do skatista mas o nomadismo já é devir

Os skatistas não são nômades, obviamente, eles são sedentários, são cidadãos, mas no ato de andar de skate eles experimentam algo que diz respeito aos nômades, eles experimentam o nomadismo que resiste à forma dominante da cidade.
Eles – os streeteiros – criam um mapa da cidade, que conecta pontos diversos, montam caminhos de naturezas muito diferentes dos trajetos dos sedentários. Os caminhos dos skatistas como os dos nômades se realizam sempre no meio, não há um início nem um fim, pontos fixos. A cidade é um espaço estriado, tenta-se a controlar em sua completude, mas nos usos do skate se cria um espaço liso. Ou seja, os sedentários se desterritorializam na prática do skate e ao mesmo tempo desterritorializam a cidade.
A rua, esse lugar opressivo, organizado, endurecido, estriado, se torna outra coisa para o skatista, vira um lugar afetivo. Descer uma ladeira de asfalto, uma longa rua, entre os carros, numa “vibe meio suicida”. A calçada nas quais passam as pessoas apressadas, cabisbaixas, se empurrando, pode ser um espaço para se passar a tarde inteira fazendo manobras, o que dá um prazer enorme. Uma escada que mal é percebida, um corrimão que nem é usado, uma parede que nem esteticamente se dá valor, são ressignificados. Mesmo quanto ao piso, o skatista tem uma percepção capilar, pois qualquer alteração facilita ou impede de andar. Quem caminha pelos pisos notam-nos apenas se tiver uma mudança expressiva. Para o skatista é extremamente prazeroso encontrar um bom piso, ou seja, uma afetividade com o concreto, o asfalto. É estranho alguém dizer: “tenho um afeto quanto ao piso dessa calçada”; mas não é estranho para o skatista. 
O afeto é uma questão fundamental no skate; além dos espaços, há o afeto dos companheiros; a liberdade em relação as disciplinas, de ser vagabundo; o devir vagabundo. Isso é o uso diferencial, a ressignificação, a potência do skate. Claro que qualquer sedentário faz suas linhas de fuga, tem uma afetividade com pontos da cidade, faz seus mapas, mas para o skatista isso é fundamental, é o que o move.
A cidade do street é uma cidade em movimento, um mapa, que não é historicizada, pois o skatista não deixa marcas, registros dos seus usos, que são devires, acontecimentos. Se há uma história, ela é contada por alguns jornalistas ou cineastas, como Larry Clark. Mas a historicização do skate é feita pelo seu lado comercial; e como já afirmei: nosso estilo de vida não era para ser capitalizado.
O skate de rua, que é uma forma de vida, não é capturado como os grandes nomes do skate que desfilam nas revistas, nos campeonatos, que fazem história. Sim, suas manobras são imitadas, e eles são sempre valorizados, mas não queríamos ser eles, só fazer algumas manobras e curtir a cidade. Talvez fosse mais uma tomada da cidade do que fazer skate, pelo nosso estilo de vida.
 Há, portanto, o skate que se historiciza e o skate em devir, imperceptível. Éramos imperceptíveis para o mundo do skate capitalizado; imperceptíveis como quer ficar o maconheiro, como quer ficar o adolescente em relação aos seus pais sobre seus segredos. Não tínhamos obrigações com ninguém, apenas entre nós: ser da turma. Não tínhamos horários, apenas momentos. Isso muito diferente das obrigações de um skatista que corre campeonatos, que tem um patrocinador.  
Porém, o skatista patrocinado, mesmo profissional, curte também a cidade, faz sua experimentação do devir nômade. Ele não anda de skate apenas como uma prática capitalizada, anda também por prazer, como os vagabundos da rua. O skate nos 80 não dava dinheiro no Brasil, então havia uma confusão entre o skater de rua e o atleta, uma mistura de papéis; era uma fase romântica do skate, o skatista marginal e rebelde.

Consideração finais

O skate é uma questão não apenas existencial dentro da cidade é também política, biopolítica. Este conceito diz respeito à riqueza da produção dos grupos e sujeitos sujeitados. Os favelados constroem a cidade; os negros, gays, mulheres colorem o mundo apenas por serem quem são. Os skatistas vagabundos inventam mapas dentro da cidade, são cartógrafos. A cidade não seria tão colorida sem esses jovens sem muito na cabeça. Portanto, não há grandes diferenças entre o skate, uma ocupação e uma manifestação, considerando a ocupação e a manifestação como um fim em si mesmo, deixando de lado as demandas que as acompanham. A manifestação, a ocupação e o skate de rua mudam a estrutura urbana, criam um espaço não estriado; uma forma de resistência ao modelo de cidade. Expus nesta parte um caso específico, localizado: minhas turmas na década de 90 em Porto Alegre, as quais tinham como ponto em comum, principal, o Parque Marinha do Brasil, núcleo dessa subcultura na época. Mas tendo conhecimento da prática também por mídias diversas, como filmes de ficção, documentários, revistas, sei que o uso da cidade por outros skatistas, em regiões e épocas diferentes, é semelhante.   


Trabalho de Campo em Barcelona:  Okupas
Em 2014 ganhei financiamento para ir até Barcelona para dar continuidade a minha pesquisa de doutorado. Exatamente, quando cheguei na cidade, aconteceram lutas contra o desalojo, a mando da prefeitura, de um centro social okupado, Can Vies, localizado no bairro Sants, em Barcelona. As lutas nas ruas, as manifestações em massa, o conflito com a polícia, ocorreram ao longo de uma semana; tudo isso foi tão expressivo que a prefeitura teve que ceder, não destruiu o espaço e permitiu que o coletivo continuasse sediado nele. Isso foi muito bem documentado pelos meios de comunicação dominantes da Espanha e por mídias de movimentos de resistência do país. A partir daí, decidi ter o movimento okupa como objeto de pesquisa; fiquei os seis meses seguintes fazendo uma etnografia, principalmente, dos espaços ocupados por coletivos libertários.  
Can Vies, já em maio de 2014, começou a ser reconstruída, pois parte do prédio foi destruído quando a polícia tentou desalojar o coletivo. A reconstrução, feita pelas próprias mãos dos membros do coletivo, era financiada por quase 100 mil euros arrecadados partir de doações. Mesmo sendo reconstruída, Can Vies continuou já em junho a abrigar atividades como festas e assembleias.
O movimento okupa europeu dura décadas. As okupas se situam em prédios antes abandonados. Coletivos tomam prédios e a partir daí os tornam espaços auto gestionados. As okupas são usadas como moradias ou para fins políticos, ou têm essa dupla função. Na Espanha são mais comuns okupas que se dedicam a ser locais de política minoritária. Em Barcelona, elas são aparelhos centrais para os bairros e vizinhos e uma forma de resistência frente ao modelo de cidade imposto pelo governo e por corporações. As okupas em Barcelona, a maioria, tem uma vida breve. Um local abandonado é escolhido previamente, por um coletivo, o coletivo o okupa. Nesse momento, pode haver denúncias e o coletivo pode ser retirado do local. Senão, o coletivo começa a dar vida ao espaço. Mesmo assim, o perigo do desalojo sempre persegue a okupa. Porém, como o movimento é grande na cidade, e os muitos coletivos são irmanados, em muitos casos há uma pressão social, que pode impedir o desalojo, como o que aconteceu com Can Vies. 
Okupar um espaço ilegalmente, a auto marginalização de coletivos, se refere a uma questão ética: por as dinâmicas da cidade, o espaço do controle, nas mãos da população.  Ninguém vira dono do espaço, o coletivo apenas o gestiona criando eventos para os vizinhos. E mais, os coletivos sempre estão em movimentos, as pessoas circulam e sempre há uam abertura para novos membros. Ninguém diz: esta é minha okupa. Ou seja, são ladrões e sua ética é não capitalizar o espaço, torna-lo privado.
A internet, o compartilhamento de informações é isso também: se baixa de tudo que foi passado para o digital: livros, álbuns, filmes, softwares, jogos, o que for. O roubo é a lógica da cultura da rede. se rouba na internet para enriquecer a multidão; o capitalista rouba para si. E quem é afetado pelo rouba cibernético é exatamente o capitalista. Ninguém sai por aí dizendo: quer ver minha coleção de arquivos baixados na internet. Antigamente se ia nas casas para ver a coleção de livros, filmes, e discos. Como vai ser visto no final desse capitulo, um senhor morador de bairro, diz que acha feio o que os ocupas fazem: eles não compram um espaço, não contratam ninguém para construir reformar um espaço. Os okupas acham feio, terrível, uma conduta inaceitável ser como esse senhor; alguém impregnado pela logica do capitalismo.


Quanto à minha experiência pessoal em Barcelona: as okupações na cidade em sua maior parte são dispositivos políticos. Pessoas tomam prédios vazios em seus próprios bairros e os tornam um aparelho para suas regiões. As okupas são interligadas, irmanadas e formam um movimento. Também há um diálogo e trocas com movimentos de outras cidades do país. A maioria tem canais de internet no Facebook e Twitter e usam blogs.
As duas okupas mais antigas na cidade ainda ativas são: a Kasa de la Muntanya okupada em 1989, situada no distrito de Gràcia, e reúne um dos coletivos anarquistas mais puristas da cidade; e Can Vies, existente desde 1997. Os bairros e distritos de muitas okupas são residenciais, não marginalizados, como Eixample esquerdo e direito, Sants e Gràcia. Na cidade, surgiu um movimento dentro do movimento: os Bancs Expropriats. Estes eram sediados, normalmente, na parte baixa de prédios, onde, anteriormente, abrigavam agências bancárias, entre eles: o Banc Expropriat, Casal Três Lliris e La Porka. Os dois primeiros se situam em Gràcia e estão em processo de desalojo desde 2014.
Há uma divisão entre os vizinhos no que diz respeito a okupar, alguns apoiam, outros criticam. O movimento produz manifestações, festas, ações políticas e os eventos de gerenciamento do espaço. A idade média dos ocupantes gira em torno de 20 e 30 anos. Dialogam com as mídias. Lutam contra o modelo Barcelona, uma marca importante no cenário mundial. As okupas abrigam coletivos que gestionam o espaço ou coletivos que não têm local para se expressarem. Elas se expandem em eventos que reúnem muitas pessoas. Se em Can Vies o coletivo da assembleia geral tem aproximadamente 40 pessoas, em suas festas podem atrair um número dez vezes maior. 
Como fiquei seis meses em Barcelona, portanto, o trabalho etnográfico foi relativamente curto, o que não me permitiu entrar totalmente na rotina das okupas. Penso que precisaria de mais tempo para me envolver com mais proximidade com o movimento na cidade. Também, eu nunca havia trabalhado com etnografia em minhas pesquisas; isso eu aprendi na prática nesse tempo que fiquei na cidade. E se isso é uma etnografia, ou uma cartografia, que precede a etnografia, eu não sei. Descobri a cidade aos poucos, fui me afundando na Barcelona não consumível. Me ajudou o fato de já ter ficado um tempo em Barcelona como turista. Em 2011 fui para a cidade para conhecer a rica Barcelona e a conheci. 
Uma grande diferença dessa parte é que o caderno de notas foi rigoroso acompanhando dias, todos os dias e eventos. Na parte da sacada acontece algo parecido, mas mais solto e livre, já que essa parte era para ser exposta em uma tese. Havia um compromisso duro, pesado em minhas costas. Decidi por no livro já que se centra em projetos contra o controle urbano. Também já que minha banca me expos que essa parte era uma parte isolada da tese. E se estava isolada, penso que aqui é mais própria de usa-la. É a parte final da tese e me impulsionou a focar no tema cidade nesse livro. Me foi dito na banca que deveria partir para a etnografia, que seria um bom caminho.
Neguei-me a fazer formulários, dispensei uma relação burocrática com os membros dos coletivos; participei, não ativamente, de uma comissão de Can Vies; fiz algumas entrevistas formais e conversei com o máximo possível de pessoas. O que mais fiz foi estar presente, percebendo, aos poucos, o que estava ocorrendo. Quando conseguia uma conversa com alguém, isso era muito importante. Lutei para obter entrevistas. O que eu mais gostei nelas, não foi a profundidade, mas, sim, o contato mais próximo com pessoas durante um bom tempo. Sempre considerei mais importante estar presente, sem usar da parafernália metodológica dura, ver e ouvir as pessoas e também conversar com elas. Queria vivenciar os espaços, me perder neles.
Como já tinha, anteriormente, conhecimento de boa parte de Barcelona, já que fiquei um mês na cidade em 2011. Nessa época, fui a lugares de madrugada de táxi que nem sabia onde ficavam. Frequentei bares de música alternativa, ou seja, que atraem pessoas visualmente estranhas. Nunca me senti intimidado. Também gostava, em 2011, de caminhar de madrugada pelo bairro em que morava. Depois das duas da manhã, não havia ninguém nas ruas. Ainda assim, nunca senti medo. Passei várias vezes pelo local de prostituição no bairro Raval. Fui abordado inúmeras vezes por traficantes. Eu não gostava da situação, pois ficava preocupado com o fato de algum policial me ver falando com traficantes, mas nunca tive medo deles. Também estive em manifestações em Barcelona em 2011 e Porto Alegre, manifestações com forte aparato policial. Em uma manifestação na Praça Catalunya, em 2011, eu não estava portando nem o passaporte, e nesse dia, eu estava a poucos metros de jovens sendo detidos pela polícia.
No início da minha estadia em 2014, fui sozinho até o prédio de Can Vies; estava na frente de Can Vies, em uma rua com pouquíssimo fluxo de gente, na frente do símbolo mais importante de luta da cidade nos últimos tempos. Estava apreensivo por dois fatores: uma abordagem policial e um encontro com pessoas da okupa, possíveis revolucionários. A apreensão se devia por dois discursos: o discurso das mídias sobre manifestantes e okupas e o discurso dos movimentos que expõe a violência e o poder quase absoluto da polícia. As manifestações haviam acabado há algumas semanas, mas eu não sabia realmente o que estava acontecendo naquele momento.
Pensando agora sobre o medo, pela minha experiência com a cidade, como comentei anteriormente, por percorrê-la livremente, por ser de tarde de um dia de semana, não havia com o que me preocupar. A apreensão exagerada se deveu, provavelmente, às imagens e notícias da mídia. Se não fosse um pesquisador, se não estivesse muito interessado na okupação, teria virado as costas e não teria voltado. Ou seja, a política do medo, gerada pela mídia e pelo governo, funciona muito bem. Penso que deve haver muitas pessoas que desejam conhecer Can Vies, mas que, devido a essa política, evitam de ir até o local.
A base desse capítulo se refere ao meu caderno de notas, que fui acumulando ao longo do tempo. Cada encontro rendeu algumas páginas. Além disso, tirei muitas fotos, o que foi fundamental para pensar na estética, mas também para relembrar encontros. Quando voltei para o Brasil, revi tudo isso e percebi, após pensar muito sobre o movimento okupa em Barcelona, alguns tópicos importantes. Recortei e reescrevi o caderno originando este texto.
O capítulo está organizado da seguinte forma: primeiro, apresento okupas com as quais convivi em Barcelona, de forma geral; depois, o divido em temas: estética, festas, acampada e o trabalho político nas comissões e assembleias. A estética trata do meu impacto visual ao ver as okupas pela primeira vez. Esta estética, para mim, é uma das formas de resistência das okupas a partir da pobreza. As festas e assembleias são as duas atividades mais frequentes nas okupas e mesclam política e reprodução, ou seja, misturam códigos. A acampada é um método típico dos movimentos de resistência; nessa parte, narro minha experiência em uma acampada realizada por um espaço autogestionado, o Casal Tres Lliris.
As okupas que trato ao longo do capítulo são: Can Vies, centro da pesquisa; Casal Tres Lliris, a segunda okupa mais importante no trabalho; Banc Expropriat; alguns espaços urbanos usados por coletivos de Vallcarca. Narro, ainda, o contato com algumas outras okupas, mas de maneira breve.
Não tive como intenção visitar e pesquisar todas as okupas da cidade. Evidentemente, tive um desejo de conhecer o máximo possível, mas decidi escolher algumas a partir de certos motivos e direcionamentos da pesquisa. As okupas que têm perfil no Facebook ou blogs na internet permitiram que eu soubesse de suas ações, principalmente de seus eventos. Também, um informativo, Info Usurpa, que tem edição semanal, apresenta eventos de okupas diversas em Barcelona. Mas há muitas okupas e eventos que não são expostos pelo Info Usurpa.
As okupas que estivessem em um local de fácil acesso e seguro me deixavam menos apreensivo de visitá-las. Isso não impediu nem restringiu o contato com os espaços, uma vez que existem inúmeras okupas que estão situadas em áreas residenciais, de bairros tradicionais de Barcelona. Facilitou – e muito – a localização do Casal Três Lliris e das festas libertárias que aconteceram no bairro Gràcia, pois morei nele. 
Em Can Vies, mesmo estando em um bairro mais distante, me programei para participar de todos os eventos e assembleias que ocorressem no local, tendo em vista que Can Vies é um símbolo atual da okupação em Barcelona e em toda a Espanha. Além disso, os espaços apropriados de Vallcarca produziram suas festas libertárias e alternativas. Vallcarca faz parte do distrito de Gràcia, e isso ajudou para que eu estivesse presente nos eventos. Outros espaços, frequentei apenas a partir de certos eventos que me interessaram, como o La Rampa, Espai Germanetes e Can Batlló.
Friso que não frequentei as festas alternativas de Grácia, uma delas feita pelo Casal Tres Lliris, e as festas de Vallcarca somente por estarem próximas de onde morava, mas por, conjuntamente, as festas Libertarias de Sants – esta também produzida pelo coletivo de Can Vies – serem as mais importantes festas ligadas ao movimento de resistência na cidade. E as festas são centrais para o movimento.

 Plano geral
Há uma forte identidade de bairro em Barcelona. Okupas servem como espaço para as pessoas e coletivos do bairro. Talvez isso se deva à própria estrutura da cidade. Em Barcelona, muito gira em torno do bairro. Pessoas, às vezes, nem frequentam o centro da cidade, dominado por turistas. A cidade para o turista não é a cidade das okupações. Os turistas ficam alguns dias, frequentam os lugares mais famosos, a rica Barcelona.
Comparando Barcelona com Porto Alegre as dinâmicas das duas cidades são muito diferentes. Em Porto Alegre os bairros não significam muito para os seus moradores. As praças tão importantes para os bairros em Barcelona em Porto Alegre funcionam de outra forma. Nos bairros que convivi, em Barcelona, as praças reúnem bons cidadãos ou turistas, ou ambos; dependendo do bairro, se nos bares das praças o que é vendido é caro, elas acabam sendo tomadas por turistas. Nas praças em Porto Alegre não há comércio, porém, boa parte delas tem quadras e equipamentos esportivos. Muitas delas reúnem sim, moradores do entorno como, senhores e senhoras, crianças, famílias. A primeira diferença entre as praças de porto alegre e as de Barcelona se refere a capitalização e ao turismo. A segunda diferença, é que em porto alegre muitas praças reúnem uma massa de desocupados, desempregados que ali passam o tempo. É muito comum que os sujeitos dessas massas sejam usuários, principalmente, de maconha. Comum também sujeitos, trabalhadores, irem até as praças de tarde em horário de folga com seus carros para fumar maconha. Como já disse no capitulo sobre skate sempre frequentei praças em porto alegre para fumar ou praticar street. Voltei muito tempo depois a frequenta-las porque comecei a praticar basquete, e muitas praças na cidade tem quadras do tipo. E nelas percebi essa miscelânea de personagens: o desempregado, o maconheiro, o traficante, a turma de jovens, o morador de rua, os namorados. 
 Em porto alegre há em certas áreas grandes parques que são frequentados por pessoas de bairros diferentes. Na Cidade Baixa há, me parece, um movimento vicinal; eles conseguiram impedir a movimentação – que chamam de baderna – constante de jovens em certos pontos do bairro. Mas o bairro por sua localização e infra estrutura é para os moradores da cidade e das cidades próximas. A zona sul de porto alegre é considerada como um objeto de valor, um “bom local” para se morar, morar nessa zona é um tipo de estatus. Porém, eu morei por uma década na Zona Sul, a frequento e não me parece que haja algum tipo de mobilização vicinal para controlar o bairro. A luta em Barcelona é contra os turistas, em porto alegre é contra os pobres, os jovens e os marginais. A partir da copa a cidade ganhou muitos atrativos, ficou mais turística; quanto a isso houve muitas manifestações contrárias, mas provavelmente é desejo da maioria tornar uma cidade do sul do brasil em uma cidade turística. Como se a europa, o simulacro da europa, fosse o caminho do progresso brasileiro. Não tenho dados sobre isso: mas faz parte do discurso corrente, a europa como destino. Porém, o que está mais evidente é que o brasil vai continuar brasil, o que sempre foi um país pobre; só que na logica da globalização muitos países que foram de certa forma ricos agora vao se tornar brasil também. A europa era o destino do progresso, o brasil é o destino da crise ocidental. 

Os moradores da região do Gràcia reclamam de que ela está se tornando um lugar privado, para turistas. Suas inúmeras praças são rodeadas por bares, com os mesmos preços do Centro. As terrazas dos bares ocupam a maior parte das praças. Existem alguns poucos bancos públicos para as pessoas que não querem gastar dinheiro nos espaços privados. A praça mais frequentada por jovens tem poucos bancos públicos, a maioria é de bancos dos bares, mas os jovens compram comidas e cervejas em lugares mais baratos e consomem no chão mesmo.
Por isso, por essa privatização dos espaços, os movimentos do Gràcia também tomam as praças. Com frequência, a praça próxima do Banc Expropriat é okupada pelo coletivo. Nela, há um quiosque que fica aberto em momentos festivos. Este quiosque é curioso, é parecido com uma banca de revista, mas é um espaço liberado.
Algumas okupas têm, ainda, uma questão simbólica: muitas delas eram antigas agências de bancos que estavam desativadas pela crise espanhola; entre elas: o Banc Expropriat, o Casal Tres Lliris e, também, o La Porka, que se situa em uma região próxima de Can Vies. Assim, os okupas produzem sua resistência simbólica: o que era um banco agora é um espaço de resistência ao capitalismo; ressignificam o espaço, agora de todos, não um ponto de opressão. 
Há uma regularidade de atividades nas okupas: oficinas variadas, de danças, de instrumentos musicais, de gastronomia, esportes, línguas; festas com comidas e bebidas de baixo custo; mostras de filmes e peças de teatro; palestras. Semanalmente, acontecem os eventos de gestão dos espaços, como assembleias e encontros de comissões. Algumas okupas ainda agregam outro elemento: a moradia, o que acontecia com Can Vies e ocorre com a Kasa de la Muntanya. Esta última localizada junto ao Parc Guell é mais hermética, não é aberta à visitação, apesar de fazer alguns eventos públicos.
A antiestética é algo predominante em todas as okupas que conheci em Barcelona. As okupas têm um tipo de estética primeiro, devido ao fato de que elas se atualizam em prédios antes abandonados. Os okupas não se preocupam em impor ao espaço uma estética normatizada. É comum escombros no interior, a fachada desgastada, o teto sem forro e parece que não há a intenção de arrumá-los, provavelmente porque isso envolveria dinheiro. O tratamento estético, produzido pelos okupas, é visto principalmente nos grafites e nos cartazes, muitas vezes abundantes. Essa antiestética resiste à estética que diz respeito ao modelo dominante de cidade.
As okupas não parecem uma casa, um clube recreativo nem uma casa noturna, mas são espaços de ócio, reprodução, convívio. Em casas noturnas, clubes e residências não são colados nas paredes cartazes sobre eventos de resistência. Sedes de sindicatos e partidos podem ter seus cartazes com palavras de ordem, mas neles o símbolo okupa não está em todo o lugar. As okupas têm forma e conteúdo libertários.
Uma das críticas às okupas se refere à insalubridade dos espaços. Em muitos espaços que conheci, era comum haver móveis usados e envelhecidos e um pouco de bagunça. Além disso, sentia a presença de poeira, que, possivelmente, era derivada das paredes e dos pisos desgastados. Porém, as okupas sempre estavam limpas, sem odores. Em Can Vies, a poeira era algo comum em virtude da reconstrução. A poeira que notei era parecida com a das praças. Na acampada do Casal, muitos jovens andavam pela praça, descalços, ou seja, era comum pó em seus pés. A praça era limpa, mas havia essa poeira. A poeira das okupas as aproxima das ruas, das praças, dos locais urbanos abertos, tão importantes para os coletivos. 
A riqueza estética e a outra estética podiam ser contempladas nos dias das festas do Gràcia, realizadas anualmente, e organizadas por vizinhos da região. As ruas pareciam galerias de arte a céu aberto; estavam repletas de turistas, famílias tirando fotos e circulando pelo lugar. Os locais das festas alternativas às festas oficiais, realizadas por coletivos libertários, eram diferentes. Também havia bares, mesas para almoços comunitários, mas o que diferia além dos eventos eram os muitos cartazes com a temática de resistência e okupa.
De todas as okupas, a mais estilizada é a de Can Vies, e, ao mesmo tempo, está semidestruída. O prédio todo e as paredes da rua em que está situado são pintados com belos grafites. Outro espaço que, esteticamente, é parecido com Can Vies é Vallcarca, pois parte do bairro está destruída devido à especulação, porém os vizinhos o estilizam com grafites. Em Vallcarca, em dias de festividade de coletivos que tentam retomar o bairro, alguns jovens grafiteiros pintavam as paredes de um espaço aberto, a área em que um dia abrigou um prédio. Os casos de Vallcarca e de Can Vies são distintos, mas o modelo de cidade, o poder político e a especulação imobiliária, por um lado, e a criatividade dos coletivos, por outro, os tornaram esteticamente parecidos.   
Outro espaço, o centro social La Rampa, localizado em bairro residencial, está sediado em um prédio que parece uma garagem subterrânea de três andares. São espaços distintos, acessados por rampas. No evento em que compareci, tudo era muito escuro e o espaço estava todo estilizado. Portanto, não há um modelo de prédio a ser okupado. Pode ser a parte de baixo de um prédio comercial – Banc Expropriat, Casal Tres Lliris, La Porka –, um prédio inteiro – como em Can Vies –, uma construção do governo – Kasa de la Muntanya – ou uma garagem subterrânea. O necessário é o espaço com um mínimo de infraestrutura; sua okupação, uso, gestão ficam a cargo da criatividade dos okupas.
Existe, ainda, a estética das manifestações. Pela reunião de pessoas nas ruas, já modificam o ambiente urbano. Estive em uma na qual o objetivo era fazer um gigantesco símbolo, um “A” de anarquismo, na rua. Em outra manifestação, um grupo grande de pessoas carregava velas. Em outra, no final dela, notei que muitas paredes estavam cheias de cartazes e flyers postos pelos participantes. Além disso, muitos prédios em Barcelona apresentavam o símbolo okupa pichado. Por tudo isso, por essa construção de formas de vida no tecido urbano, que envolve prédios, praças, ruas, pessoas, o movimento okupa é afirmativo, permite novos signos. A estética okupa não é para embelezar, é para produção de diferença, da outra cidade.
Nas próximas linhas, detalho a estética de algumas okupas de Barcelona. Apresento meu olhar inicial, minhas primeiras impressões com os espaços. As okupas escolhidas foram as que mais me marcaram no início da pesquisa.
Como havia referido, nunca estivera em uma okupa antes de ir para Barcelona. Conheci antes ocupações de espaço urbano em Porto Alegre e Barcelona. Porém, eram em locais abertos, com fluxo de pessoas. Conhecia um pouco sobre okupações, mas era um conhecimento calcado no senso comum. Sabia que as pessoas que participavam eram antissistema, que o espaço físico poderia ser insalubre. Além disso, quanto a Can Vies, sabia que ela havia sido centro de batalha durante uma semana em Barcelona.  

Se em porto alegre eu não havia ainda visitado as okupas isso se deve pois não as tinhas como tema. Sempre tento contatos mas eles são negados, como já disse no livro. Ocupa fabico...

Meu primeiro contato visual com uma okupa foi com o Banc Expropriat. Estava caminhando pelo Gràcia, em uma rua movimentada, a principal do bairro. Notei um prédio, em uma esquina, com a fachada repleta de cartazes e faixas. Estava fechado, era no meio da tarde. Percebi um mural com agenda de atividades, uma bandeira de Can Vies e um cartaz do Info Usurpa. A fachada, em boa parte, era de vidro, mas não dava para ver o interior porque estava repleta de cartazes. Observei apenas uma arara com roupas. O nome da okupa estava escrito acima da porta de entrada, em uma placa de madeira. Parecia ter sido escrito a mão. Também, a agenda semanal do espaço estava exposta em um cartaz de papel e escrita a mão.
Decidi voltar no mesmo dia no horário de abertura que estava marcado na agenda, às seis horas. Nesse horário, a porta estava aberta. Fiquei um tempo do lado de fora criando coragem para entrar. Estava com medo pelas histórias que havia lido sobre as okupas, mas, principalmente, por ser um ambiente desconhecido para mim. Entrei e, internamente, percebi ser tão diferente quanto à fachada.
Era um espaço amplo, talvez com quatro peças. Havia algo como uma sala com sofás gastos. No fundo da sala, uma mesa de madeira. Além disso, havia uma mesa com um computador. Na entrada, estava o varal com roupas. Uns dez jovens estavam ali dentro, os quais, provavelmente, eram okupas, mas junto do varal notei um grupo de senhoras manuseando as roupas.
Abordei um dos rapazes, expliquei minha situação. Ele disse que eu não poderia visualizar as assembleias do Banc, pois não os agradavam pesquisadores. Comentou comigo que no varal estavam roupas doadas, as quais eram expostas e que os vizinhos podiam pegar para usar. Afirmou, ainda, que ali era realizada uma rede de alimentos. Eles buscavam alimentos nos mercados e, depois, dividiam entre si. O local era limpo, mas o desgaste dos móveis e das paredes lhe dava um aspecto não muito convidativo. Quanto às pessoas, seu visual não me chamou a atenção. Eram jovens de aproximadamente 30 anos, de camiseta, bermuda, ou garotas de saia e sandálias. Usavam roupas comuns para o verão, não ostentavam grifes, e também não tinham a estética antissistema mais espetacularizada.
Senti-me frustrado, pois o meu primeiro contato havia sido negativo. Pela conversa, eu não poderia fazer minha pesquisa no espaço. Disseram que seria incômodo abrir a okupa para pesquisadores. Depois disso, insisti mais algumas vezes para assistir às assembleias. Sabia que estava incomodando, isso me foi dito. No entanto, sempre passava na frente do Banc. Participei também de atividades que eles organizaram a céu aberto. Encontrei membros do Banc no Casal e sempre tentava um diálogo.
Em um desses dias em que passei no Banc, notei dois jovens trabalhando na frente da okupa. Um deles estava montando algo de madeira na calçada. Achei estranho, já que, quando passava antes da abertura do espaço, nunca havia ninguém. O Banc só abria a partir das seis horas da tarde. Fui almoçar e, uma hora depois, passei na frente de novo, e o jovem continuava fazendo a mesma coisa: ele havia construído um banco para sentar e estava pintando-o. Queria falar com ele, no entanto ele estava compenetrado no trabalho.
Passei novamente uma hora depois, e ele ainda estava pintando o banco. Decidi abordá-lo, haja vista que ele não me conhecia, portanto, eu não estava insistindo em uma conversa indesejada, como acontecera antes. Ele disse que era um banco para as pessoas sentarem. Todo o banco estava estilizado. O jovem sozinho demorou a tarde toda para fazê-lo. Ele estava todo suado, o trabalho fora cansativo. Ele havia preso o banco por correntes a um equipamento que estava na calçada. Ele me disse que a polícia passara por ali e dissera que não era permitido modificar dessa forma o espaço urbano. Dias depois, o banco foi retirado.
Essa é uma história de um ato muito singelo, pequeno, porém que mostra a atuação dos okupas na cidade. O banco estava na rua, o espaço da okupa havia sido ampliado. O banco representava o que representa as okupas, um espaço para os vizinhos; no caso, um espaço para sentar. O feitio do banco contrasta com a reconstrução de Can Vies, feita por muitas mãos, com uma grande soma de dinheiro, mas ambos são símbolos, elementos da cidade molecular, do cano da cidade molar vazado. 


ESTÉTICA DE Can vies  - ve se na introduçao esta detalhado a destruiçao do predio e as lutas, ver se casa com essa parte
Não conseguia encontrar informações sobre as atividades de Can Vies na web. Decidi ir no local em um dia da semana de tarde. O local era em um bairro que eu não conhecia, Sants. Cheguei no bairro, e ele era bem comum, mais um bairro tradicional de Barcelona, como o Gràcia. Perguntei para uma pessoa na rua onde ficava Can Vies. Ela me apontou a direção e disse que era próximo.
Eu me encontrava nessa parte tumultuada, com carros e pedestres, e o caminho para Can Vies era em uma descida sem movimento. Isso me amedrontou um pouco. Logo avistei a okupa. Havia visto fotos, mas foi impactante. Essa descida era de aproximadamente cem metros, e a okupa ficava na parte de baixo. Esses cem metros da parte alta até a descida eram ladeados por um enorme muro cheio de grafites e pichações. Desci até a okupa.
O prédio estava destruído em sua fachada, como já sabia. Havia esse prédio de uns três andares, todo pintado com imagens e com uma cor bonita, viva. A parte da frente, que fora destruída, agora era um quintal com chão de pedra. A okupa estava fechada por uma grade de arame. Na parte de cima da frente do prédio, havia um mural gigantesco escrito: poder popular.
Se me impressionei com a estética do Banc, obviamente, fiquei perplexo com a estética de Can Vies. Era o registro físico de uma batalha, um local que parecia um campo de guerra recente. Posso falar em uma estética pobre no Banc Expropriat, também por sua simplicidade, mas, no caso de Can Vies, a estética difere totalmente da dominante urbana. Tem elementos da estética okupa, mas a fachada destruída aponta para uma estética da guerra, da violência, um registro de luta. 
Manter as marcas da batalha contra a polícia e a prefeitura é algo importante. Deixar a história registrada no espaço físico em sua estética. Os escombros como memória da perda da prefeitura, como vitória do coletivo. As okupas buscam outra política, outras relações, outras produções e também outra estética. Assim, dá para perceber que buscam outra vida, muito diferente da vida cotidiana dominante.


Tomei conhecimento da existência do Casal ao acaso. Caminhava pelo Gràcia, sem nenhum grande motivo, e vi a parte de baixo de um prédio repleta de cartazes. Estes apresentavam eventos relacionados a movimentos antissistema. Notei também um cartaz em vermelho e preto, escrito Casal Popular Tres Lliris, e o símbolo do movimento okupa. Além disso, um mural mostrava atividades que seriam realizadas no local. Na fachada, havia uma porta de ferro e vidro e uma vitrine. A porta estava trancada por um grande cadeado. Tentei olhar para dentro do espaço, porém estava escuro.
Nessa primeira apreensão, suspeitei que fosse uma okupa. Depois, em casa, busquei informações no Facebook e encontrei o perfil do Casal. A rua em que fica o Casal é muito movimentada, com fluxo de pedestres e muitos prédios comerciais. É a segunda rua mais importante do bairro. A okupação fica na parte de baixo de um prédio pequeno. O interessante é que, em pouco tempo de pesquisa sobre okupas, eu já estava familiarizado o suficiente para saber que era uma okupação. Até o momento só conhecia pessoalmente Can Vies e o Banc. Ajudou, pois a fachada do Banc era um pouco parecida com a do Casal, uma vez que ambas as okupas eram situadas em antigas agências bancárias, como expus anteriormente. 
Portanto, há uma estética okupa, facilmente reconhecível, pois foge da estética comum do espaço urbano. Nas fachadas do Banc e do Casal, não notei uma preocupação em compor um estilo. A fachada funcionava mais como um ponto de informação, diferentemente de Can Vies, que é toda adornada com pinturas. Can Vies existe desde 1997; o Banc, desde 2011, e o Casal, desde 2014. Can Vies é um prédio inteiro; o Banc e o Casal são as partes de baixo de prédios. Assim, o Banc e o Casal se mesclam com o entorno. Já Can Vies se destaca, imponente.  
As festas okupas são políticas, conjugam produção e reprodução e não são feitas para serem capitalizadas. A festa é uma das atividades que mais aproximam os vizinhos e os moradores da cidade com as okupas. Em meu trabalho etnográfico, as festas foram muito importantes. As assembleias, em sua maioria, eram faladas em catalão, o que se tornava muito cansativo. A aproximação com os membros era difícil. Poucas vezes queriam falar. Estar em uma okupa por horas, visualizando a rotina em momentos que não havia eventos, não era algo bem visto. Já nas festas, eu poderia estar no ambiente, falar com as pessoas, sem que me sentisse um intruso.
As festas duram pouco, muitas vezes só uma noite; e quando são longas, no caso das festas de bairro, acontecem em momentos especiais, uma vez ao ano. Quem participa ajuda a compor a festa, com seus afetos e presença física. Quem produz na festa okupa, também festeja. As festas são sempre abertas ao público, não há seguranças, e podem ou não agradar os vizinhos. Às vezes, não agradam. Os preços do que é vendido são baixos e atraem muitas pessoas. Não é uma festa consumista, não gira em torno do lucro. Por isso, é um tipo de resistência anticapitalista. 
As festas podem ser recorrentes. Manifestações, normalmente, duram um dia apenas, mesmo que, em alguns casos, elas permaneçam acontecendo, como no caso de Can Vies em maio de 2014. As manifestações e as festas podem ocorrer tanto de dia quanto de noite. Talvez as manifestações sejam um tipo de festa. Nas manifestações, existe ainda consumo de álcool e outras drogas. Nelas, há uma reunião de pessoas com afinidade, que se aglomeram em um espaço. Afetos são expressos por quem participa: exaltação, felicidade, comunalidade. Porém, na manifestação surge um objetivo claro, alguma forma de reivindicação ou revolta frente ao poder. O confronto direto da festa se dá com a vizinhança, e ele não é desejado. Já nas manifestações, o confronto com a polícia é mais frequente, e, muitas vezes, é isso que se busca. Uma manifestação é um dispositivo que pode explodir a qualquer momento. As festas assim são mais contidas.
Busco nas próximas páginas descrever algumas festas, as mais importantes que ocorreram, principalmente no verão, relacionadas com as okupas. 
Como o Casal Tres Lliris fica na Gràcia, organizou sua festa alternativa à Festa Maior da Vila de Gràcia, que acontece em agosto todos os anos. Além da festa do Casal, ocorreram mais duas festas alternativas, correspondendo a coletivos da região. Foi cedida pela prefeitura uma rua para que se realizasse a festa do Casal. De início, pediram uma rua mais ampla, mas a prefeitura cedeu uma outra.    
Em toda a semana anterior à festa, o Casal ficou aberto. Nele, muitos jovens faziam os preparativos. Muito trabalho manual, para a decoração, era confeccionado por meninas e meninos. Um membro me disse que as festas alternativas apenas acontecem nos mesmos dias das festas oficiais e que eles desejam se manter de fora das comemorações oficiais, já que estas são comerciais. Além disso, informou-me que as muitas bandas que estavam presentes eram, em boa parte, grupos conhecidos pelos membros do Casal, que se dispuseram a colaborar.
 No Casal, nesses dias anteriores, estava boa parte do material da festa como centenas de garrafas de refrescos e contêineres de cerveja. Todo o material foi adquirido a partir do dinheiro levantado pelos eventos dos meses anteriores. Nesses eventos, coloca-se à venda o que se vende em festas comuns, mas com preços baixos. Um dos jovens me explicou que o bairro está em vias de privatização, o que impede que os moradores o vivam. Os espaços para jovens, em sua maior parte, são mercantis, portanto, para poucos. Não se pode tomar cerveja nas ruas, mas as mesmas ruas estão repletas de bares com preços absurdos. O uso de álcool ou, simplesmente, a vida noturna é cada vez mais impedida aos jovens. Desse modo, as festas são uma forma de retomar o bairro.
Pelo menos três locais abrigaram as festas alternativas: a Rua Montmany, a Plaza del Raspall e uma outra pequena praça, que se situava entre os dois locais. Todos os espaços eram muito próximos, o que permitia ir de um ponto a outro rapidamente. Na Rua Montmany estava o local cedido ao Casal Tres Lliris. Na parte baixa da rua foi montado um bar, com umas quatro torneiras de cerveja. Jovens se revezavam nas tarefas do início da tarde até o fim das festas, que acabavam pelas 3 horas da manhã.
Perguntei para muitos se o trabalho era cansativo ou chato, todos me disseram que não. A resposta é compreensível, tendo em vista que não se tratava de uma rotina dura: quem estava no balcão servia cerveja, mas conversava com outras pessoas. Essa mesma pessoa, em outro momento, estava na rua, curtindo, mesclada com o público. Todos estavam engajados na organização, sérios, querendo que o evento funcionasse, mas também estavam se divertindo.
Muitas pessoas que colaboravam, eu não as tinha visto no Casal. Quanto ao público que frequentava o espaço, ele variava. Em sua maior parte eram jovens, mas no bar, quem passava pela rua aproveitava os preços baixos das bebidas. Vi, no bar, senhores e senhoras, turistas que estavam no bairro para a festa oficial. Ao lado do bar, ficava a rua na qual fora montado um palco. Ali, aconteceram os eventos, os quais consistiam, em sua maior parte, de shows.    
As atividades das festas foram muito parecidas com atividades comuns das okupas: shows, palestras, manifestações de rua. Também como nas okupas, esteticamente, as praças e as ruas estavam repletas de cartazes políticos. As festas eram algo como uma okupa a céu aberto; a diferença é que foi permitida a reunião de mais pessoas, pelo espaço amplo, e o conhecimento dos signos libertários por parte das pessoas que estavam no bairro para a festa oficial. As okupas, portanto, como exemplificam as festas, parecem já fazer parte do tecido da cidade. A festa legitimada e totalmente legal é um exemplo disso.
As duas outras festas aconteceram, como disse, em ruas próximas. Notei pessoas do Casal colaborando nelas. Praticamente todo dia, pelo menos desde a tarde, havia alguma atividade. Ocorreram alguns shows muito cedo, com pouco público. Percebi uma circulação de crianças e pessoas mais velhas. Tirei fotos de senhores e senhoras descansando em bancos junto a símbolos okupa. 
Nos dias anteriores às festas oficiais, os moradores do bairro estavam produzindo as ruas. Nos dias das festas oficiais, as ruas estavam repletas de decoração. Em certos horários, a movimentação era muito difícil. Além da produção das ruas, aconteceram muitos shows e eventos. A maior diferença entre as duas festas – a alternativa e a oficial – diz respeito à riqueza de signos políticos das alternativas. As oficiais apresentavam, esteticamente, temáticas espetacularizadas.  
Quem passava desavisado pelo Gràcia poderia nem notar a diferença entre as duas festas. Eu nunca havia estado em uma situação parecida. Um bairro todo decorado, com muita música, muitas pessoas, todas empolgadas, bebendo suas cervejas. E isso praticamente o dia todo. Se eu não reconhecesse os símbolos políticos, veria o Gràcia como uma massa homogênea. Apenas consideraria as festas alternativas como as menos produzidas, as mais ‘pobres’. Talvez em alguns momentos, estranharia certos grupos com um visual mais de subcultura e definiria como barulhenta a música de certas bandas. Mas existem muitas bandas barulhentas que não têm um mínimo de cunho político, e os jovens, muitos deles, mesmo os apolíticos, adotam um visual que, às vezes, choca. Eu acharia que era uma festa jovem e só. 
Talvez para o pensamento dominante essa mistura de festa e política seja um contrassenso. Em uma festa não se pensa em política, não se faz política. Festa é para amortecer, descansar, divertir. E política é algo que não é nada divertido. Mas, para mim, a política dominante é que não é divertida. A política dos okupas é uma outra política, com outros significados. Poderia ser dito também que trabalho não é divertido, mas, como já disse, quem estava trabalhando nas festas estava se divertindo.
Entrei no espírito do jogo. Estava lá para fazer a pesquisa. Não é divertido ficar sozinho contemplando espaços e anotando questões. Não é divertido iniciar uma conversa com alguém para a pesquisa e essa pessoa virar a cara. Mas aproveitei muitos momentos. Nestes, eu me esquecia do trabalho, porém, obviamente, não da mesma forma que me esquecia quando estava em uma festa para fazer turismo. 
Notei que em Barcelona, nas minhas caminhadas diárias para descansar, tirei fotos somente de pichações de movimentos de resistência e grafites de rua. Montei um arquivo extenso de fotos sem fotos turísticas. Em uma viagem para Roma, o local que mais me agradou foi o bairro com maior atuação política libertária. Não estava na capital italiana para pesquisar. Isso mostra que, naturalmente, me coloquei em uma área de indiscernibilidade entre a pesquisa e o turismo.
As festas exemplificam como um coletivo okupa pode dar vida a um bairro. As festas rotineiras no Casal, pelo próprio tamanho do espaço, não eram muito expressivas. Já as alternativas reuniram muito mais pessoas, praticamente todo o dia. Sem as festas alternativas, a festa do Gràcia teria sido menos rica, não teria o seu devir okupa que foi experimentado por diversas pessoas.
Aconteceram duas manifestações nos dias das festas alternativas do Gràcia: uma antifascista e outra em solidariedade com presos políticos. A manifestação antifascista aconteceu na Rua Gran de Gracia, sendo continuação do Passeig de Gracia, uma das ruas mais frequentadas pelos turistas em Barcelona. Eu apenas sabia do local e do horário: na frente da estação de metrô Fontana, às 19h. Cheguei no horário e vi que jovens vestidos de preto chegavam a partir do metrô. Em pouco tempo, o espaço estava lotado desses jovens, de preto, com camisetas de bandas de rock pesado ou com visual punk. Muitos tomavam cerveja, em grupos pequenos de cinco ou seis pessoas, de ambos os sexos.
Considerei ousada a escolha do local. Era na saída-entrada da linha mais importante do metrô de Gràcia. Também nesse dia, começaram as festas oficias da Vila, ou seja, além de já ser um local movimentado, estava ainda mais devido às festas. Por isso, muitos policiais faziam rondas nas proximidades.
Em determinado momento, ouvi gritos com palavras de ordem: “Roger, aqui nós dominamos”. A manifestação era em nome de um jovem morto dez anos atrás por fascistas no bairro: Roger. Os gritos de guerra continuavam e a multidão tomou a rua. Era uma quinta-feira, final de tarde, na rua mais importante do Gràcia. Estenderam faixas no chão. Jovens começaram a pichar as fachadas de lojas de grandes empresas. Uma das pichações dizia: “Barcelona antifascista”. Essas inscrições, já havia notado em outras partes do bairro. Esses dizeres fazem pensar. Uma metrópole é uma multiplicidade. Há a cidade do turista, a dos moradores, a cidade como expressão e resultado do poder. A boa cidade do bom cidadão. Mas existe a cidade dos que lutam, dos antifascistas, dos okupas, dos revolucionários rotulados como marginais. 
Em outro momento, um jovem subiu em uma parede e colocou uma placa acima da placa com o nome da rua. A placa tinha um nome: Roger. A rua estava fechada pela multidão. Na parte de baixo do local em que estavam os manifestantes, policiais conduziam o trânsito. Considerei estranho não ter acontecido repressão por parte da polícia. Quase uma hora depois da rua ser tomada, os manifestantes começaram a subi-la. Decidi não segui-los, percebi que não haveria repressão e sabia que o pessoal iria se dispersar. Mas o clima era um pouco tenso. Observei seguranças no metrô olhando apreensivos para a manifestação. O metrô havia sido fechado devido à aglomeração.
A outra manifestação aconteceu uma semana depois, e a concentração foi na Plaza Raspall, local de uma das festas alternativas. Era em solidariedade a duas garotas que haviam sido presas. O cartaz da manifestação dizia: ‘marcha de tochas’. Na hora marcada, começaram a ser distribuídas tochas para os manifestantes na praça. Elas foram acesas. Depois, iniciou-se uma caminhada. Mais de uma centena de pessoas estava presente.
Eu estava curioso com a manifestação. Ela sairia de uma parte muito movimentada do bairro, na qual ocorriam os festejos da festa oficial. Fiquei mais surpreso, pois a caminhada aconteceu exatamente nas ruas com maior fluxo de pessoas do bairro. Na parte da frente da manifestação, duas pessoas puxavam palavras de ordem, citando o nome das presas. A marcha passou pela Rua Verdi, a mais turística do Gràcia. Além disso, passou por outra rua com um grande fluxo de automóveis, fechando o trânsito. Não havia policiais no entorno. Tudo se desenrolou calmamente. 
As outras festas alternativas em Barcelona no verão ocorreram em Sants e Vallcarca. A de Sants foi uma megafesta no Parc de la Espanya Industrial, próximo a Can Vies. Contemplava esse parque sempre quando caminhava até a okupa. Situa-se em um grande declive ao lado de uma estação de trem. O meu caminho era feito nessa parte alta, que dava para ver o amplo parque abaixo. Eu via, de cima, garotos andando de skate e praticando esportes. Na parte alta, era comum jovens fumando maconha. Eu não havia descido ainda até o parque.  
Eu me agendei para ir à festa em seu início. Havia umas cinco tendas grandes vendendo bebidas e comidas. No horário em que cheguei, já estava lotado de pessoas, pelas dez horas da noite. O palco onde se realizavam os shows era amplo. As bandas, em sua maioria, tocavam músicas alternativas, como punk e metal, o tipo de som corrente nas festas alternativas. A idade do público girava em torno de 20 e 30 anos. As pessoas que cuidavam das tendas eram, em parte, de Can Vies. Eram muitos os coletivos que organizavam a festa, todos libertários. A organização era como a de qualquer grande evento. Funcionava e muito bem. Parecia um grande festival a céu aberto.
De início, vi jovens fazendo uma brincadeira curiosa. Amarravam alguém em uma longa corda. A corda ficava presa em um suporte. Então, quem estava amarrado ia formando uma torre de engradados de cerveja e, ao mesmo tempo, subia nela; colocava um engradado em cima do outro e subia; alguns conseguiam formar uma torre alta. Em determinado momento, caía e era segurado pela corda ficando suspenso no ar. Daí outra pessoa fazia o mesmo. Isso marca a importância do álcool. Cada engradado que era posto para formar a torre simbolizava cada dose tomada por quem gosta de beber. Quem conseguia formar uma torre maior simbolizava aquele que consegue beber mais. A expressão ‘cair de bêbado’, algo comum, era outro símbolo, pois, em determinado momento, quem subia, caía. Se quem bebe não para de beber, em determinado momento vai “cair de bêbado”. Não lembro de ter visto alguém completamente bêbado nas festas, bêbado o suficiente para incomodar os outros. Mas todos bebiam e bem. Algo comum em uma festa.
Nas assembleias de Can Vies sempre havia alguém tomando uma cerveja. Mas era um consumo muito contido. No Casal Três Lliris, em momentos de ócio, os jovens bebiam. Pela minha vivência na cidade, me pareceu que o consumo de álcool faz parte da cultura. Era comum nos almoços a oferta de cerveja e vinho. Mas nunca vi alguém bêbado na hora do almoço. 
O álcool faz parte da linha de fuga da rotina, que é a festa. Anestesia, alivia, dá coragem, permite o contato com outros, claro que dentro de um limite. A pobreza e a crise, a depressão que tudo isso gera são amortecidas com a festa e com o álcool. O álcool potencializa a festa, e também outras drogas. Eu gostava das festas, pois ficava mais anônimo, me perdia na massa. O álcool ajuda a se misturar na massa, criar uma massa. As pessoas ficam mais dispersas, mais soltas.  
A festa é um dispositivo diferente de uma disciplina: o pai não está, não há professor, nem patrão. No caso das festas nas okupas, pode haver um controle dos vizinhos. Não vi policial em nenhuma das festas, pelo menos fardado. Na festa de Sants, em um lugar escuro, com milhares de jovens, o controle parecia impossível. Quantos policiais à paisana deveriam estar lá para controlar e reprimir toda essa gente? A festa, assim, permite um impedimento do controle. Possivelmente, existe um controle entre os participantes, para que ninguém fique fora de controle. Quem faz isso em festas comerciais são os seguranças. 
Uma okupa também é um dispositivo contra o controle. O que se faz nelas, poucos veem. Não é uma sala de aula, em que apenas alunos e professores podem entrar. Não é uma empresa com seus chefes e funcionários. É um espaço para os coletivos, mas aberto para quem tenha afinidade. Existem regras na hora das falas, uma organização, mas não centro de poder, que submeta sujeitos sujeitados.
A festa okupa e a vida na okupa se assemelham. São diferentes de uma manifestação. A manifestação é um lugar do confronto, mas um confronto local. O confronto nas okupas, nas quais se fazem festas, é contínuo, contra a política do Estado e o modelo de cidade dominante.  O contra o controle da festa também se dá nas rupturas de códigos. É festa? É política? O que é? Não é a festa consumista, não é a política dominante. É uma festa micropolítica. A alegria da festa okupa se mescla à seriedade da autogestão e do desejo de outra realidade. Talvez haja pessoas que só se divertem nas festas okupas, melhor, que não estão interessados na política okupa.
Em Porto Alegre, na época das lutas de 2013, participei de algumas atividades do Bloco de Luta pelo Transporte, o coletivo mais importante das lutas na região. Havia alguns jovens que estavam lá pela reunião de pessoas alternativas e para fumar maconha, para se divertir. Mesmo que as comissões fossem abertas, esses jovens não queriam fazer política, pelo menos a que o Bloco permitia. Na okupa da Praça da Matriz em Porto Alegre em 2012, cheguei cheio de ideias preconcebidas. Um jovem estava sentado junto às tendas e lhe perguntei: de qual movimento você faz parte? Ele disse: sou apenas um artesão. Era um hippie, que estava compartilhando um lugar diferente e que não tinha interesse em política.
Em uma acampada na frente da prefeitura de Porto Alegre, em maio de 2012, jovens engajados tocavam violão; estavam fazendo isso para passar mais rápido a noite fria. Um grupo de violeiros chegou e se convidou para tocar. Eles queriam compartilhar a música e também não tinham interesse por política. Em uma das manifestações mais expressivas em Porto Alegre em 2013, na Praça da Matriz, vi muitos jovens fumando maconha e tomando vinho. Possivelmente, muitos foram para a praça apenas para isso. Mas por que estes – os hippies, os violeiros, os usuários de maconha, os que participam da festa okupa por ser uma festa – frequentam esses locais? Isso é um indício da simpatia com a revolução. Em uma manifestação, é fundamental o maior número possível de pessoas. Quanto mais pessoas, mais visível. Em uma festa okupa, isso também é importante. Se ninguém vai em uma festa, ela perde o sentido. Essas pessoas simpáticas ajudam a aumentar a massa. Podem não saber conscientemente que fazem política, mas fazem.

Diverti-me muito na festa de Sants, nas festas de Grácia e em muitas outras do movimento okupa de Barcelona. Vi shows, dancei, usei as tendas. Isso é metodologicamente importante. Sempre me senti bem e consegui aproveitar os eventos. Isso fez com que o trabalho de campo se perdesse em uma área de indiscernibilidade; eu estava pesquisando, mas também vivendo os espaços.  
Nos dias das festas alternativas de Sants, aconteciam as festas oficiais do bairro. Não compareci à noite nas festas oficiais, pois me encontrava nas festas alternativas. Mas elas eram intensas durante o dia. O clima era diferente entre os dois eventos. Pelo bairro de Sants, de dia, viam-se grupos de adolescentes, garotas vestidas com uniformes, marchando, acompanhadas de bandas e pessoas mais velhas. Em uma das principais ruas da festa, algumas tendas montadas que vendiam cerveja se mesclavam aos bares do entorno. Havia uma mistura entre pessoas muito jovens e mais velhas. Essa rua principal fora fechada, estava repleta de gente e havia um palco. O som que tocava era de uma música eletrônica bem suave, bem pop, que nunca se ouviria nas festas okupa. Todos dançavam e faziam uma brincadeira: jogavam água com tinta um nos outros. 
Talvez as festas okupas não sejam totalmente divertidas e infantis, como a que narrei anteriormente, pois reúnem pessoas que não têm medo de frequentar um local ilegal, que têm afinidade com a política okupa, pelo menos um mínimo de afinidade. A alegria da festa okupa se mistura com a preocupação da autogestão, a manutenção do lugar, o perigo de desalojo e do controle policial.  
Na mesma época das festas em Sants, alguns eventos aconteceram em Can Vies, como um “microfone aberto” e uma “cursa de carreton”. A festa do microfone aberto começou de tarde, pelas 18h. Eu não recebera informação sobre o evento, mas, simplesmente, por estar perto do local, resolvi passar pela okupação. Era uma festa de rap, com inúmeros jovens se revezando na voz, acompanhados por um DJ. Estavam presentes pessoas das assembleias, muitas organizando o espaço, ajudando no som, vendendo cervejas. Em diálogo com alguns membros de Can Vies, eles disseram que o evento não havia sido uma boa ideia, pelo estilo de música e pela linguagem usada pelos jovens, às vezes machistas. Fiquei um pouco impressionado com os garotos de 20 anos, produzindo valor com seus raps, que envolve o conteúdo das letras, a entonação da voz e a postura no palco. Também em conversa com membros de Can Vies, comentou-se que, mais tarde, de noite, quando eu não estava mais lá, houve desavenças com os vizinhos devido ao som alto e à reunião de muitas pessoas. Porém, outro membro me informou que não ocorreram conflitos mais expressivos.
Perguntei para esse membro se eles não eram obrigados a aceitar a legitimação do poder para que a okupa funcionasse, se não eram obrigados a estar dentro da lei, o que talvez obscurecesse a autonomia da okupação. Penso isso porque a okupa não tem uma liberdade total, sempre tem que pensar na relação com os vizinhos na organização de festas. E sem o apoio dos vizinhos, provavelmente o projeto fracassaria, pois a prefeitura teria mais poder para agir contra Can Vies. Ele respondeu que não era o momento de enfrentamento com as normas, pelo pouco tempo desde a tentativa de desalojo. Também, disse que manter uma postura de não confrontação era algo necessário.  
A “cursa de carreton” reuniu muita gente. A rua de Can Vies estava repleta de pessoas; nunca havia visto um evento no local com tanta gente. Na rua de Can Vies há um declive acentuado. A brincadeira do evento, a “corrida de carreton”, consistia em descer o declive em cima de algum objeto parecido com um carrinho. Os carrinhos eram improvisados, como banheiras ou triciclos. Quem estava participando eram jovens de aproximadamente 30 anos de ambos os sexos. Quando os carrinhos desciam a rua o pessoal que estava assistindo a brincadeira gritava e jogava cerveja e água, muitos eram membros do coletivo da Can Vies.
A brincadeira parecia boba, e talvez fosse. Não permaneci por muito tempo na cidade para entender o humor dos barceloneses. No entanto, estavam reunidas muitas pessoas e todas estavam festejando, felizes, nesse dia de sol, no verão, no fim de semana. A brincadeira não importava muito, mas, sim, o contato, a afetividade. O banho de cerveja já mostra uma proximidade entre as pessoas. Não se faz isso na rua, ou melhor, em qualquer lugar; se necessita de um ambiente para isso. Se permitir que outras pessoas joguem cerveja em você – isso exige um grau de proximidade. Não tenho informação se todos eram amigos, mas o número enorme de pessoas mostra que, possivelmente, nem todos se conheciam. Por isso, a proximidade. 
As okupas, na rotina do dia a dia, reúnem poucas pessoas. Em Can Vies, o maior número de pessoas ocorria na assembleia geral, esta com no máximo 30 pessoas. Alguns eventos, como mostras de filmes, atraíam mais gente. Contudo, as festas eram, de fato, mais tumultuadas. A festa, portanto, ajuda a dar expressividade para as okupas.  
A festa de Vallcarca foi organizada por coletivos e realizada em espaços contíguos. Vallcarca se situa depois da parte norte do Gràcia. Assim, não era difícil me locomover a pé até lá. Na caminhada, aos poucos, percebia a mudança de região. Caminhava desde a rua mais famosa do Gràcia, a Gran de Gràcia, com sua estética mais opulenta, passava por uma praça que não era espaço de ócio, atravessava uma longa avenida, e a estética começava a mudar. A distância da praça até o local das festas era de cerca de cinco longas quadras. Na parte direita desse trajeto havia prédios e lojas, mas na parte esquerda, muitos prédios estavam bem deteriorados.
Já o local de encontros dos coletivos era em uma área completamente desolada pela especulação. Além dos prédios em estado precário, muitos espaços se encontravam vazios. Neles, em outras épocas, se situavam prédios que foram destruídos. Nas primeiras vezes em que para lá me dirigi, senti medo. Depois vi que não tinha por que ter medo. Porém, as festas ocorriam à noite. Estava sozinho a pé. O local das festas era nessas áreas abandonadas. Na parte organizada pelo coletivo mais radical, a música era de punk de protesto. Em uma outra parte, a maior, era dedicada para música mais comercial. Estava escuro, o local era de escombros, mas sempre me senti bem. 
Outro dia, à tarde, em um domingo, voltei para Vallcarca. Haveria atividades conjugadas com as festas alternativas, em dois espaços: um mais legitimado e outro mais alternativo. O local que mais aglomerou pessoas, obviamente, foi o mais legitimado. Era um espaço amplo, que, provavelmente, abrigou um edifício em outras épocas. O chão estava cimentado. Ele era ladeado por pequenas ruas e pelo outro espaço. Uma parte era murada por um edifício de muitos andares. Nessa parte, na parede, havia grafites e, nesse dia, alguns grafiteiros estavam pintando-a. Em um bar, vendiam cervejas. No meio do terreno havia dezenas de cadeiras; também em um dos cantos uma parafernália sonora era comandada por um DJ. No outro espaço, ia ser realizado um torneio aberto de bocha.
 O que mais me interessou em Vallcarca foi a forma que os coletivos encontraram para dar vida a uma região quase morta. Os shows noturnos reuniram muita gente. Pela pouca luz, não dava para notar o estado da área. De dia, nesse domingo, o torneio de bocha foi mais tímido, mas contou com a presença de muitos jovens, que jogavam, dançavam e bebiam. Naquela parte do coletivo mais legitimado, aconteceu um workshop de percussão aberto. Me chamou e muito a atenção os grafites que eram gigantescos, porque eles marcariam, visualmente, a área de forma mais duradoura.
A festa, a música, o grafite são expressões da multidão dentro da cidade. A multidão é pobre, mas é criativa. Ela consegue, com mínimos recursos, criar formas de vida. A multidão não precisa de grandes estádios, de casas noturnas chiques, de teatros espetaculares, nem de celebridades, como também não precisa de restaurantes e bares com vinhos caros e comidas refinadas. No espaço mais simples desse domingo, onde jogavam bocha, havia apenas a cancha, vinho e cerveja e muitas pessoas. Em festas do Casal, elas contavam, em sua infraestrutura, apenas com um barzinho com cerveja e um pequeno palco com alguém tocando violão e cantando.
Eu assisti a muitos shows em Barcelona como descanso da pesquisa. Muitos deles eram realizados em casas noturnas da moda, apresentando bandas populares. Entretanto, apesar de me agradarem, eles não me chamaram a atenção, pois sabia exatamente o que ia ver, já era conhecido, normatizado. As festas das okupas e dos coletivos de resistência, sim, foram coisas novas, diferentes, e essa diferença é que inspira este texto e me faz pensar.   
Um dia, recebi informações pelo Facebook de que o Casal Três Lliris estava para ser desalojado pela prefeitura. Outro dia, estava caminhando em Gràcia, depois do almoço, e vi que um quiosque montado em uma praça, muito usada por pessoas dos movimentos sociais no bairro, estava aberto e com pessoas na frente. Perguntei o que passava. Me disseram que estavam distribuindo espumante em comemoração à demissão de um político em Barcelona. O mais importante é que reencontrei um rapaz do Casal. Tivemos uma desavença, um problema de comunicação, outro dia, e por isso fiquei um pouco apreensivo em abordá-lo e perguntar o que estava acontecendo com o Casal. Mesmo assim, abordei-o e ele foi bem receptivo. Disse que eles haviam recebido uma ordem de despejo e que seria realizada logo, a partir de 29 de setembro. Ele me disse, ainda, que o advogado do Casal estava fazendo a mediação, mas que, certamente, aconteceria o desalojo.
No início de setembro, um centro social, situado próximo ao Gràcia, foi desalojado, o Ateneu l’entre Banc. Em pouco tempo, começaram a surgir notícias a respeito no Facebook e foi organizada uma manifestação de rua em favor do Ateneu. Essa manifestação ocorreu em uma rua próxima à Sagrada Família. Reuniu em torno de 500 jovens. Boa parte do grupo do Casal Tres Lliris estava presente. Houve monitoramento da polícia. Além disso, o Banc Expropriat estava para ser desalojado na mesma época. Isso já era esperado fazia tempo por coletivos que publicavam, com frequência, notícias e cartazes no Facebook em solidariedade à okupa. 
O desalojo é o destino de uma okupa. Em uma conversa com um membro do Casal, na época das festas, ele me explicou que havia três possibilidades em caso de um processo de apropriação do espaço pelo poder: 1. A contratação de um advogado para tentar uma negociação a partir do Judiciário. 2. Pressão mais branda e constante, como manifestações, aproximação com as entidades vicinais, tentativas de mostrar a importância da okupa. 3. O confronto direto com a polícia no momento do desalojo. Como será visto nas próximas páginas, a segunda opção foi a escolhida. Montou-se uma acampada em uma praça de frente para a sede do distrito de Gràcia, com o objetivo de reivindicar a permanência do Casal. A acampada é uma marca na Espanha desde as lutas em 2011 do Movimento 15M, também conhecido como Movimento dos Indignados. A primeira forma de expressão do 15M foi a tomada de praças, por um tempo longo, em mais de 80 localidades no país.
Como haviam me dito, o desalojo poderia acontecer a partir de uma segunda-feira. Nesse dia, dirigi-me ao Casal, e algumas garotas estavam limpando-o. Disseram-me que estavam tirando todos os objetos de valor por medo da invasão policial. Fui mais duas vezes no mesmo dia e me explicaram que, em pelo menos duas semanas, aconteceria a desocupação. Depois desse dia, passei inúmeras vezes na frente e estava sempre fechado. Na primeira semana de outubro, recebi uma informação pelo Facebook de que o coletivo estava fazendo uma acampada na Praça da Vila de Gràcia. A praça é uma das mais importantes do bairro. A intenção era de que os vizinhos tomassem conhecimento da situação da okupa. 
Dirigi-me numa terça-feira, após o meio-dia, ao local. Cerca de 20 barracas haviam sido montadas. Todo o entorno da praça estava repleto de faixas, com dizeres referentes à luta do Casal e das outras okupas do bairro. Os jovens estavam fora das barracas reunidos em grupos; uns pintavam cartazes. Uma tenda era o ponto de informação. Desloquei-me até lá. Estava olhando panfletos e um dos jovens que estava na tenda me abordou. Explicou-me o que estava acontecendo – eu já sabia –, mas o ouvi. Nenhum dos membros que conhecia do Casal estava presente. Achei interessante porque havia muita gente na acampada e eu conhecia mais de uma dezena de membros do coletivo. Ou seja, a causa atraiu muitas pessoas. Perguntei ao rapaz da tenda se eles estavam dormindo ali, e ele me respondeu que sim. Ele disse que a decisão de acampar era antiga. Perguntei se pretendiam fazer uma nova okupação no bairro para sediar as atividades do coletivo do Casal. Ele sorriu e a conversa terminou aí.
Caminhei pela acampada. Tirei fotos de todo o espaço, das pessoas, das barracas e dos cartazes. Voltei à tenda de informação e abordei o jovem que havia me atendido. Expliquei minha situação e falei que queria fazer uma entrevista com algum membro. Ele me disse que não queria. Outro rapaz que estava na tenda me ouviu e nada falou. Me disseram para eu tentar com o pessoal que estava na acampada. Pedi para que ele me apresentasse a alguém. Ele nada falou. Decidi não abordar mais ninguém nesse momento. Fiquei de pé contemplando o espaço e as pessoas. Notei que algumas senhoras paravam e olhavam; outras abordavam os garotos do ponto de informação e faziam perguntas.
Voltei mais tarde no mesmo dia. Na praça, havia, além das pessoas do coletivo, muita gente de todas as idades, e também crianças, que brincavam. Um pouco antes acontecera uma atividade dedicada a crianças na acampada. Percebi também duas equipes de reportagem entrevistando duas garotas do coletivo do Casal. A acampada se situava na frente da sede do distrito de Gràcia. No prédio da sede, dois policiais da guarda urbana estavam postados na porta principal. 
Outro dia, fui depois do meio-dia, novamente na acampada do Casal. Não era horário de atividades, mas decidi ir para ver se encontrava alguém para conversar. Um grupo de dez pessoas almoçava no chão e conversava. Na tenda de informações, três jovens usavam notebooks. As barracas se mantinham no mesmo lugar, vazias, algumas abertas. O mais interessante era um grupo em uma roda. Três pessoas do coletivo do Casal falavam para cerca de dez adolescentes e para uma senhora. Fui até eles; estavam falando sobre a acampada e a situação da okupa. Os adolescentes eram estudantes de uma escola próxima, e a senhora era a professora. Esta havia passado pela acampada e pediu para levar o grupo para conhecer o espaço. Os adolescentes estavam quietos, apenas ouviam, mas muitos anotavam o que os representantes do coletivo falavam. Fiquei ali ouvindo, conseguia entender algumas coisas, pois a língua usada era o catalão.
Quando terminou a fala, abordei um dos representantes, uma garota. No dia anterior, a vi dando uma entrevista para uma rede de televisão. Pensei que ela talvez se dispusesse a conversar comigo formalmente. Falei com ela, que aceitou conversar no mesmo dia, uma hora depois. Voltei para o meu apartamento e peguei meu equipamento de filmagem. Na hora combinada, nos encontramos. Ela insistiu para que mais uma garota fizesse parte da entrevista. Considerei uma boa ideia. Perguntei se podia filmar o rosto delas, preferiram que não.
Sugeri que elas falassem diante da câmera o nome, a idade, a profissão ou o que estudavam. Elas pediram para que não fizesse perguntas pessoais. Respondi-lhes que estava fazendo essas perguntas, pois uma das linhas da entrevista poderia dizer respeito à vida pessoal delas, mas que, como elas não queriam, isso não era um problema. Expliquei que me interessavam muito mais os processos do Casal do que a identidade dos participantes do coletivo. Nunca fiz perguntas pessoais com quem conversava nas okupas; e se fiz, foi para que houvesse algum tipo de intimidade. A entrevista foi boa, durou uma hora. As garotas falaram o tempo todo. Eu apenas fazia algumas perguntas para direcionar a conversa. Decidi encerrar a entrevista quando vi que as duas estavam cansadas.
No quarto dia da acampada, tudo continuava igual: as barracas, as tendas, os cartazes. Os jovens se mesclavam com as pessoas do bairro que usavam a praça, pais com suas crianças, pessoas idosas. De diferente, notei algumas araras com roupas que poderiam ser pegas gratuitamente. Mulheres e garotas as frequentavam. Também percebi um cartaz novo, grande, que era o apoio de Can Vies à situação do Casal. Na barraca de informações, na qual sempre ficava alguém, turistas solicitavam esclarecimentos sobre a acampada. Além disso, observei gente do bairro perguntando sobre as atividades diárias.
Nesse dia, fora programada uma palestra com pessoas de outras okupações, entre elas: El Rec, Banc Expropriat, Flor de Maig, etc. Organizaram uma roda ampla, com cadeiras, e montaram uma aparelhagem de som que permitia que se ouvissem os membros dos coletivos em boa parte da praça. A maioria das pessoas na plateia eram jovens, mas notei também muitos senhores e senhoras de idade. Havia, ainda, muitos fotógrafos registrando o evento. Os representantes dos centros sociais tinham entre 25 e 30 anos, dois homens e duas mulheres. Eles explicaram a situação de cada okupa; responderam perguntas pré-agendadas. O evento foi importante, pois mostrou a relação entre as okupas em Barcelona, e que todos estão dispostos a colaborar.
Passei na praça na sexta-feira, no último dia da acampada. Os acampados ouviam música em som alto. Um dos garotos na tenda de informações conversava com dois turistas. Era um casal de aproximadamente 50 anos. O jovem foi educado e atencioso, falou em inglês com eles, explicou a acampada e a situação do Casal. Os dois estavam bem interessados e ouviam com atenção, rebatendo com perguntas. Em determinado momento, o jovem falou sobre o turismo em massa. Os dois turistas estavam com um mapa na mão. O rapaz disse que o coletivo era radicalmente contra essa situação do bairro e da cidade. O garoto estava falando outra língua, tentou ser o mais educado possível e prestativo, mas não teve como ele não falar sobre o turismo em Barcelona. Os turistas, depois disso, saíram. Caminharam pela praça vendo os símbolos okupa e as palavras de ordem. 
Perguntei ao rapaz da tenda de informações o que fariam agora. Ele disse que levantariam a acampada, mas que voltariam ao Casal. Pelas conversas que ouvi, pensava que o Casal não seria retomado. Pensava que realizariam outras ações. Ele disse que continuariam lá até o desalojo, se houvesse. Como a acampada foi importante, por atrair os olhares para a situação da okupa, perguntei se não seria o caso de ficar na praça por mais tempo. Ele me disse o que eu já sabia: é impossível manter uma acampada por muito tempo, ela se esgota.
Comentei uma notícia de um meio de comunicação de massa segundo a qual eles estavam lá pelo referendo[1]. Ele soltou uma pequena gargalhada, disse que era típico da grande mídia. Respondi que estava maravilhado, pois não acontecera repressão, mesmo que a acampada tenha se situado em um lugar central para o bairro. Para o rapaz, isso refletia a possibilidade de que o Casal não fosse desalojado. Como era sexta-feira, a praça estava mais cheia do que nunca. Foi uma boa escolha decidir marcar o fim da acampada nesse dia da semana.
A acampada se soma à okupação, às festas e às manifestações. A partir de 2011, tornou-se uma importante ferramenta dos movimentos urbanos. Como havia referido, em Porto Alegre aconteceram duas acampadas, e muitas outras foram realizadas em várias cidades do Brasil. A acampada não é uma festa nem manifestação, as quais são mais efêmeras; não é uma okupa, que é mais duradoura. No caso da acampada do Casal, ela durou uma semana, mais que isso era impossível.
Porém, na acampada estão presentes os códigos de naturezas diferentes: ócio, moradia, política, festa. Talvez, no caso específico dessa acampada, houvesse mais segurança para os okupas. Estavam em seu bairro, rodeados por pessoas do bairro, diferentemente da acampada dos indignados em Barcelona em 2011, que ocorreu em uma zona turística e comercial. 
A acampada do Casal não apenas chamou a atenção dos mais velhos, como também de crianças, e da mídia. Não tenho informações se a acampada teve êxito quanto à situação do Casal, mas foi um processo interessante e importante, o qual se soma às outras formas de expressão de tomadas da cidade – talvez novas surjam da criatividade dos okupas. A praça okupada é uma linha de fuga dentro da cidade. Isso é muito frequente no Gràcia, vide os inúmeros eventos okupas nas praças. O importante é encontrar a brecha e experimentá-la, fazer vazar o cano do dispositivo de controle da cidade, mostrar novas formas de vida para as pessoas ampliarem seus territórios. No caso, os jovens do Casal ensinaram como se produz uma linha de fuga, isso é a potência da juventude. 
A praça – tão importante em Barcelona – é um mapa, com suas duas linhas: a molar, a normatizada para o turista; a molecular, a dos movimentos, que produzem diferença. Um dos objetivos de tudo que é exposto sobre os okupas neste texto é mostrar que em Barcelona, uma cidade tão viva de eventos molares, uma cidade que tende a um controle absoluto, em seu sul, um sul simbólico, aparece a resposta dos okupas. No verão, a cidade foi muito expressiva tanto em eventos para o turismo quanto em eventos do movimento okupa. Ou seja, o endurecimento da cidade cria linhas de fuga. Tive sorte de chegar em junho, e até setembro, com o calor, presenciei muitas atividades. Mas a acampada mostra que, mesmo com a chegada do frio, se os turistas ainda estão na cidade, ela ainda está viva devido às manifestações da multidão.

As assembleias e comissões em Can Vies exemplificam a rede descentrada, pois não há líderes nem sujeitos que as centralizem. A assembleia geral, a mais importante de Can Vies, reúne, normalmente, em torno de 30 pessoas, quase sempre as mesmas. Ela dura um pouco mais de duas horas, é falada em catalão, mas, às vezes, algumas falas são em espanhol. É aberta com a leitura de ata por membros mulheres. Frequentemente, elas tomam o papel de mediadoras. Os temas dizem respeito à gestão do espaço. Em minha experiência, uma questão era central: a reconstrução. A idade média é de 30 anos, mas participam pessoas mais jovens e também mais velhas. 
As comissões reúnem grupos menores e tratam de questões pontuais. A de “ofícios” aborda o ambiente físico do prédio; a de atividades trata dos eventos a serem feitos na okupa. Há outras comissões, mas apenas as duas citadas anteriormente tive a oportunidade de participar. Solicitei informações sobre as outras comissões e não houve diálogo. Aqui, trato apenas de minha experiência na de atividades.
Nesses encontros nunca notei nas falas algo como: ‘somos os cabeças da mais importante okupa de Barcelona’. Nunca os senti orgulhosos. Senti apenas certa importância de alguns nas assembleias, mas, como disse, estes não a centralizam. A assembleia geral era mais cansativa de que a comissão de atividades, pois aquela tem um peso maior, as decisões são gerais, e muitos participam. A comissão era muito mais leve. 
Dirigi-me a Can Vies no dia em que seria realizada uma assembleia geral. Cheguei um pouco antes do horário. Já tinha conhecimento do funcionamento de uma assembleia e de que havia uma abertura para propostas e pessoas que quisessem colaborar. Abordei uma garota. Expliquei minha situação e que queria ajudar na organização de Can Vies. Ela respondeu que eu poderia me apresentar e propor algo. Assisti à assembleia, em catalão, e decidi não me expor. Senti-me impotente. Falou-se muito na reconstrução, nos eventos e percebi que não tinha nada de importante a propor. Além disso, me vi como um intruso, o que, de fato, era. Realmente, queria fazer parte do processo para produzir minha pesquisa. Havia muito trabalho a ser feito. O que estava sendo realizado não era uma brincadeira. Não vi em que eu poderia ajudar no projeto. Poderia ter proposto ajudar na reconstrução, mas não queria fazer trabalho braçal. Pensei em fazer uma rede de comunicação com movimentos brasileiros, mas, na conversa com a garota, vi que o coletivo não tinha interesse. Pensei em ajudar nas mídias de Can Vies, no entanto, eu não dominava o catalão. Mesmo assim, continuei indo nas assembleias, e, então, propus uma fala do meu orientador, uma palestra. Devido ao doutorado sanduiche, estava sendo acompanhado (orientado) por um teórico que trabalha com movimentos juvenis, Carles Feixa. A partir daí, começou um processo que permitiu um contato mais próximo com o coletivo.
Cheguei um pouco antes do horário da assembleia, que se realiza nas quartas-feiras, às 20h. Acontecia uma reunião de um grupo, de mão de obra (ofícios), na frente do espaço. Quanto à assembleia, ela foi, como sempre, muito cansativa, pois, como diversos eventos em Barcelona, a conversação era em catalão. Porém, um outro membro me comentou que as assembleias são, assim mesmo, cansativas. Havia em torno de 30 pessoas, a maioria jovens, mas também um ou outro senhor e senhora. De início, leram a ata da assembleia anterior. Três garotas se encarregaram de lê-la. Depois, foi aberta para as falas dos participantes. Boa parte do tempo foi dedicada às questões da reconstrução do prédio. Discutiam, em detalhe, o que estava sendo feito e o que pretendiam fazer. Discutiram também os valores possíveis destinados para a reconstrução. 
Dedicou-se muito tempo para tratar sobre o que fariam nas férias; a okupa ficaria fechada durante as primeiras semanas de agosto. Além disso, debateram sobre a segurança do espaço, sobre fazer grupos de vigilância. Um dos membros falou sobre as ações judiciais que estavam sofrendo pessoas que atuaram nas lutas de maio em Can Vies. Outro comentou a posição da prefeitura sobre a okupa. Além disso, muitos temas foram tratados, como: participar das festas alternativas do bairro Sants; limpar as pichações feitas por fascistas no entorno; a relação com a associação de vizinhos de Sants; a possibilidade de se fazer uma manifestação.

Terceira assembleia
Assisti a mais uma assembleia em Can Vies. Quando cheguei, como sempre, o grupo de ofícios estava reunido. Eram aproximadamente dez pessoas falando em voz baixa, muito pausadamente. Cerca de cinco pessoas eu conhecia, as outras ainda não havia visto. Não dei muita importância para o que era dito nessa comissão, pois as questões sobre os ofícios também eram discutidas na assembleia.
Uma garota que eu conhecia chegou e a abordei. Perguntei-lhe se era do interesse do coletivo ser realizada em Can Vies uma fala, uma palestra do diretor do grupo de pesquisa em que estava envolvido. Ela respondeu que seria interessante, mas que eu precisava propor. A assembleia começou, novamente, com a leitura da ata. Novamente, foi dedicado um bom tempo para tratar da reconstrução. Um dos membros disse que tudo estava sendo lento demais. Para ele, trabalhar poucos dias da semana e com um número reduzido de pessoas faria com que a reconstrução demorasse muito tempo. Outros membros argumentaram que os dias de reconstrução deveriam ser mais frequentes, talvez até trabalhar nos domingos. Alguns comentaram que não podiam estar mais presentes devido aos seus empregos.
Em um momento, uma das mediadoras da assembleia comentou minha sugestão de uma fala de Carles Feixa na okupa. Apresentei-me, disse que era brasileiro e que estava pesquisando okupas em Barcelona. Disseram que seria interessante, mas tinha que propor em uma das comissões, a de atividades. Perguntei se poderia ter as atas das assembleias para minha pesquisa. Um dos membros falou que eu poderia anotar o que era dito, mas que não era comum ao projeto a disponibilização das atas. Não insisti. 
Cheguei cedo, como sempre, pois, antes dos encontros, como as assembleias, normalmente havia pessoas na okupa, e eu me aproveitava para me aproximar delas. Nesse dia, apenas dois membros estavam na frente de Can Vies. O prédio estava fechado. Abordei os dois, mas não consegui manter um diálogo. Aos poucos, foram chegando mais pessoas. Decidiram sentar-se na frente do prédio de Can Vies, que estava fechado, do outro lado da rua.
A primeira fala foi de um jovem espanhol, não catalão, pertencente a um outro coletivo libertário. Ele estava propondo uma atividade no centro social. Seria um tipo de festa com temática antifascista. Ele falou por um bom tempo. Depois, começou um diálogo com os membros da comissão. Eles detalharam como poderia ser o evento, sua organização. Ambos, tanto o jovem como os membros, demonstraram ter experiência na produção desse tipo de evento.
A segunda proposta foi a minha. Primeiro, me apresentei, disse que estava representando um teórico. Propus que fosse feita uma fala de Carles Feixa, meu orientador, em Can Vies. Indagaram que seria estranho alguém vir à okupação falar sobre eles. Argumentaram, também, que os acadêmicos não têm, necessariamente, um conhecimento sobre os movimentos. Respondi que seria mais um ponto de vista, que a fala poderia se tornar um debate, o posicionamento do teórico poderia ser confrontado. Porém, ficaram interessados. Eu disse que enviaria, por e-mail, links com a produção de Carles Feixa e também um pequeno resumo do que seria dito.
A comissão era composta por bem menos membros do que a assembleia geral. Todos que estavam presentes, eu já conhecia. Estávamos sentados em uma roda na calçada. No meio, improvisaram uma mesa, com pão e tofu. Além das conversas voltadas para todos, havia conversas paralelas e, além disso, eram feitos muitos gracejos. A comissão me pareceu mais leve que a assembleia geral, mas não menos séria. Senti-me menos apreensivo nela.
O evento proposto – a festa antifascista – ocorreu uma semana depois. No dia da comissão, o proponente da festa expôs em detalhes o que sugeria a ser feito. Percebi que ele foi um pouco pressionado a isso pelos membros. Ele falava e o grupo ficava em silêncio, esperando que falasse mais. O evento foi bem divulgado pelos meios de comunicação do coletivo.
Quanto à minha proposta, foram muitas as perguntas, muitas delas sobre mim e meu trabalho. Um dos membros disse que havia ouvido críticas ao trabalho do meu grupo de pesquisa da Universidade de Lleida. Indaguei-o sobre o que ele sabia a respeito do grupo. A pressão foi diferente da feita com o outro rapaz. Notei, na comissão e na assembleia, que há um desejo de que o máximo de pessoas participe, mas não são quaisquer propostas aceitas. Todos os eventos de que participei eram muito bem organizados, com uma temática coerente ao posicionamento de Can Vies, sempre relacionado ao ativismo mais radical. 

 E-mail recebido de membro de Can Vies  
Recebi um e-mail de membro do coletivo, no qual mostrava um interesse com minha proposta de um evento com participação de Carles Feixa. A seguir, transcrevo o e-mail.  

Hola Diego:
Soy […] de la comisión de actividades de Can Vies. Perdona que  tenemos el tema de la charla de Carles un poco olvidado, pero con  todas las tareas de reconstrucción estamos valorando si seguir con las actividades, ya que además ahora empieza a hacer frío y seguramente ya  no se podrán hacer en el patio.
Igualmente, nos gustaría saber si podría enviarnos algo más detallado sobre su propuesta. ¿Se trata de una charla debate, invitando a otros colectivos de otros Centros Sociales Autogestionados? No nos queda  claro cuál sería el tema exactamente, quién más intervendría, qué formato de actividad querría desarrollar. Si puedes pasarle este mail a Carles y que él nos especifique lo  máximo posible el formato para ver si sería viable o no. Gracias, un saludo!
[...]

Após, também por e-mail, conectei Carles com o coletivo, e começamos um diálogo. Por fim, a palestra não se realizou. Comparando a boa recepção dos membros para com um evento antifascista, o qual foi realizado rapidamente, com a negação de um evento de uma pessoa do meio acadêmico, penso que isso demonstra o tipo de política de Can Vies.  O não interesse por alguém da seara acadêmica, ainda mais de renome como Carles Feixa, externa, talvez, um desejo de promoção e expressão do minoritário e, ainda, uma inversão de valores. Em Can Vies e nas outras okupas, em nenhum evento de que participei havia personalidades sendo apresentadas. Tenho certeza de que a posição teórica de Carles Feixa e de nosso grupo de pesquisa na Universidade de Lleida não influenciou na decisão. O grupo se dedica às lutas da multidão, tratando-as como riqueza e potência da juventude. Além disso, como comentei na introdução, foi de Carles a ideia de eu centrar a pesquisa no movimento okupa e no caso de Can Vies. Talvez não tenha ajudado minha falta de experiência em relação a esse tipo de evento, mas creio que o peso da figura de Carles, um renomado teórico, poderia destoar da proposta da okupa. 
Cheguei um pouco antes do horário, mas, nesse dia, já estavam reunidos. Foi a primeira vez que vi uma assembleia em Can Vies no interior do prédio, em função do frio. O interior também estava em construção, o que não diferia muito da parte externa. Por isso, comentou-se, nesse dia, muitas vezes, na possibilidade de que as atividades fossem realizadas em outra okupa da região.
As pessoas que estavam no local eram, basicamente, as mesmas de sempre, mas faltavam algumas. Foi discutida uma matéria do periódico La Vanguardia que criticava as festas na casa. Trataram de algumas atividades, mas houve uma discussão para que se centrasse a assembleia na reconstrução. Em determinado momento, chegaram três garotas. Eu as vi entrar, pois estava junto à porta de saída. Elas pediram a palavra. Propuseram uma jornada em prol da não heteronormatividade. A jornada deveria acontecer o quanto antes, pois pessoas que fariam parte estariam apenas alguns dias na cidade. As falas foram longas, perguntou-se a relação de Can Vies com tal evento. Foi dito que Can Vies sempre abrigou esse tipo de atividade. Não houve um consenso total sobre o evento, o coletivo respondeu que entraria em contato com as garotas, posteriormente.
Cheguei um pouco mais cedo e a okupa estava aberta. Cinco membros estavam retirando material de dentro do prédio e deixando próximo a um local com contêiners de lixo. O trabalho era pesado. Era difícil transpor o material para o outro lado da rua, até porque havia o fluxo de carros. Todos que estavam trabalhando, eu já conhecia. Eram os membros mais ativos no trabalho manual. Fiquei um pouco distante olhando, porque não queria atrapalhar.
Em determinado momento, abordei um deles. Perguntei se aconteceria a atividade. Ele disse que não sabia. Resolvi fazer algumas perguntas. Respondeu-me que estavam deixando o material para ser posto fora, ou para se alguém quisesse usá-lo. Um pouco depois, chegaram os membros da comissão de atividades, os quais conversaram com uma das pessoas que já estava no interior da okupa. Então, decidiram deixar a okupa aberta para que a comissão a usasse.
Na reunião da comissão, eu conhecia todos de outros encontros. Conversamos sobre minha proposta não aceita da fala de Carles Feixa. Eles falaram da impossibilidade de fazer atividades no momento, pela necessidade de dar prioridade à reconstrução. Além disso, um dos membros abordou que havia uma centralidade em financiar ações de coletivos afins, ajudar na organização e divulgação de eventos na okupa de coletivos com um posicionamento político similar. 
Perguntei o que significava a reconstrução, se se referia apenas à parte física da okupa. Reafirmaram que era importante ter um espaço construído para que os muitos coletivos envolvidos em Can Vies tivessem um local para atuar. A reconstrução física da casa era central. Para mim, as atividades deveriam acontecer mesmo na reconstrução. Porém, o verão havia acabado, estava mais frio, isso dificultava, e muito, pois o espaço interno da casa estava inviável para que fossem feitas ações que atraíssem mais pessoas.
Em determinado momento, a conversa tornou-se mais informal. Decidi me expor. Isso foi importante, uma vez que consegui me diluir junto ao coletivo. Algumas pessoas estavam sendo muito atenciosas e carinhosas comigo, isso ajudou em minha aproximação. Talvez eu tenha falado mais do que devia, mas me senti forte para fazer falas mais longas em espanhol. Além disso, eu havia solicitado para gravar a reunião, alguns aceitaram, outros não. Como havia alguns “nãos”, não pude gravar.  
Em uma terça-feira, dirigi-me até Can Vies para contemplar a reconstrução e não havia ninguém. Poderia acontecer de que ninguém viesse, mas fiquei meia hora parado na frente da okupação. Uma garota chegou, carregando uma sacola de supermercado e um engradado de refrigerante, eram compras para quem ia ajudar no trabalho manual. Essa garota, na semana anterior, eu a vi recebendo alguns jovens. Estes filmaram a okupa e pediram uma fala dela, ela o fez. Como estava sendo muito requisitada no dia, não a abordei. Nessa terça-feira, eu a abordei. Solicitei uma entrevista de 20 minutos gravada, ela disse que não poderia. Questionei se poderia entrar na okupa e falar com o coletivo, como sempre fazia. Ela disse que sim. Logo chegaram mais pessoas, cerca de seis rapazes. 
Entrei na okupa e percebi que ela estava diferente, fisicamente. O piso da parte interna havia sido retirado. Perguntei a um dos rapazes o que estava sendo feito. Ele me mostrou vários pontos do prédio que eram prioridades no momento. A parte interna mais próxima do exterior ficaria pronta em um mês, essa era a previsão. Assim, em um mês, já poderiam acontecer atividades.
Perguntei se havia previsão de quanto tempo demoraria para que a okupa ficasse totalmente pronta. Ele respondeu que em mais de um ano. Disse-me que a colaboração flutuava; às vezes, vinha mais gente, mas, na verdade, poucas pessoas estavam sempre presentes. Um exemplo disso era o fato de que um grupo viria na semana seguinte ajudar no trabalho. O grupo era formado por jovens de uma okupação de uma cidade próxima. O coletivo de Can Vies iria conseguir um local para que os jovens fossem acomodados em sua estadia. Perguntei como eles lidavam com quem não tinha conhecimento de ofícios e que queria ajudar, se isso não atrapalhava. Ele respondeu que não. Havia muitos trabalhos simples possíveis para todos, como pintar paredes. Comentou-me que arquitetos estavam criando um novo projeto para a casa. Eles buscavam uma estética que fugisse da arquitetura comum. Muitos artistas ajudariam nisso.
Ele começou a trabalhar. Afastei-me. Vi que um outro membro estava sentado sozinho. Eu já o conhecia, sempre havia sido educado comigo, resolvi abordá-lo. Fiz algumas perguntas mais técnicas; ele disse que não tinha conhecimento de arquitetura, e salientou: o que importa é reconstruir. 
Percebi que a conversa não iria render. Fui até a parte da frente da okupa. Ali, eu sempre via pessoas passando e olhando Can Vies, principalmente senhores e senhoras. Um senhor, de aproximadamente 55 anos, chegou e ficou olhando. Apresentei-me e perguntei o que ele pensava sobre Can Vies. Ele era morador do bairro, falou mal da reconstrução, disse que não estava sendo bem feita. Além disso, não gostava do movimento okupa e, para ele, Can Vies não era um lugar idôneo. A crítica do senhor, para mim, se referia à transvaloração do movimento okupa. Os membros do movimento não pagam para ter um imóvel; e ele era contra isso. Perguntei-lhe sobre o que pensava a respeito da reconstrução feita por colaboração. Ele reafirmou que não gostava do local e das pessoas. Por fim, fez mais um comentário: a prefeitura tinha que ter sido mais dura com Can Vies. 
Em todo o momento, tentei ser imparcial e educado para fazê-lo falar. Não iria entrar em discussão com um senhor de idade, vizinho de Sants. Apenas defendi a okupa dizendo que era um bonito projeto. O senhor foi embora. Notei, próximo do local em que eu estava, um dos membros da okupa. Como eu conversava com o senhor, não havia reparado nesse membro. Ele não havia gostado do que eu fizera: conversar com um reacionário, contrário à okupa. Desculpei-me e pedi para me explicar; ele ficou mais bravo ainda. Pedi calma; queria resolver tudo na hora para não deixar um mal-estar pendente. Ele ficou mais agressivo. Disse para eu me explicar na frente de todos que estavam trabalhando na okupa. Eu só conhecia de vista duas pessoas. Elas sabiam pouco de mim. Exigiram que eu dissesse o que fazia e quem era; queriam detalhes sobre mim. Insinuaram que eu podia ser um policial infiltrado. Pediram para eu mostrar meus documentos. Considerei a situação meio cômica e disse que não portava documentos. Um deles mostrou os dele e disse: ‘agora me mostre os seus’. Reafirmei que muitos me conheciam e sabiam exatamente o que eu fazia. A pressão continuou. Todos estavam nervosos.
Achei a situação, como disse, cômica, pensei até que eles estavam teatralizando para que eu me apresentasse de forma mais detalhada, o que eu não fizera com todos. Em certos momentos, eu ria; em outros, ficava sério porque a situação estava sendo incômoda. Começaram a me pressionar, creio que queriam que eu ficasse tenso, com medo, que estavam me testando. Como afirmei antes, passei pouco tempo em Barcelona para entender o humor do povo local. Depois disso, fiquei preocupado, estava com medo de que esse fato me impedisse de estar presente na okupa. Fui para casa e, como tinha o e-mail de pessoas do coletivo, contatei-os contando minha versão da história. Disseram-me que era melhor enviar um e-mail para todo o coletivo, e fiz isso, posteriormente. 
A seguir, a cópia desse último e-mail o qual está dividido em duas partes. Na primeira parte apresento-me de forma detalhada. A segunda parte explica o mal-estar. Em seguida, como fiquei sem paciência de esperar resposta, enviei outro e-mail, transcrito mais adiante, fazendo petições, como uma entrevista gravada. Responderam-me pedindo desculpas pelo conflito e marcamos a entrevista. Esta durou mais de uma hora. Quem me atendeu era um dos membros mais ativos da casa. Para mim, a desavença, mesmo que tenha sido um pouco incômoda, foi muito produtiva em minha etnografia, pois aproximou-me do coletivo.
Penso que a forma como estava agindo, em certos momentos, talvez não fosse confortável para o coletivo, um estranho, não conhecido por todos, frequentando o espaço, constantemente. Nunca atrapalhei a rotina da casa; se alguém não queria conversar, eu não insistia, porém, pela natureza do trabalho, me via obrigado a estar, ao máximo, presente e contatar o maior número de pessoas. Alguns na casa já me chamavam pelo nome e conversavam naturalmente.
Além disso, no Casal Tres Lliris foi questionada minha presença. Ao abordar um grupo de garotas, que reconheciam minha frequente presença na okupa, elas me disseram que me consideravam suspeito. Estavam intrigadas pelo meu interesse na singela okupação; me indagaram por que eu não estava fazendo pesquisa em outros locais com maior visibilidade. Contatei um outro membro e expliquei a situação e ela foi contornada. Por fim, a entrevista cedida a mim pelos membros do Casal foi exatamente encabeçada por duas garotas. 
 Finalizo essa parte, com essas considerações, e apresento, nas próximas linhas, as cópias das conversas por correio eletrônico com o coletivo de Can Vies. Como são e-mails e para criar uma imagem de proximidade não me preocupei em produzir uma escrita culta, formal, com correções detalhadas da língua espanhola. 
 Primeira parte
Hola
Soy investigador brasileño. Estoy haciendo una estancia en la universidad de Lleida. Tuve una discusión con un miembro del colectivo. Después, escribí un correo electrónico a Vanessa explicando la situación.  Ella me dijo que era mejor que yo les envié por correo electrónico a todo el colectivo.[…]. Desde junio, he estado presente en can vies. He contemplado la reconstrucción. He hablado con la gente. Vi un par de asambleas generales. Asistí a algunas reuniones de la comisión de actividades. Siempre pregunté a la gente si podía estar en Can Vies, mirando y hablando con la gente. Siempre he dejado claro que soy un investigador. Y por lo tanto, siempre he tenido una buena acogida. Para mí, siempre era mejor hablar con la gente porque no hablo catalán.
Propuse en una reunión de actividades una conferencia de mi mentor: Carles Feixa. pero al mismo tiempo me dije que no era una buena idea. Creo que Can Vies funciona mejor como un lugar de expresión de la política de minorías. Creo que el discurso académico es demasiado formal, y sólo se lleva a cabo a través de las burocracias. y el espacio para el discurso académico no le falta. ya la política de minoría, ya sea de géneros o Antisistema, carecen de espacio.
Yo estaba triste al saber que el centro sería cerrado por un tiempo para las actividades. en verano, las actividades más importantes que asistí en la ciudad ocurrieron en Can Vies. en otras áreas importantes acontecimientos sucedieron, pero no como el centro.
Creo que la organización interna es impecable. el proyecto está funcionando muy bien. asambleas combinan el rigor y la alegría. la gente hace política, pero no renuncian a intercambiar afectos. Esta es otra política. Yo comenté en una reunión de actividades que me fascinaron cómo se les negó símbolos dominantes: el trabajo manual se mezcla con el intelectual; quien está reconstruyendo con sus manos el centro está produciendo conocimiento en las asambleas. el trabajo masculinizado también se hace por mujeres. las personas que gestionan el centro son en su mayoría jóvenes, y vivimos en un mundo donde los jóvenes están dominadas por los adultos. y todo esto se hace mediante la colaboración, la autogestión, la autonomía, niegan el control de lo capital y el estado es decir, el sitio es un proyecto contra el control.
Hola
Comparto una situación que se ha producido hoy en Can Vies. Fui en la okupa a las 18h. Hablé con algunas personas; estas personas me explicaron las medidas que se están tomando en re-construcción. En un momento, me di la vuelta, y me paré en frente de can vies. Yo estaba fumando un cigarrillo. Un hombre se acercó.
Yo estaba interesado en saber por qué estaba allí mirando. Me acerqué. Le dije que yo era brasileño, y estaba en Barcelona investigando. El Señor en la conversación era contra la ocupación, de hecho, tenía un discurso muy reaccionario. Seguí la conversación para aprender más sobre lo que él pensaba. También le dije que pensaba que era importante la autogestión y el trabajo colaborativo. Pero seguí educado para aprender más acerca de lo que él pensaba.  El se alejó y se fue. Después de eso, uno de los miembros de la comisión, que era siempre amable, me dijo que no le había gustado lo que había dicho. […] Él me pidió que me explicara lo que había hecho con el grupo que estaba trabajando. Mucha gente no me conoce, pidieron explicaciones acerca de mi presencia. Al final, se me pidió que me presentase en la asamblea general, para mí  proponer  estar presente en la okupa haciendo mi investigación.
En cuanto a mi investigación… estoy haciendo un trabajo – crítico – sobre lo que se dijo en los medios de comunicación acerca do que se pasó en mayo en can vies, sants e en la ciudad. También estoy haciendo trabajo de kampo en algunos okupas en Barcelona. Lo principal: can vies. Yo siempre trabajé con la comunicación por eso mi trabajo de kampo es peculiar: veo, oigo, y escribo. Trato de mantener mi posición como investigador, porque no puedo salir de ella, y creo que un trabajo de colaboración por mi parte, bien,  yo tendría que permanecer más tiempo en la ciudad.
Después de un tiempo empecé a tener ideas que podrían ayudar en la reconstrucción. Pero voy a volver hasta Brasil. Por lo tanto, podría mantener mi contacto con la comisión desde Brasil, para ayudar de cualquier manera que pueda. De lo que he aprendido, can vies es un punto de referencia en la ciudad, en estructura y operación. Por otra parte, su simbolismo siempre llevará en su historia.
Tengo un interés por la política minoritaria en toda la mi vida académica. Trabajo con Foucault, Deleuze y Guattari, Antonio Negri, e estoy conociendo lo trabajo anarquista pos estructuralista.  
Pero lo más importante, lo empírico, la vida concreta… Para mí ciertos espacios anuncian un nuevo mundo. La gente lo llaman utópico, pero no es un pensamiento utópico, es la realización concreta de que otras relaciones son posibles. La experiencia de la descentralización, la autogestión, la colaboración, presentan otros valores. Algo que vivenciamos e produjo una posición ética de inmenso valor. El movimiento por otra globalización, el movimientos de 2011, las okupas,  mismo distintos, presentan la experimentación y el deseo de otras realidades, concreto y real. Esto es lo que todos sabemos, pero lo creo e estimo demasiado.  
No voy a presentar un discurso de defensa de mi investigación. No voy a defender mi posición, cómo me acercaba a la gente… trabajo de campo se aprende en la práctica. Mi investigación de kampo está siendo una experiencia de aprendizaje. Pero creo que, en realidad, de que nuestro contacto es importante. También pienso que mi investigación ayudará a algunas personas en Brasil, y en Porto Alegre. Creo que can vies puede ser un laboratorio para actualizarse en el país. Puede ser esa la función práctica de mi investigación…  pero creo que un trabajo académico por su naturaleza puede poco.
abrazos,
Diego       

Após, como não obtive resposta, enviei mais um e-mail

Hola
Envié un correo electrónico hace unos días. Les expliqué la naturaleza de mi investigación. La razón por la que estoy en can vies en unos momentos. vuelvo a Brasil a finales del mes. Todavía tengo tiempo en la ciudad. así me gustaría pedir algunos permisos: 1. Me gustaría poder asistir a las reuniones de lo colectivo de actividades; 2.  poder estar presente en can vies. entrar en el edificio, hablar con la gente; 3.  poder asistir a la asamblea general. 4. También seria importante para mí hacer una entrevista con alguien sobre la reconstrucción. eso ayudaría mucho en mi investigación. 5. cuando vuelvo a Brasil, me gustaría ponerme en contacto con la gente de la colectividad, por correo electrónico.
saludos
diego

Por fim, recebi a resposta do coletivo

Hola Diego,
Antes que nada: disculpas por la situación tensa del otro día, queda claro que se trató de un malentendido.
Por lo que respecta a tus peticiones una persona de la "comissió d'oficis" que también ha participado en la de actividades se ofrece para atender tus preguntas y explicarte lo que desees saber acerca del CSA y de las luchas presentes y pasadas. Simplemente ponte en contacto por este mismo correo electrónico con nosotras para concertar cita.
En estos días estamos realizando un esfuerzo extra para la reconstrucción por lo cual las actividades se encuentran suspendidas temporalmente y la visita del edificio no es posible porqué estarán abiertos los agujeros que dejó la empresa de derribos (estaremos arreglando los techos). Las reuniones de las comisiones se veran modificadas en estos días por las tareas de reconstrucción. La asamblea general, si no hay cambios, sí se celebrará el miércoles a las 19h en la parte de abajo del edificio (kafeta). Si vas a venir este miércoles responde primero a éste mail para quedar con la persona que te va a atender.
Saludos cordiales!





OUTRO LIVRO – EXPERIMENTOS DE AFAZIA

Sobre a escrita apresentação do texto: Já tentei inúmeros tipos de estilos desde quando comecei a escrever. Meu primeiro trabalho era de contos sobre realidades delirantes. Em determinado momento escrevi um livrinho de poemas médios, conceituais todos com linguagem de rua, mas que não funcionou e ficou esquecido. Amadureci meu trabalho com um livro de crônicas, também conceitual, que se centra em minhas experienciais principalmente na adolescência. Esse livro joga com a linguagem de rua, traz situações descontroladas, pode ser lido de qualquer forma, já que não tem um centro. O estilo difere do estilo das crônicas do terceiro capítulo, mas há proximidades. Como já disse na primeira parte do outro livro, este é uma linha de fuga, um aumento de território, a tentativa de produzir o descontrole, de enlouquecer pelo menos na língua. Deleuze fala em gagueira, estrangeirismo na própria língua, aqui não invento uma nova língua, mas fujo dela dentro dela. As muitas gírias, expressões de rua mostram a maleabilidade dela. Certas turmas em certas estações, certos guetos em certas estações, os jovens, os marginais, os drogados fazem isso, criam expressões que só tem sentido para eles nesses momentos, e isso é poesia, considerando poesia como um devir menor da língua. Eu uso muitas expressões dos inúmeros guetos que pertenci, e aliás, mesmo sendo doutor eu não consigo fugir de certos vícios de linguagem de rua, quando falo, seja em aula, palestra, o que for. E não só em relação as expressões, alguém chapado de maconha, morfina tem um ritmo de fala diferente, mas lento, pausado, baixo, calmo. Alguém louco de cocaína ou anfetamina tem uma fala rápida, dura, pouco pausada, direta, e muitas vezes uma fala que não para nunca. Quem está louco de coca não quer parar de falar, por isso, conta histórias em detalhes, os mínimos detalhes para prolongar ao máximo a fala, para falar mais.   
A ideia do texto que segue surgiu quando eu com frequência comecei a pensar em frases sem sentido. Me perguntei se seria possível escrever um texto de pelos menos duas páginas com frases do tipo. Fiquei espantado que escrevi de forma fluida o que será apresentado posteriormente. Me parece que é uma escrita homogênea: há um ritmo em todo o texto, o escrevi tendo um ritmo imaginário me acompanhando, estava na cabeça com o ritmo de fala de Glauber Rocha, e alguns poetas que declamam suas poesias. Eu imaginei uma fala impostada, de leitura de poesia tradicional, uma voz grandiloquente, grave, musical. Esse ritmo é sarcástico já que essa voz grandiloquente não fala nada, já que as frases não têm sentido. gozo, me divirto com esse tipo de fala. Como disse imagino a voz de Glauber rocha, louco gritando e criticando todos. Mas é só a voz de Glauber, não o conteúdo. Mas tem graduçoes de ritmo no texto, as vezes ele parece simplesmente um cara de rua falando, ou um cara louco de coca, ou um acadêmico sendo sarcástico em sala de aula, ou mesmo imagino o ritmo de fala para outro de uma forma completamente séria, só que o que falo é absurdo, seriamente absurdo. Talvez a piada no pós moderno tenha deixado de ser feita para rir, mas continua sendo piada. E as vezes há mais de um ritmo em um bloco de texto, e pode ser dois ritmos que vao se desenvolvendo.
Há em partes algo como ums história algo acontecendo mas não acontece nada.

Todo o texto composto de frases absurdas, mesmo as mais absurdas que talvez sejam impossíveis de se ler, foram escritas de tal forma com esse ritmo que posso declamá-las. No trabalho de revisão, e foram muitas revisões, manter o ritmo foi central. Ou seja, as frases não foram simplesmente jogadas no texto elas passaram por um tratamento rigoroso. Todas as frases são curtas. Frases curtas permeia meu trabalho literário. As frases curtas ajudam manter o ritmo, é mais fácil narrar, ler, uma frase curta, ainda mais que as frases são absurdas, quanto mais longas, mais difícil de manter o ritmo. E sempre achei pequeno burguês frases longas: escritas por aqueles que tem total domínio textual, que se permitem escrever frases de cinco linhas para mostrar seu domínio. Textos escritos para pequenos burgueses aqueles que conseguem manter a leitura de frases que nunca acabam. O carinha de rua, o jovem, o marginalzinho, eles falam rápido, com frases rápidas, muitas vezes a fala é apenas gírias, expressões de rua....
 O texto é dividido em blocos, os blocos não narram história ou raramente há narram, dificilmente se encontrará sentido, há muitas frases isoladas, que não se ligam a outras, porém, algumas frases e parágrafos se conectam. No texto há graduações de falta de sentido, essas graduações se referem a experimentações, ao mapa que fui montando, a pequenas diferenças internas, as quais busquei, mas sem sair do conceito do texto. Me perguntava: até onde posso ir, quais novas linhas traçar, mantendo o conceito?  Certas partes são mais radicais que outras. Certas frases são construídas como as normais, mas o conteúdo é totalmente sem sentido. Certos blocos de texto têm um mesmo tema. Há blocos de textos com frases que fazem sentido, mas isoladamente. um narrador, alguém, uma primeira pessoa que fala para uma segunda. sujeitos, algo como personagens, como Maria Andrea, Mario Soares, mas eles não agem, não tem história, são citados a partir de um humor peculiar. humor, e muito, pelo menos para mim. Também em estão presentes alguns elementos de cultura pop, cultura drogada. Palavras de baixo calão estão em todos os blocos textuais, como gírias e expressões de certos guetos de jovens e drogados – aliás, se se buscam histórias em certas partes podem ser encontradas, pelo menos por mim, e são histórias referente a sexualidade livre ao uso de drogas. Ele pode ser recortado, como se quiser, pode ser lido de qualquer forma: é um caos, mas organizado... com certa unicidade. Ele foi finalizado já que talvez  nem tenha sido para ser lido, pela escrita absurda. Mas o mais interessante que a escrita absurda flui, não foi difícil principalmente pelo ritmo que está em todo o texto. Mas como também disse:  o texto não é espontâneo, não são palavras quaisquer jogadas na tela. Escrevi com calma, li e reli, re-escrevi, tirei muita coisa, coloquei coisas novas. É necessária uma tal rigorosidade para se criar um trabalho absurdo e caótico, considerando que quem escreveu “Diego este que fala” é um bom cidadão, criado na academia, doutor e que ama os animaizinhos. E considerando que tenho experiência na escrita, que não sou naifi sempre estudei literatura e artes, sei que enlouquecer na arte pode se transformar em qualquer coisa nomeada de pós moderna. Esse tipo de exercício é importante, já que se realiza em um meio em que posso enlouquecer sem ser preso: a literatura, ou seja, é quase medicina. E isso já permite um grau de loucura para o leitor. Se alguém enlouquece na rua, na sala de aula, em casa, pode ser preso, mal visto ou internado. Gosto de ser mal visto. Enlouquecer é buscar linhas de fuga dos padrões – a prisão – dominantes. Enlouquecer na escrita; um pouco de ar, vida – louca vida. Esse texto se refere a um devir louco, outro. Não sou louco como estado e nem quero ser. Isso não é literatura é medicina. 




COMEÇO DO TEXTO


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É, a gente tava doente; daí a gente foi no médico. Ali na zona sul. Quinze reais, quinze minutos, dez pilas e a gente leva de grátis receita de valium. Quem atendeu foi o Doutor Sacana. Sabe? O Doutor Só Cana. Ele queria dar uma averiguada na próstata do Tio Hermes. Só que ela, a Dona Próstata, já tava avariada faz tempo. Coloque os pingos nos I’s ou use todos os erres. Não sei, mas me parece que sessão da tarde nos dias de hoje rola de noite; e o que rolava de noite, rola qualquer hora. Sim, é isso, muito bem, sempre, já que as cascas de dentro do nariz sempre vêm com meio quilo de sangue. Por favor, meu amor, me chame de meu amor, por favor. Coloque vaselina no cabelo e curre com a cabeça uma mina-rinoceronte. Prainha da Macumba sempre foi cara pra dar uma banda nas férias. Daí a gente faz a macumba ali naquela rua naquele bairro na Zona Sul. Minha doce e amada puta, eu amo teu, nosso cú doce. Cuzinho com queijo e geleia de morango. Os cocôs dela são os melhores. Eu não vou estar aqui, agora, e daí, não me ligue, não ligue pra mim, ninguém se liga, tô ligado e deixa assim. Na real: que se foda; melhor, vou ser honesto: que se foda; melhor: eu te fodo quando você quiser, meu amor de mês nenhum. Colocar no forno só se for no domingo. Eu durmo na sala. As calcinhas foram usadas, sinto o cheiro de longe. Meu Deus do Céu Azul. Mina, se você vai no banheiro, não fale com o Mario. A Dona Gatinha se fodeu, ganhou dez perebas naquele lugar que ela nunca viu e nem sabe. Saio na noite pra pegar umas dores de corno. Não saio na noite, já que ela tá aqui. Amanhã quem ganha os cornos são as vizinhas lésbicas do andar de cima. Ok, comi uma puta de rua que fumava crack. Ainda quero fazer aquele curso de cerâmica. A cidade voltou a ser a cidade. Não sei se existem helicópteros. Quebrei o tornozelo e ela ainda quer que eu a carregue pelas costas. Toda cidade tem um belo rio de merda aqui no país das loucurinhas. Vou soltar um barro, nem mais volto. Frango assado se vende por dez pilas, galinhas são mais caras, mas ainda são baratas. Coloquei o cú ao lado da caixa de som, meu cú está em estéreo, me cú está muito dançante. Você ainda me ama, Dona Megera? Uma noite no andar superior, por favor! Realizo sonhos por muito, muito mesmo, muito pouco.

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A ciganada veio pra cidade e em uma hora se foi. Eu tô lá faz tempo, tô lá, não aqui. Sabia que a maionese que se vende depois da madrugada dá barato? Não, ela que é barata, a mina que cuida da porta do banheiro. Ela que se cuide, disseram. Mas ela já tinha entrado pela entrada também; é, meio que foi demitida. A circulação para, parou, e ele tá mesmo assim, na esquina. Qual esquina? Entre a Rua Mario Peixoto e a Rua Maria Desaparecida.  A gente fingia que fingia, e sabia que não tava nem mais ai. Já disse: tô lá, não aí. Me compra um charuto, me enrola um charuto. Veadinhos fumam incenso. Mas as bocetas que fumam incenso e dizem: “namaste”, é malandro, são o sonho de todo cidadão. Bosta de vaca, chove, e daí a gente toma um ar puro. Semana que vem furúnculo na bunda. Que bom que o cú fica escondido do sol. Se bem que o Carinha, aquele mano, tem palitos de fósforos que acendem no cú. Um cú solitário é algo triste; um cú comunitário, bem, a gente canta parabéns pra você. Levei o Sandrinho na banda das mangueiras longas. Ele riu, mas riu tanto que molhou o banco traseiro. É, traseiro. Me explica, uma coisa. Não, na real, dá uma banda. Tem muita gente por perto e eu fico tímido pra limpar os dentes dela. A gente sabia tanto que só sobrava espaço pra esquecer. Se avião passa aqui na frente, a gente ora por Deus. Vivi muitos anos entre aquelas pessoas anos 90. Vivi tanto com eles que passei a acreditar que nem tinha ido para Woodstock. Ele falava tão bonito que a gente cortou um pedaço da língua dele. Agora ele fala como a gente. Banho de chuva na praia é tipo acordar as três horas da tarde no meio do mês de março. Se tudo fosse fácil, tudo não seria difícil. Entendeu filho, meu filho, meu filho da puta? Ela nos corneava; a gente, sabe? Eu e o Mário e o Maninho e o Cabeça e o Ronaldo e o cara que tava sempre na esquina dizendo: cara, que se foda-se. Os semáforos deram certo, eles nunca piscam. Os tiozinhos ganharam aquele concurso de comer barata. É, escovar os dentes ficou mais difícil. Ela pensa que tá em que lugar? Ela pensa que tá “no morro, três da manhã, acabou o pó”? Ficar de quatro é só ficar de quatro. Eu não fico nem de pé. Deito, sim; eu deito e rolo. O jogador perdeu a mão pruma máquina que só funcionava de manhã. Ele nunca acordou antes do meio dia. Me explique; não, fica na tua. Não é não e não é não, simples, não? O melhor orgasmo é aquele do peito; mas síndrome do pânico é tensão mesmo. A diferença é que os caras tão sempre dando uma de gostoso, e eu não gozo nunca, não sou da geração goza-cola. Só que a Marinara, aquela gata safada que cobra cinquenta por duas punhetinhas, ela só goza se o cara leva ela até o hotel com mais de uma estrela. Ele começou a fumar crack para ver se dava uma acalmada na loucura. Funcionou. Me paga um charuto? Faz que nem o Rafael, cospe nas costas que ele não comeu. Sim, funciona, é só tirar da tomada, colocar os pés na bacia e daí já foi. Já foi tarde. E eu que nem cheguei e nem vou. Tô mais em lugar nenhum do que aqui. Não me ligue, não estou aqui. Não me acorde, não durmo mesmo faz dez dias. Me compra uma revista do Batman. Coloquei a almofada no lugar; é eu coloquei ela no lugar dela.

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Se me encontrar não me avise. Ontem é um bom dia para você me beijar. Sim, faço isso logo, daqui a uns dez anos. As hemorroidas não importavam, mas aquele herpes nos dedos.... Que bom que não chupo dedos. Deve ser trauma daquela época em que os bicos tinham gosto de geleia de morango. A tua cara estava muito bonita, não gosto de caras bonitos; é, dei a garrafada por uma questão estética. Pinto mole de cachorro é mais duro que pinto duro de barata. Quando eu durmo do teu lado eu me sinto tão.... “então, deixa assim”. As tuas bochechas ficam mais lindas quando bochechas significam bundas. Não entendo, quando tomo coca-cola sinto vontade de dar uma banda; quando tomo todas, a banda já aconteceu. Eles viviam naquela época em que a palavra caralho só tinha dois sentidos: pra cima e pra baixo. Hoje em dia, o caralho não tem mais sentido; caralho desorientado. É um saco, dou a banda da manhã naquela loja de conveniência e o general tá com os dois filhos. Sabe aqueles dois? A loirinha gostosa daqui a dois anos e o filho dele, o Seu Malinha. Choveu, molhou e não gozou – gozar é pros fracos. A dona bocetinha magra transava com guardadores de carros naqueles dias que eu tomava valium. Não sei, sabe? Os caras fecham as lojas de bairro, mas o bairro tá sempre aberto. A sacana que vende fluoxetina é uma sacana. Ela vende por um preço baixo, mas a gente tem que aturar o bafo quente dela. Sabe o bafo dela? Me fode, mas não me beija. Se me beija, me fodeu e tamos certos. Atrás de mim, não, meu bem. Diga meu bem, meu bem. Me vende uma pedra de fumo paraguaio. Ele dava play nas máquinas de pinbal da loja do Seu Otário. Mas agora não dá mais pra rolar os play, seu boy. Não sei se a gente foi pro mato, e se eu tinha comprado duas garrafas de vinho, três caixas de bolas, mas eu sei muito bem o que eu não sei. Tá achando que é festa? Com dois cús se faz uma casa. Dois pintos e uma montanha venderam milhões. Como ainda pão de manhã, já que você tá lavando a louça de dois dias atrás. A gente dá um jeito. Se ela pulou da janela.... deixa ela. Dona Tia Velha dá um tempo, quem é teu alfaiate? Meu gato mija na cama, mas não na minha. A gangue das piranhas sempre vende aquelas merdas que faz a galera ficar constipada. Não estou mais fazendo academia, mas vomitei na perna do Otário, melhor, Senhor Otário, como ele gosta de ser chamado. Estou te penetrando com jontex, não se preocupe. Se tem festa na madruga eu tento não descer, o meu pau, que nunca fica descido. Não sei, já disse. A gordinha ficava puta quando eu comia todas, mesmo ela comendo todos e todas e mais um pouco. A vida é louca. Aqui no prédio tem mais lesmas e centopeias que na parte alta da cidade. Oi tio de cabelo branco, como você está? Surf não é mais o esporte da moda, e faz uns trinta anos que digo isso.

   

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Tava eu e o priminho. A gente foi se picar e ele disse: dá nada primo. Eu disse: quero sair correndo. Ele: curte aí cara. Daí eu e o primo a gente foi ver o outro primo. A gente tomou tipo dez garrafas de alvejante com coca cola. É, goza-cola, na época que ainda nem era fode a cola. Mas a gente tomou.... o que mesmo? E antes o primo disse, tipo semana passada: “cara, a Maria Andrea é mais gostosa pra mim quando você olha ela”. Mas fica assim, foi lance de primos. Daí a gente foi pro centro, o outro primo trabalhava no armarinho dos Soares, sabe, o dono atual era o Mário. Que Mário? Ele mais que sabe faz tempo. Daí o primo tava vendendo aviamentos e o caralho e mais um pouco, e a gente só na dele. Ele era um gênio da aeronáutica, o primo, mas não sabia contar até doze. E o primo vendia e vendia e a gente curtia e curtia. Dai o primo diz: “dá um tempo na curtição, o seu Mário tá meio puto já que os quadrados da medusa são cabelos no meu saco daqui uns vinte anos”. Mas a gente se curtia, só que ele era primo, não era mano e nem mais. Daí a gente deu umas voltas naquelas praças que dá pra mijar de pé sem que a polícia faça com que a gente mije sentado ou deitado. Aquela praça que a Dona Naftalina comprou e disse pros primos-manos: “aqui quem manda é a puta de jesus”. E meu deus dos céus, o que a agente faz? Daí, nem mais lembro já que a gente foi jantar com a Marinalva a dona da loja que vendia biscoito doce; é, aquela loja atrás do escritório dos Soares que nem eram parentes do Mário. Que Soares? A gente nem mais quer saber. Quando o barato vira uma gosma nos pelos do Velho Negão, bem, a coisa mudou de figura. Mas o que importa é subir é a ladeira toda, mas sem aquelas bikes do inferno. Até que um dia o lance acabou já que as coxas dela são mais que duráveis.

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Com quanto cornos se faz uma canoa? Hambúrguer barato é caro nas segundas. Ceva quente em qualquer lugar. Bocetinha queimada na areia. Eu fumo quando eu quiser, no lugar que eu quiser. Nos últimos tempos tenho fumado nas verrugas ao lado do teu cú. Deus do céu, minha deusa. E ela ainda canta aquela música que nem mais é cantada. Toda a noite eu pego carro e vou até a fronteira. Daí entro na casa dela em São Francisco do Caralho e como um banquete divino. Ela continua confiando em mim. Eu sou esperto, não confio em mim de jeito nenhum. Não entendo, elas gostam do que eu não gosto, mas gostam de mim. Eu nunca gostei delas nem de mim, então tô em outras. Eu estou no lugar que devo estar, ao lado das hemorroidas de qualquer um. Assassinei uns líquidos que saem daqueles bisnagas de goza-cola. Gozei e não gostei. É caro gostar daquilo que elas gostam. Diferente seria se eu fosse uma lésbica, e se eu fosse me comia bem feliz. Ela abriu as pernas, eu passei por baixo. Putinha, entra no carro, mas não seja doce demais. Namoradinha que não beija é minha namoradinha no início do mês. Meteu no lugar que não era para meter. Geladeira, paralelepípedo, te amo, e não mais. Dona Coisa eu te respeito, mas não use tanta naftalina entre as pernas. Eu não sou um punk sujo. A gente ainda come frango dizendo que brócolis é coisa de gente feliz. O tio prepara o cachorro quente na esquina. Não dei o cú na viela já que a viela é a rua em que o Papa passa quando tá por aqui. Sim, ou não, ou talvez: escolha! A feira orgânica tá sendo montada e a cadela da Marta foi montaria de todos. Dei uma volta e não voltei. Me diz uma coisa; deixa assim. 

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Casa cheia de ratos com barras de chocolate entre os pelos. Duas ruas, uma atrás da outra. Se ela quebra as pedrinhas dá vontade de vomitar aquelas merdas tipo cabecinhas cabeçadas. 120 por hora a toda hora e nem dormi. A Dona Coisa se foi, mas era o Mário que tinha razão. José tá mijando na frente da praça. Pior foi quando o Marco cuspiu no nosso prato e a gente teve ainda que pagar uns dez cada. Era tanta loucura que só podia ser realidade, e sempre penso nisso quando esqueço disso. Desatei o nó, fiquei meio assim com a série de TV, na real, queria cair fora. Trinta anos depois tudo de novo. A gente nem sabia que ontem era um dia. Amanhã não me ligue, não estou. A galera comprou aqueles alfinetes, daí a gente foi preso por magia negra. Luizão deu uma de mamão. Morreu ao pular da janela, mas só pra dizer: “pessoas, eu fiz isso pra fazer o que mais gosto, morrer”. Acordar quando se está acordado dói a juntas entre os ossos dos dedos. Daí, daí, daí a Daniela disse que a Ridícula tava saindo com Mário. Meio copo disso, meio daquilo, mais aquilo, daí a gente compra uma casa num bairro classe média baixa. Não quero mais saber daquela noite que nunca acaba, e eu não quero acabar. Ela se acabou comigo. Tinha tanta dor de cabeça que morfina dava dor de cabeça. Cabeças de alfinete, me rebite. Santinha vem aqui! Dona Coisa, já que nem era, mas fique sabendo, desenrolou. A gente fica velho quando a gente fica velho. Eu queria menos. Não sei o que coloco por cima. Cabeça mais uma marmelada dá uma cabeçada. Cabeção nem tomava já que era como nós antes do verão começar. Ela tava suando tipo aqueles baratos meio caros de 15h de terça feira de qualquer mês. Comprei uma bicicleta. Já que está aqui me dê duas pegadas. Me pega; te amo, por isso. O nome dela era aquele nome que nem mais fabricam. Buraquinhos não nasceram na mesma época dos dedinhos. Se você quer comer isso por favor lave as frases. Os dedos estavam sendo queimados nos cascos daquelas éguas chamadas de “qualquer coisa rola”. Afinou-me. Duas abelhinhas entraram no vaso e cuzinhos docinhos disseram: quero mais. Sim, eu aceito quando ela quer me comprar batatinhas com aquele lance gosmento em cima, mesmo que comida seja muito século passado. Queima, queima, queima, e lava as flanelas. Pode me dar isso e dar outra volta tipo megafone de terça-feira. Com quantas bucetinhas se faz uma canoa? A gordinha tava na parte de dentro daquele hemisfério. Daí aquele tio, o Opala Tunado, disse que as chevetteiras voltaram. Morceguinho de segunda feira, dane-me. Garotos fazem o que nunca souberam e nem vai mais rolar. É meio dia, cozinha uma meia. Meteu as mãos por dentro e descobriu que treze anos era uma boa idade pra se errar. E me erra! Comprou todas as terças e foi demais. É ele sempre faz isso. Daí era cedo para se chegar tarde. Sim, ela era demais. Me dá menos. Me liga tipo call center depois da meia noite quando eles nem acordaram. Café de madrugada de call center. Me passa a dose de natal, quero vomitar no quarto ao lado. Ao lado, sabe? Tipo naquele lugar que dói para a dona Ridícula. Mastodonte tomou aqueles lances laranjas que o Mário receitou. Tomou e daí dormiu. No outro dia, foi dar “oi” pro senhor Bidê, mas mijou de ponta cabeça. Seis horas mais tarde queria ser um peixe boi. Se eu quebro as regras... é, o jogo acabou sem um 21. A dancinha dela era legal. Namorei a Marta por um mês. No outro mês a gente sacou que ela tava grávida. Daí eu convidei as Três Putinhas pra ficarem aqui em casa. Disse: Putinhas, de aluguel, pode ser duas cervejas de cada por manhã. Daí elas vieram morar aqui. Acabou o lance quando as cevas viraram vinho de macumba. Ele era meu amigo, só que daí entrou naquelas de ser minha amiga. Sim, ela veio, amei, mas pedi pra cair fora, tipo: no meu edredom só a Marta vomita. Vamos dar aquela banda junto do rio. Vem cá, você me deve. E a pequeninha me pergunta: “vai fazer nos olhos de novo?”. Eu digo pra ela: o Mário vende ossos pelo mesmo preço daquelas escadas da marca “nem me vem com essa”.  Vovó fez muitos docinhos pra festa. Bidês de cores claras ou gravatas de fimoses? Não vejo mais nada daqui, tá tudo mais que duplicado; tipo, dobra a dose, seu Mario. Que Mário? O dono da lojinha. Nem mais queria, só que na real se fez que não queria, e por isso, mais que quero.

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Furei os olhos e ela mijou atrás da árvore. Ela, lembra dela? Aquela mina tipo coisinha dura, chata, sanguinária. Sim, ela, a que metia o Pablo por trás toda noite; a que lavava os coelhos e depois comia batatinhas chinesas. Amarele-se junto ao cara que come sempre um prato a mais daquilo que deveria ser caminhado. Lendo a obra completa de Mário, o senhor Soares, descobri a real motivação dos furúnculos nas bochechas dela.  Sempre a Aninha vem aqui e a gente começa a abrir as portas. As cevas quentes foram feitas para serem amaldiçoadas. Malditas cevas de Cristo do Inferno. Barrinhos? Era sobre isso que gente tava falando ontem?  A cidade está muito cidade tanto que os caras que moram nela estão cada vez mais caras. Os carros aqui da frente estão com aquelas varizes que eu como sem pagar. Me dói a maionese. E daí tava todo mundo dançando, e veio o Barrinha de Chocolate e deu aquela dor na alma de todo mundo. Tipo vinte anos depois o que tinha rolado tá escrito no jornal que a gente nem lê e que se foda. As cachaças fugiram das ressacas, e as calçadas doem o cú. Não rola mais jantares de fim de ano, tipo aqueles que a gente nunca foi. Me paga uma daquelas, mete pra dentro e depois, fica para depois. Eu te amo sempre, desde que seja nunca. Eu te liguei só que é melhor fingir que os teus lábios nunca foram corrompidos, Daí o padre pode dizer na missa: feliz que sejam todos os anos que foram gastos.... e blá, blá, blá. As ferramentas da cozinha sempre ajudam já que nove horas foi ano passado. Se ainda dói, entregue e venha, e se foi tipo “nem sei já que não”, bem, é aquela mania de “a gente tem sempre assim”. Os discos mais audíveis estavam na casa do Getúlio. Vem aqui e depois pega o lance e sai correndo e me trás uma equipe de alvéolos. Pau no cú daquele que finge que ouve. Tá me traindo com a manada de três horas e meia a menos? Sempre usei tuas cuecas mesmo que as nossas bolas joguem ping pong em clubes diferentes. As escolas tavam fechando a contabilidade e daí rolou aquele orgasmo no rio com chuvas de gorgonzola. Tava numas de cuspir na Dona Rídicula, e ela dizendo: a vida pode ser assim, e mesmo assim, eu sou.... Se o banheiro tá vazio, se ninguém peidou ali antes, a gente pode até pegar as camisetas e lamber elas. O removedor de tinta é aquele lance que a gente ama mais que a própria mãe, do Mário. Que Mário? O dono do armarinho dos Soares; Mario Soares.

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A gente sabia tanto que chegou um momento que saber virou coisa de padreco no fim de ano. Eu ria no meio da rua, e as pessoas diziam: nunca vi um riso tão roxo quanto o desse cara. Daí a gente sempre tava naquelas; sabe aquelas coisas que só a Marta sabe fazer? Eu prefiro ficar sem, mas quando estou com, daí não tem mais o que falar. A toalha que limpou os cogumelos dos ouvidos dela tá guardada na casa ao lado. Me passa dez aí! A voz dela é tão chata que quando ela começa a falar os assoalhos ficam com aquelas manchas que nunca saem. Vi aquela foto num rótulo de lata de pomarola, daí fiquei com medo e corri. Era tão chata que até os herpes das unhas dos pés bocejavam quando ela falava. Me dê quatro horas tipo depois das cinco da tarde. Sabia que dá pra construir uma cidade de lego com a quantidade de café que você toma nas segundas? O almoço chegou, e daí todo mundo ficou tipo indo no banheiro e ninguém mais saia. Anos depois me disseram que tinha ratos no no lugar que a galera fuma, e eles, os ratinhos, faziam shows tipo cabaret anos 50. E quem quer perder o show? Só não deixa a Andrea entrar. Quando a gente fica mais velho a gente sua mesmo se tá no posto de gasolina. Ainda quero conhecer o Senegal. Eu não lhe dei a permissão, e me dá a real: o que você tá fazendo ainda aqui? Era tão viciado em relaxante muscular que nem ataque cardíaco o impedia de correr duas horas todo dia. Eu não era naquela época, e nem ainda sou; mas meu nome tá no crachá. Ele de vermelho e ela de branco, nosso casalzinho praiano de lagoa colérica.   

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Me mete um transe, daí já são dois. Ela ia e cumpria os momentos, em menos seis dava aquela conta maionese sem bem, eu meu, bem. Mas pode tanto me queria, mas pode me dar baratinhas. Segue a questão. Nunca poder demais e demais que nem vai, mas você vem, e meu bem, é. Dá-lhe porque, meter-la e a fé de poucos sempre nariz e suja e limpa e a dona Maria comprou o fogão mesmo que a sal estive em pratos e nada que estava quando pode ser talvez.  Sim, e não, e buffets sem placas com aquelas coisinhas prateadas que a gente chamava de amor. Sim, e o mais importante sempre foi o senhor Talvez. Ele caminhava na banda comia aquelas maniqueístas e depois subia o morro mesmo que querer mais fosse algo de semana que sábado nunca quis. Meritocraticamente, belzebus do nem sei. Meu paralítico. Meu esperma ainda ovário. Vamos ser, e te compro um almoço no mac donalds. Mas se eu quero ela também e mesmo assim rodinhas de trigo e eles uau, uau. Meu amor. Meu bem. Gatinha do feno. Pedrinha no sapato de todos. Andrea, rainha jugular, anfíbia oração, quando o time de futebol dele ganha, ele brocha. E ele, é sempre papai noel, panetone, fim de rabos, batatinhas douradas no sol de ninguém. Boqueteamente, dona tauromaquia. Sal com fé e nem depois com pode ser, me isso, me tipo assim; oh meus deuses e saias e vai correndo na esquina. O Mario tá com a Andreia e isso não é bom para todo mundo. Paralelepípedo. Parapeito. Bolachas. Palfium e aldool. Se o som tá rolando na esquina deve ter sido o isso que nem quis a banda na praça. Os caras do rock gostam quando as mãos entram nos cotovelos. E aquela bundinha de cú duro e magro não é do irmão da Neusa; mas ela tá sempre dando uma banda com os pode ser de sempre. Meu cú é a magreza do oceano em teus olhos. Não sei porque Maria quer fazer poesia mesmo que pauzinhos de verbos tenham aquelas duas gravides. Me vem, quando eles se tiveram, e mantenha dois depois e me faça alcachofra no seus meios, metade de peito de quem chupa, mas não é; e chuparam toda noite passada e ninguém quis, mas todo mundo num pau duro e bocetinha nunca mais e paro aqui depois me dá um rabo e o galo que se queria e jesus, deus, maria e adeus.    

Odeio elas todas, essas panturrilhas

Ah tah, saquinho de maionese sem etecetera de novo? Sai fora. Não queria nem mais tomatear naquelas azedisses 15horas. E você ainda quer, ainda pede. Não tô nem mais nem menos nem os dois jezusses gêmeos de sola de sapato que se vão. E todo, todos, digo nem mais nem menos, sim digo: me compra um mais ou menos. De repente, sapo toalhinha, unha de dente, tatuagens naquela, naquele... no nariz da dona Andrea já que ela tá alugando o ap,
sabe aquele ap tipo:  meu deus do céus! Sim, lá mesmo. Aqui mesmo. Nada, mesmo, e eu não te amo mais. Chazinho dentro das fimoses púrpuras. Lembra? Sim elas, sacos delas. Lembra? Minha porra sempre foi maior que a tua. E isso era acho que não quando rola e talvez se sim pode ser. Tão assim, assim? Não venha, não venha, placas de cor quase lá que nem mais cola e rola. Ah sim, da cor, vomitei uma cor ontem. Cor é um saco. Odeio cores, como odeio, odeio, como, como, mas sou vegetariano tipo aqueles, aquelas, sabe, luzinhas meio pálidas de pentelho sem tomada. Sim, eu sabia, e nem quero mais, não sei, já que os quando estão muito tipo o tio que vende paçoca na Mário Severo. Que Mário? Mário Severo. Um cara muito Mário. Mala nos boquetes ela tá pela banda, mas e eu puta que pario. Nem é nem vai nem, nem, vai, te dá uma banda e depois conta aquela história que a gente deixa assim. Não tô nelas, nessas de alongar. Vai pro borracha que te queria porque ela ainda morava na casa da Andrea, que a gente chamava de fimose sem panturrilha e ela levava a gente para dar uma banda. Vai dar uma banda. E mais, se a bunda é tua, pai nossos que estão nos céus de meu deus, que lady gaga deliciosa você está sendo minha Andrea paraguaia de canção holandesa, daqueles holandeses que tão sempre na Bahia.   E boqueticamente falando, ela não engole, é uma vegana no inferno. Puta que pariu demais esse tempo todo que a gente nem atrás daquela esquina estava. Mas se para com isso tá meio que nada meu bem, tah, ok. Depois, depois, depois. Não entendo porque você quis montar aquela loja, e depois quando não deu certo, quis... isso, você quis e quis e casca de laranja dentro de guarda-chuva, prato meia noite, é deve ser. Mas você sempre tão toalhinha, e aquelas coisinhas saiam do teu cílio esquerdo e ninguém mais entendia; mate a frase longa demais. Você está sempre mar aberto com rede de sacos e bolachas, aliás, gatos torneirinha, e tudo mais. Te amo, dois pontos, terça feira; que horas são? Sim, aqui quem fala é a dona panturrilha.
Baguete te asco como que são

Manufiose. Acordei. Baratos e é isso. Vamos ainda cinzeiro e supremacia racial; é isso mesmo. Mantive com ela todo aquele tipo de assim mesmo que vagina sejam aquelas coisas que nós... bem, abriu o verão. Isso que importa. Matava e consegue já que o Daniel nunca Lucas; como eu dizia: eles pedrinhas e cú sempre foi; é, exatamente, caveiras com legumes. Perdi o pode ser. Ela sempre estava antes da 15horas daquela noite longa que acabou com aqueles nós; sabe aqueles nós? Sim, nós sempre, e eles, bem nunca. E daí ela tava dormindo entre os vãos daqueles dedinho e todo mundo começou a terminar, e no fim, a noite de terça tava muito noite de ontem, e ontem não tem mais, porra, sempre. Por isso, portanto, e daí, a gente sempre tá muito tentando. Eles quando inventaram aquela rua tavam pensando que seria tudo tipo: oi, tudo bem. Só que meu bem, só te digo isso: isso. E assim, podemos entrar naquele pôr-do-sol que dói nos ossos. Menos que dois três é igual quando a gente ainda ouvia e o coração tava batendo, mas não tava tão batendo assim, mas estava assim, e, isso entretanto, menos o porém. Mertiolate de alfinete empinado. Eles não se amam da mesma forma que a gente ontem nem cumprimentou o pobre do Mário. E eles não queriam mais, nem papel filme, cervejeiro de merda, mas não gosto e nem isso mesmo. Entra aí. Vem meu deus de mais. Braguilha aberta; e quando queijo, estamos dentro do herbívoro, e ele não morreu. Comprou o disco e começou a contar aquela história que todo mundo conhecia e daí todo mundo voltou para dentro; é tava quente. Mas nem lembro. Qual é o seu nome? Comi tua ela semana passada e nem sei. Mas passas com hemorroidas fundas nem doem como na época que nem existiam os buraquinhos da Marta. 

Outra

E mesmo que amanhã seja quarta e daí hoje não.... bem, maças estavam com sapos e mesmo antes que colírios. Em um mesmo quarto, entre aquelas coisinhas de tom sei lá, mesmo que estiveram, não deu e mais que rolou. Meu grande ócio, minha grande libido, nossa grande ancestral das rodilhas com maionese. É nosso desejo contra aquelas maniqueístas flatulências e de repente tudo foi. Mas espera aí; quermesse cultos tecido de farpa doce, e metemos, de repente, crescido alho, caramelo, jogar queimada, um, que era dois e sempre foi três. Não te digo mais uma fazia. Nem posso, marquei na jogada, bolas de alfinetes masculinizadas em si. Baratamente por aí vai. Maria Janete quebrada na morenisse aguda de pós-balada na cara. Pega mais um, mete nas linhas seu Mário Seixas. É que pode ser, e nunca deixou claramente, e as alfafas se lançaram no que queima as marcas de velhice. Meu receptáculo desses incrementos e debilidade. Eles nunca, e nós, os três compartilhamos. Seja mais, e se sim, ainda entre nove horas, foi-se e sempre é, serão, e queria. Me dá na foice o que batatas. Pega arremessos de farda cor de seita. Já que tudo isso era, é, mas nem florestas queimadas. Devia tanto que nem veio. As carnes e os “que horas são”. As possíveis meio que nada com quebradas negras e rato de praça. Era Santa a Maria. Era desodorantes. Era, era, era... já que índios, caixas d aqua e quarta feira acordei ontem cheio daquelas melecas dores de juntas e cabeças coladas.


OUTRA

Bafos de garrafas nesses picos de lua almiscarados. Se é que nem surdina me tem e sabe que foram. Magros, muito magros, e pontas de dedos, sim elas, subiam. Mesmo assim, nem que nada restos e fincas e aquelas coisinhas que você nunca fazia, mas eu adorei ter-te minha e o teu aquilo preto cheio de baratas. Sim, sapos, e mais sapos, e conta corrente compartilhada no banheiro da praça. E os teus sempre e odiosos “crianças não podem entrar”, sim, eles eu amava. Me teve em toalhas de papel sólidos demais, mesmo quando nem muito, mais menos e.... sabe? Podiam ter construído todos os arames em peitos borboletas, mas ouve-se em algum lugar, a grande expressão: pode ser. Manteve-se muito penas, tanto que os “achos”, são cada vez menos difíceis de serem achados. Por isso, manteigas sem calabouços estão sempre a esmo por cada coisinha que estamos achando nesses concluídos, melhor, caminhos concluídos. Barra-me eternamente, por favor, nos encontros tipo sapiência é coisa de banana corroída. E quando ela banaliza cada tipo de letreiro, isso se deve as terças de tarde 15horas, e continuava na quarta, mas nunca rolava nos sábados. Ela permanecia não muito alfafa desde que coisinhas reuniam os de sempre. Meu bem, isso sempre esteve claro, meu bem, sempre esteve, meu bem... e nós podemos mais que quintas ou aquela lama em sapatos que fogem. Agora mesmo estamos ontem; agora mesmo, joguinhos de incontroláveis, agora mesmo, entre os tetos do facinho demais. Tô facinhos demais. Eles querem facinhos de mais, tanto quanto as lentes das tatuagens que entram nos alvéolos do dia de depois de deixa  assim. Me tenha e comemore todas as terças. Eu tô numas de agosto inteiro. As palmas sempre batem até o fundo das janelas marmoaradas. E se o coração apressado se dá? Porra na boca que gela escafandros, mas uma hora me pega na esquina e leva ele pro rio e lagartos. Nessa cidade a gente fazia alcachofras e era bem legal essas comidas meio holofotes. Bom tempo, choveu; é que eu tava no calçadão do centro, nove horas, de terça de algum mês, e você cagou eucaliptos pensando que nem era aquela quarta feira e.... depois, mas antes e nunca e no meio da periferia. Elas respondem abutres, que na verdade são cílios, e me toca e dá uma de besta sem estrada, tô olhando o relógio. Me dá.... náuseas aquecidas de alvéolos. A praia tá quente mas nem chegamos. Podia, mas nem caí estereofonicamente. Me batata-me. Acho calha te. Almofada-se. Tecladia-me. Respostas estão correndo nos pastos. Sapinhos ainda querem. Nós dois somos a cavalaria. Porque me pararam a meia noite, terça feira, 15horas, se não tinha mais sete gramas e da mesma forma nos amamos e muito, nunca. Me pede. Eu pensamento em lugar nenhum, tipo verso de kama sutra e ingleses demais junto ao semáforo.

OUTRA

Sim, eu concordo e sempre concordei e não vou deixar de ouvir rock em formato de caca de nariz; sim, eu concordo: couve flor aquecida em pernas de laminas de faca sempre são as mais saborosas, mesmo eu tendo hérnias nos foguetes. E aquelas bolas de bilhar em quartos de pensãozinha de moça tipo ACM ainda rola; bem, isso fica para os que ficam. Eu nunca quis penalizar pentelhos encravados na segunda feira de noite quando o Mário Soares pegou aquela treta e ficou batendo papo na esquina, mesmo que não chovesse; na real, era horrível. Só que ainda bate, bate e forte um coração cheio de alcaguetas, que é aquela palavra que os jornais insistam que ainda exista. Dois carros passam aqui na frente, mas nem são dois, são.... não há ponto de vista que faça com que eles, esse sucos pomarola, parem de escorrer os óculos moda anos sessenta, que voltarão algum dia de nem mais sei quando. É, sou europeu demais, em minhas... melhor, entre meus dedos, mas isso não significa que a cartolinha daquela loja que vende barato seja tão importante quanto bater a cabeça; só que o mundo extinguiu as cabeças. Tava caminhando entre nada e aquela criança linda apareceu e vovó tava olhando aquelas folhas de amianto crescerem e nós dois nem devíamos ser nós. Eles me importam. Me importo com eles. Mesmo que sejam algodão duro e seco de lavagens na boca de vacas que nem mais querem comer; é comida virou demode, mas ser comido é mais quente que batas fritas. Esvazia-se a semente que estava cheia de corações. Mentes super fluidas, cacos de vidro querendo ser mais; um tímpano. Ali sempre estão os teus possíveis, nem que se.... fosse, me dão, mas nunca disse, quero por aí. Histórias parecem escadas, livros, motor de carrinho de brinquedo, aquelas coisas que esqueci.... Sim, sim, sim, nós nunca podemos, mas sempre, sempre, sempre eles algumas vezes queriam mais. Amiante-se, globalize tua sola de sapato, compre dois ou menos e seja isso; vamos, já que somos. E smothies de vitrolas duram mais nessa coisa oca que você nem mais quer. Poderiam. E é realmente secante essas ondas de parágrafos. Nunca matei aqueles gatos, já que sou fenergan com sorrisos. Entre unhas, entre aqueles galinhos que nascem e depois entram na onda; entre isso tudo, está você, que é sempre meu convidado. Só que meu bem: depois das três horas da manhã a gente não compra nem paralelepípedo. E se gritinhos deixam as terças é que isso é o que nunca mais e sempre está rolando. Fenda-se, cerveja-se, musique-se, mas longe, lá na praia de Ipanema, e nem era praia, mas todos mundo saiu dali com os sacos cheios de rua Paraguaçu, mesmo que estivéssemos com o Bartolomeu da vila.   A compostura está dando voltas no gramado. Nem comprei soda, tava muito doce. E se supermercados ainda falam; eu falo mais: amém. E para ficar mais que claro: isso entre tuas pernas dá uma correia longa demais no trânsito das doninhas.

Parte: ISSO ACONTECEU ANTES DE MIM TODAS

Eu me matei ela. E isso foi bom para todo, ou todas. Tipo praia no paraíso, com dez sapos em cada mão, e mesmo assim, foi bom pra todo mundo. Só que na manhã passada ninguém ligou, mesmo que metade do mundo tivesse plugado naquelas genitálias de seda. Você ainda vai ouvir quando estiver no décimo andar de qualquer prédio em nenhuma noite; você vai ouvir: me esqueci. Sempre muito a gente sabia, a gente sabia demais, e sempre rolava aqueles húmus, e coisinhas verdes, tipo musgo e sempre era muito do tipo: estava rolando, mas me prepara um chocalho. É, você sabe e muito bem, eu sabia e muito bem, e todos black sabats sabiam bem também; e isso nem importava, já que depois de quando eles alface, bem, foi bom para mim. E se eu me prolongo, se eu continuo, se eu estou muito estado, se nós, bem, somos, e se eram, é que isso se deve ao cu que compomos juntos. E eles podem compor aquelas telas de aminoácidos, sem problemas, na real a gente fica naquelas de: ai, adoro. Mesmo que a gente, muita gente na praça depois da meia noite. Sim, nós dois sempre fomos essas línguas.... aquelas bocas que falam. Mas isso é irrelevante, já que dói o cu no ônibus. Imagina ontem, dona meia noite. Aeroporto das putas que comem sardinha e, depois, meio dia me deixa meio tipo corredor de erva cheias de micro poros. É que eu ainda não posso; melhor, eu ainda tô muito percepção, com aqueles lances hemorroidas e depois aparece o cara das estantes e... mas, micro poros tava rolando; e não é não. E claro, se você me quer por três horas vai ter que parar com esses baratos de duas mãos apertadas e calcinhas cor de rosa com os dentes cheio de coisinhas que só fio dental compreende, mas que não importa.  Gengive-as por mais meia hora e você sempre, desde sempre, desde aquele sábado que foi amanhã, sempre tava lá por dentro. Ah, como eu estava por fora e por dentro e por fora e por aí e desapareci e voltei e mijei nas calças, mesmo estando com aqueles chinelos entre os bagos que você insistia para que todos usassem.  E é isso, posso parar por aqui já que nós paramos.... ontem de noite naquela esquina quando os ratos pediam microfones, a gente só tinha aquele lance de sola de sapato; sabe, aquele lance? Que a gente sempre usa quando tá com dores nos poros e daí a gente usa gasolina para arar toda essa lama de argamassa. Eu já te disse: te amo; amo como você paredes de argamassa corrida, que escorrem de ouvidos. E como, eu como, cebolas em conserva já que sou um bom moço. E você é uma boa, tipo nuvem no escuro, tipo macacos com gorgonzolas nas coxas. Mas por que não entre dois acordes? Aqueles tempos malucos que o Márcio dizia estar convertendo em para raios, sem mortadelas. Ele, a Marcia, ela era boa em enrabar quem ela queria, qualquer um que ouvisse todo aquele papo sobre estrelas e duas janelas estão abertas agora na frente do meu quarto aqui na fronteira de sorvete com coca cola. A Marcia, né, ela ficou tanto tempo na casa do Zé que o Zé passou a gostar de cantar moscas; daí a gente tava na sala estudando matemática. Sabe aqueles tatames azedos que nem entendiam o dialeto dos merdas dos sábados? Odeio esses sábados, ainda mais quando eles aparecem na segunda. Dói as entranhas, as que antes rimavam com bunda, e vísceras calejam porque um sábado é grande demais para caber numa cafeteira. 

Parte outra

A gente só se fode quando está, quando se está fodido. Ninguém vai te ouvir querem te foder. Mas as maravilhas da vida; bem é só alegria. O nenê quer danda. Se paro por aqui, nem fui. Ainda não entendo já que continuo. Se a tudo fica jet ski estamos por aqui. Dai o som robótico estava nos robotizando demais. Era bom, foi, deve ser, e não sabemos: ela quer mais? aonde, quando, como e já que? Não me sinto tão inoportuno quanto me sentia quando ainda sentia. Não vai ser, foi e já era. O nome dela era oque? Deusinha do cu de verdes faces? O caralho aqui do lado é meio dourado. Os campos correram e ninguém foi atrás. Não posso mais e nem mais quero mas posso mais e quero; o que voce quer? Ainda nem foi? Se pararam por aqui foi a cachorrada, culpa ela, deixa em paz as lentes daqueles olhos que nunca vao ser seus. Peca, pega, foi, fez e daí, quanto tempo até nem irem eles jamais. Esquentou o clima da festa ela não tinha nome, elas só queriam, e nada queriam, e tanto assim que já foi.... meu bem? Fica aqui nem vai. Fica aqui faz. Faz meu bem, faz aquilo, jamais. E nem grita, sim grita, e nem grita sim, salivas e um pouco mais, tudo isso que voce sempre, e nunca mais, sim voce fez. Nunca, mas nunca, mas nunca.... mas vem aqui amanha é terça e a noite o dia a quinta tudo isso é nosso para sempre. Esse mundo é teu para sempre. Para sempre, tudo isso, o mundo e tudo mais, sempre, para sempre.... sempre. Tchau. Me compra uma gaze para eu fazer um compressa no teu olho. Doeu? Só foi um beijo. Quer mais? amanha não é depois, é agora; a goza!!!




Parte 1 quando não era quente

Aquela mina tá muito terça de noite, tipo aquelas terças de semanas passadas. Peguei três barbas com ela, mas ela me disse que samba na geladeira pode ser e não foi. Eles seguiram na avenida quando as bicicletas não quiseram. Pode ser, mas não ontem. Existe alguma forma simples de não querer tomar aquela agua limpa demais que o pôr do sol nem quis? A gente ainda amava ela, mesmo que a gente fosse eles, mas dois eus por vez e nenhum outro mais. Melhor eu não ter convidado, e nem fui convidado, o casamento tava muito cedo de manhã e a sogra sempre faz aquele barulho quando pensa que tá quente; mas tá muito sem temperatura hoje. Se você dobra a temperatura mesmo no calor o quente não congela mais do que deveria. Só você sabe sobre o que eu estou falando, já que a gente compartilha os mesmos dentes. Liquidificadores demais, riscos na lataria demais, dedos demais, tudo isso dentro daquele gato mexicano, que nunca foi pro Texas mas sempre quis. Eu não te quero daqui a pouco, espere o prato esvaziar e me ligue, mesmo que eu não esteja. Eu nunca estou demais nesses últimos dias. Você não ligou pra ele, ele tá triste e o Japão continua no mesmo lugar e os dentes não rangem como deveriam, mesmo que não seja muito prudente, nem muito educado. Se eu abri a porta é porque estou no meio da rua a pé esperando aquela bicicleta que vende bíblias em formato de pdf. É, o problema é seu, você que não escovou os dentes, mesmo que terça feira seja ainda muito tarde. E eu também gosto de praticar, cada vez que bocejo emagrece os pelos do meu nariz que parou de cuspir já que não tenho mais tanto tempo assim; é terça feira eu disse e tá muito tipo areia em caixa de gato, se é que eu sempre existi. E não prefiro, veja bem, nunca preferi você depois daquela sala cheia de gente, com dois armários na parte de trás e ele bêbado na parte da frente do carro. Não tenho mais tantas 15horas. Talvez eu venha a ter mais. Mas nem sei se devo. Acho que eu tô semáforo demais, tô calafrio demais, tô cera e ouvido escorrendo demais, tô azeite de oliva com acidez mínima, e, mesmo assim, ela me pede para que eu use aquela blusa com aquela cor que nem sei. É que ela é tão nova que na época que nasceu não existia mais anus. Eu sou mais anos de praia, na minha época anus vinha de brinde naqueles saquinhos de avestruz. Pode parar, ainda mais se você nem começou; eu não terminei o ano passado mesmo que já tenha passado uma vida toda e todo mundo tá no meio da tarde no velório da minha tia, que não é a dona Amélia. Aquela mina que eu conheci depois daquela festa interminável em que três horas viraram copo dagua.... não, nao foi no after. Isso tá tão ótimo que nem me dera. Esforçar-se nas terças tipo 15h deveria ser algo tão perigoso quanto parapeitos na espuma daquela praia. Eu não fui ainda, por isso estou parado, mas voltando, porque eu realmente não quero me esquecer de lembrar que ontem ainda será tipo geladeiras ancestrais e furos de parafusos grelhados naquela chapa de ferro que você tanto gosta. Eu poderia ir, mas eu não queria ainda. Não me contaram que eu nem fui e nem quis. Eu parei de fumar, as terças as 15horas de qualquer dia ou noite. Cavalos pastam e não posso parar; não posso, mas nem quero, e você nunca soube bem disso tudo. Você permite que eu entre naqueles quadrados azuis que você nem estava desenhando, mas que a gente sempre entende muito bem? Apesar desses descolorantes de cabelo de amor que você diz que ainda tem por mim, nunca esteve aqui ontem algo tão pode ser como estava. 

Parte aquelas que doi a língua

Me sinto tão só que nem eu estou presente. Odeio quando chove depois de comer ovos fritos. Não suporto aquela mulher, sabe? O sol sempre tem uma cor diferente quando eu o olho. Dói minhas costas depois que vocês espirram. Corri uma maratona naquela noite em que estava dormindo. Vocês ouviram? Me parece que são três horas da tarde. Deixe-me passar, ontem era domingo. Quando eu espirro me dá vontade de sair correndo, mas nunca dá certo, são muitos espirros, tipo, para se estar junto do lago. A água morre quando eu bebo ela? Tadinha, seria melhor que a água fosse uma raposa. Melhor pra gente. Nunca ria nas terças as cinco da tarde e depois nem venha dizer que eu avisei, mas você estava mais do que certa. Naquela época que os punks existiam, tinha dois blueseiros naquele bar, ao lado de não sei o que, mas, na real, não me lembro dos punks e nem quero. Hoje, depois de dez anos, blues passou a não fazer sentido, e aqueles dois blueseiros pareciam policiais bebendo vinho quando deve ser bebido. Você ainda não me ouviu e eu não sei quem é você; queria que você não me conhecesse da mesma forma que eu não quero me conhecer.

Outra

Pelos no nariz são legais, quando a gente tira no outro dia sai sangue. Sombrancelhas são massa, quando você me cospe na testa não desce pros olhos. Mas para que servem bundas, é para a gente cagar sentado? E só te digo uma coisa, se teu cu usa gravata o meu é anarquista. Com quantos cus se faz uma boa festa, uma manifestação? Já maria nasceu na época que cú era coisa fora de moda. Hoje moda é gravata. Não te vendo uma gravata. Te dou uma gravata. Pro teu cuzinho ficar bem elegante. E tudo isso, e tudo aquilo e mais uns lances que nem vou perder tempo de dizer... é e daí, estou aqui, com a Maria Andrea, aquela mina sabe? Aquele que diz coisas maravilhosas quando tira a calcinha que a avó, a Renata Andrea, usava. Falo assim tao próximo de voce, delas, de todo mundo, porque você não me importa, eu não me importo, com ninguém, e muito menos comigo. E a Maria Andrea é uma mina legal, daquelas impossíveis de serem esquecidas, já que tenho terror de calcinha amarelas, com rendinhas, e florzinhas, e mancha de semem, do pai do avô. Cadelas gritam, e gatinhas gemem. Já eu nem fui no show dos Ramones naquela domingo. Odeio domingos e ramones já são o que nunca foram, e se isso importa pra todos, que eles vão dar uma banda com a Andrea Lucia, ou com a dona Ridícula, a tia do Mário. O verão chegou e todo mundo voltou a usar palitos de dentes. Se gengivas são legais, dentes amarelos, e tudo mais, prefiro que a bacalhonada seja com azeite. É tão difícil assim? Sim é tão.... esqueci o que dizia me liga na terça depois das 15horas, porque 15 horas aqui no meu ape são a madrugada da tua desilusão quando você explode em sabor de frutinhas vermelhas e não a cara da Andrea. Babaca? Sim, sou muito mais que isso. Pode ser, rolar, deve, e se não rola, deixa assim, já que de areia em caixa de gatos nossos pentelhos estão cheios. Me diga: me diga. Não, me diga, exatamente o que; bem aquilo que só você sabe, e que você sabe tanto e por isso que a gente abre os ouvidos para ouvir. Você é o pente fino dos meus ouvidos, por isso, amo você. E se de cu a gente falava antes é porque tomar no cu pode ser isso tanto doce que você faz com a língua. Não são as circulares, nem as retas, nem meias de seda; depois que você sair da aula de francês ali na zona sul naquele cursinho do lado da padaria, naquela que você compra presunto e queijo, depois, eu te explico e muito bem, meu doce docinho, Maria Andrea. E eu amo ser teu amante, aliás, gosto muito do teu namorado o Willian Doucu, aquele lorde daquele país que se toma todas o tempo todo e nem se acorda depois já que noite e dia lá na terra do Willian foram abolidas nos anos... naqueles doces anos. Mas eu tava falando agora com o Mário Soares, o dono do armarinho dos Soares, e a gente combinou de jogar uma bola; é que giz de seda ficou caro demais depois que as montanhas foram impedidas de fazer neve.

Parte três fugiu pela dor de dente

Quando faz sentido fica mais difícil dela gozar. Eu não gozo quando ela tá afim que eu goze, mas mas eu gosto quando isso não acontece. Gozar me foge da regra. Eu, eu gosto quando tudo é regrado. E se não é, bem, a gente deixa esse gozo pra outra hora. E mesmo que eu fale a língua qualquer, aquela que todos falam, a gente não ia se entender, e isso não ajuda a gozar. Você goza com qualquer cara. Eu acho caro gozar com qualquer uma. Mas cada um com seus espirros. O meu parece que tá voando junto daquela nuvem de fumaça, tipo três horas da tarde em lugar nenhum. Algum lugar. Deixa eu pensar um pouco. Não agora. Mas quando vamos para o exterior? O tempo sempre tá mais agradável aqui do que lá. Pensar dói. Acorde depois das dez da manhã. Domingos eu gosto de fazer a barba com lamina anti derrapante. Minha cara tá cheia de fuligem e.... e aquele lance gosmento que você me emprestou, faz uns dez anos, e que nem mais tá comigo, deixa assim. Assim é bom pra gente; tipo depois da agua ferver, a gente vê que aquele fogão a gás, aquele que tua avó, a dona Neura, comprou, tá tirando férias na colônia. 

Você naquela época de que hidrantes, talvez

Amei e nada quando era você nem deve ia e foi. Não tenho onde estou demais hoje. Sou total lua e sol nasceu, e o calibre era muito homofônico; daí tive que sair de lado quando os jacarés comiam. O que rabos tanto? Em que veias nem foi? Porque tantos tantos? Vai em silêncio pelo amor de Eus. Terça feira você dia. Sim, terça feira. Terça feira. Nem tantas 15h horas, mas por favor: terça feira. Nem nasceram, daí cargas de horas morre o sol nessas segundas de nada disso tem a ver contigo. Cenoura, cenoura, e mais cenouras, isso sim. Cargas de pão de centeio, já que nem tinham ligado. Não vou descer, aquela corrida de taxi, nem vou areia do mar as 15horas; sim, era noite, e com aquela mina que só dizia: pois é, nem o paulista tá aqui agora. Deixa de ser tão grades de laboratórios femeas. Você nunca pode demais, e nem disse: dois cus são como agua entre o posto de saúde. Nem vai aqui, pode ser menos já que nada, olhe bem, nada. Me comprou aquele estou caminhando nem veio e os hidrantes tão certos. Nem podia, quando mesmo assim. Vamos três horas da tarde terça feira? 

Parte mais antes de quer isso

Adoro aquele filme: um Jesus Cristo muito maluquinho. Joguei futebol no melhor time de todos os tempos, o Cartel de Medellín. Meti o creme na cara e nem vamos, mas sim. “Issos” vieram tatuagens enconchadas na espuma. Os nem “fois” picos de branca nada de vamos. Para que se nem parágrafos e suor na esquina dele? Telas e aqueles lance orifícios. Você entende, lances orifícios? Escadas, se você nem pode, nunca mais. É, estar.... é mais estranho que naquela noite quando eles se conheceram e tudo ficou mais fácil. Mesmo assim, os dentes dos cavalos ficaram espirros não me vem com aquelas. Sais e lama menos ainda foi. Cafeína sempre com aqueles come canetas e pontas que são isso assim. Nem me fui com nada, já que subo corridas. Deixa rolar o casamento e as ceboladas na fita azul. E é isso Vanessa: rola, rola, rola; e quando rola, dói aquilo que a gente tipo terça feira acrílica. Som barato azulado, correias, cordas, boquetes, tudo isso na parte da frente da moto. É assim, mesmo que... mesmo que a gente entre naquele e não vai.

Outra

Nós somos o que nos Emos antes eram mesmo que punks soltassem assobios dos joelhos de nada. Eu estive, sim estava, sim fui, e eu era, mas quem depois de amanha lembra que a Andrea tava vendendo batatas recheada ali depois daquela rua que a gente fazia o que só a gente fazia. E que se foda; que se fodasse. Meu mergulho naquela praia depois de Imbituba que não tem mais nome foi mais ‘baratos de quinta que o seu.’ E se os pudicos, os mentes, os caralhos que gemem alto, se isso pra nós é tipo velinhas tomando de sol, bem, isso sempre significou que a gente gosta mesmo da gatinha ronronando nos braços do sofá branco manchado daquelas coisas peroladas que nem aparecem; mas elas, todas elas, veja bem, todas, sabem que estão ali. Estão quando elas bocejam, quando elas dançam, quando caquinhas do nariz saem do nariz; é, elas sabem e muito bem, meu bem. Tranca meu saco na gaiola e depois meia noite. Rock star selvagem, nem tô aí. Mas derrete, me derrete que eu te derreto, com aquele fogão que a Lucia tava comprando, mas não rolou já que tava caro pra ser comprado naqueles tempos que Maria Pessoa tava vendendo óculos para comprar qualquer telinha que segura criança que tava correndo e depois nanou no colo. Os ratos chegaram, montaram o cerco, na quadra, e ficaram. Os ratos. Sabe os ratos? aqueles que estão sempre na praça; naquela que a vigilância sanitária cobra muito para que liberem a chuva. E daí o grupinho de garotinhas de terça faz piquenique de coco enrolado com papel de seda só pra dizerem pras amigas que foi bom, mesmo que não tenho gostado. Rato, porco, e sapo, a gente chamava assim todos aqueles que vinham, faziam a festa, mas não limpavam. Dai a Maria tinha que ir correndo até o mercado da esquina e comprar agua sanitária e todo mundo de manhã tomava a agua pensando que... bem, a gente não pensava em nada. Mas as coxas da Dona Maria eram piores que as coxas daquelas que vendem não no mercadinho mas no supermercado que faliu tipo faz dez anos, mas a gente sempre está lá.  


Parte três não sei que horas não foi

Ela limpou os dentes, mas eu não fui, nem estou lá. Não me importa mais, cavalos comem grama, pois é problema deles. Descarregaram todo aquele armamento que tava na geladeira, e ela comprou vinho caro barato, no início da noite. Veio, jantou, mas eu não tava lá, nem o recebi, e nem quero saber se o nome dele eu não lembro. Cortei os pelos dos dedos com aquela lâmina que já tinha sido usada e posta fora e deveria estar na caçamba de um caminhão lotado de gente indo para qualquer cidade, desde que eu não estivesse mais lá e nem aqui estou agora. Não me ligue no meu aniversário, nesse dia, eu não estou. Sempre chamei ela de Vera, mas era mentira, eu não comi a Vera, e nem quero ver ela. Morrer as 14h de uma sexta feira, junto daquele lago que nunca existiu naquela cidade praiana, é muito fora de moda. Eu falo outras línguas, desde que elas não me toquem, não gosto de aftas, agora vou fazer a prova de equitação. Saí correndo, sim, mas, na real, não sei mais usar as pernas. A pele que resta nos teus ossos, são minhas. Sempre que ela chega, ele chega junto entre as minhas pernas, e eu não os conheço, e eles me conhecem, e eles não se conhecem, e eu não conheço mais ninguém. Sim, eu nunca conheci alguém! Tomei banho quando saiu sol. Bom dia, pra você. Pra mim continua estranho esse lance de estar em cima do muro, já que o muro não podia cair, e eu nem queria que você fosse “a amiga” dele. Com quantas teclas se compra um quilo de pão? Sempre tem cigarros baratos em cima da parte de trás do armário. Eu não podia ir, fui, mas não voltei. Eu nunca mais vou voltar. Eu prefiro continuar indo, mas, ao mesmo tempo, ficando aqui, junto do poste. Que horas são?  Tinha bons modos. É impossível caminhar as três horas da madrugada, prefiro cascalho do que concreto, e paredes lisas de massa corrida continuam me deixando com dores nas unhas e nos cabelos. Os pelos de barba são importantes para ela, os que estão em algum ralo, as sete horas da manhã.

Parte 4 porque o sapo?

Três engradados de cerveja aqui, não estão aqui, eu estou aqui, mesmo que aqui; que horas são? Não posso mais, não porque eu quero, mas é que eu podia e não vou estar aqui quando você não estiver. Não posso sentar nessas cadeiras, nas três ao mesmo tempo; me explique a situação? Não confio nas noites, prefiro a areia que está no seu pé, depois que você foi demitida. Eu estou errado? Eu sou errado; eu ouço errado, eu compreendo demais o que nem queria saber. E nossa reunião mensal que acontece todas terças; hoje é feriado e não domingo. Você até pode tentar fugir, se você estava certa. E de qualquer forma, veja bem qualquer, de qualquer forma... esqueci. O por do sol tá muito punido. Eu estou muito baseado. Não se coloca ketchup na via férrea, pelo menos não nesse país. Ouvi todas aquelas bandas tocando marchinhas de carnaval, entre aquelas sequoias. Eu vejo tudo azul, já que meus óculos de sol.... na verdade, ele é de grau e acabou colírio, mas tem água suja aos montes aqui do lado. Eu não sabia que era inteligente, ela, depois eu. Tanto faz se você gosta de gritar quando não está comendo. Líquido azul sempre sai do meu nariz, que, na real, são suas orelhas. Mas, mesmo assim, sempre, eu sempre te amei, depois de segunda feiras, as três horas da tarde esperando chegar.  E eu gosto de você já que você é uma pessoa muito nove horas da manhã. E a gente combina nessa feira. E de tarde tudo fica mais simples. Não sei se os carros não estão passando, naquele momento, em que nós vamos. E se tudo, tudo, já foi dito, eu digo: não queria mesmo ter que falar com o Paulo, o irmão daquele cara que a gente... que a gente.... Note bem: o precipício é meio soldado naquele canto. Comprou todas aquelas equações e tá com cara de quem está mais feliz do que a Dona Margarete. Fechei a porta do carro, mesmo ela dizendo que o nariz estava doendo, naquele lugar, entre os pelinhos da barba. 


Parte outra

Já que nem sim, mas foi. Amou, deve isso, mas já não. Nem rola, me dá, pode ver que já era e nem tanto, mas deve e dói mais que sim e isso diz que; disse: já fui. Loira meio rusticidade de nem quais eram. Mas isso que importou: ontem de noite em qualquer dia e se sábado vai ser é devido, já que eles nem deixaram aqueles feixes de luz sem cor nem vem. As pastas dela sempre foram as mais de menos. Um dois e três são perfeitos demais e nem só, vamos. Dá a real, que sarcófagos notaram ela. A área daquele subúrbio até nem foi que menos eram, me disse e continua já que indo. Não comi naquela mesa com aqueles caras nove horas. Isso não é obvio, e você notou. Caminho doce com sal e portas de ferro sempre vem. Se as pernas estavam coladas em coisas, jamais diga: me apartamento.

outra

Quando ela, a globalização chegou, eu saí correndo, tentando fugir dela. Como eu tava parado, não rolou, ela me pegou. E daí Maria Marta de Terças a Noite, aquela mina legal filha daquele diplomata que vende doce na esquina, daí ela disse: Mário Soares é meu menino especial. Sim, ele tem três cabelos, o cílio direito tá no lugar, joelhos não o atraem, e quando ele come, ele come quieto já que nunca foi pro norte; sabe o norte? Você tá de pé, de frente pra sei lá o que, e daí você vira, se vira, vira maionese. Mario, seu menino especial, garoto especial, tipo menu especial, tipo especial Roberto Carlos, tipo especialidades da casa, tipo: hoje vou te dar algo especial. Mas se terça é daquela, quarta não acordei, e quinta é quinta. Momento tipo três horas de sexta, e nem sei. Saca? 

Outra

Odeio quando eu pego essa aids de verão. É, todo verão eu pego. Um saco, eu pego daí fico gripado, e depois aparecem aquelas manchas, daí eu trepo com o pessoal e todo mundo pega, e fica todo mundo gripado e por aí vai. É um saco. Depois dos 18, sempre pego essa merda de aids de verão. Faz quantos verões? 20? Fico com medo quando o sol nasce do lado do meu saco, o que significa: verão chegou. E tava frio, e eu tava cuspindo aquelas porras verde e amarelo do meu filtro branco; e daí, isso acaba, chega o sol no meu saco, e as porras ficam sem cor. Eu sorrio, fico feliz. Mas aquela merda de aids de verão reaparece. Devia ter uma lei contra isso. Não, eu não acredito em política, nem em vigilância sanitária, mesmo que meu banheiro seja limpo nas terças; e a merda que ali é cagada é meio laqueada. Sabe aquela merda, meio amarela, sem muito cheiro e gostosa de limpar? As festas na casa da Maria Andrea ficam legais quando todo mundo dança samba, toma vinho e depois cai fora e nunca mais volta.   

Parte .... eu estou muito achado hoje

Cara, deixa de ser tão sapo as 15h de terça, já que você não mais consegue e nem quer; e eu nem quero mesmo, entendeu, cara? Se rola, deixa rolar, é bem simples. E mesmo que suas pernas, gata, continuem com aquele parapeito do lado direito, naquele lado em que o sol nem joga luz. Eu até podia ser, mas nem quero. Já o João Antônio Filho tá sempre naquelas, sabendo que quando não se pode comer batatas, pelo menos fica com os olhos irritados; tipo, como se diz: meus olhos estão muito irritados de você. E não é uma questão do tipo, ela tá sempre comendo manteiga quando a luz aparece. Eu até tenho vontade de cortar grama embaixo daquela figueira. Nós, eu, você, e eu ontem mais você nunca, a gente.... até que eu me esqueci que você ainda continua sempre sendo ela. E isso é bom, para os ossos. Sabe aqueles pequenos insetos que aparecem quando a gente boceja? É mais ou menos isso, mesmo que você prefira aquilo. E eu nunca atravessei a estrada de uma forma tão elegante como está acontecendo amanhã depois 15h. Deixa rolar umas dez terças feiras, direto, que eu nem fico, mas estou, estou muito cachorro correndo. E se eu quero, e faço e nunca vou fazer é que estamos naqueles momentos de pedras e portas, todas muito expostas ao sol, e nem mais rola, já que eu não meti gasolina no carro, mas bebi aqueles caramujos docinhos, e até que não estavam bons; senão, o que seria, né? E daí, Lucimara aparece na banda e a gente nem era a gente, e ela me disse que eu tinha esquecido de nem sei quem ou o que. Eu sempre nunca gostei dela de menos. E assim é melhor, já que aqueles esparadrapos estão sempre em algum lugar tentando se esconder das terças feiras. É, como dizia, aqui sempre é, quando ela estava, ele acontecia. E nem sei como eles perderam aqueles 15 quilos num fim de semana que nem começou ainda, e nem quero saber. É meio triste, um pouco, demais. Olha o calor que tá caminhando na rua. E como eu nem estou ali, você ainda quer, nem me viu.

Seção: Eu estou de luto pelo meu nascimento ano passado, terça feira 

Isso fede a merda? Não, a bosta. Nós dois juntos quando nem as terças estavam, mas comprando, os cavalos, em barulhos aconchegantes. porque? Podia nem teclas e aquele lance que ela faz quando ninguém estava lá mas veio junto. Por que? Mesmo que nove horas compro aquilo que nem tá meio que mesmo rolando. E estamos na dose duas garças e ando quando nuvem de poeira. E nem mais tinha quando viram e fios de luz naquela briga sem as tatuagens que nem me deram dele. Mas mesmo que possa vai ser rola daquele nos interfones viva azulejos e boquetes de um tom verde mas escuro de mais para a sala se chove. Você nem pude, vamos então aqui de tuas noias. Vem, vamos, foram, o que, é talvez. E você pode até entrar naqueles momentos em que ela ainda são, mas prefiro aquelas poças: sabe aquelas? Em que gelo fazia um dois ou três. Me disse e seria, nem tanto por aquilo já que ele muito bem edifícios entre as adições. Saia era numas de voltei e mesmo assim, você diz: “mesmo você menos porém, nadavam manchas e micro pontos”. E aquela gatinha sei que berros e cachos. É ele era em determinado momento. Músicas, e aquele lance que sai da geladeira correndo, muito prata e uma sacada e nem sei mais quem quando foi mas ia; “pode ser”, ela vem. Porquissimamente faz representação, palavras nem países me viram. Três deles nem tardes, mas comigos e a entrada está proibida, se prateado entrou não fui mas estou. Estou louco demais, não estou maluco demais. Entre o ato e sai correndo não vindo, ela estalou aquele lance estranho que não conheço, mas disse que nem mal seria, mas adoramos, pode chegar mais.

outra

Meu mestre de yoga de sábados a tarde depois de todinho de manhã, ele disse que eu tenho que enfrentar os meus medos para viver em paz. Oh paz. Dai eu tava em casa tipo três da madruga de terça, hora boa pra meditar. Tava lah e como tenho medo de altura eu pulei do vigésimo andar. Não deu certo, continuei com medo de altura. Daí eu entrei numas, bem pode dar certo depois. Daí eu pulei mais umas vinte vezes do decimo quinto andar – coisa de gente viciadassa em sabedoria, trans oriental e bah. Mas não deu certo, continuo com medo de altura. Daí depois disso a coisa ficou mais amaraleda, comecei a ficar com medo de cair. Daí eu to caminhando na rua e tenho medo de cair no chão. To dentro do carro e to com medo de cair no chão. Cair no chão dói, eu sei disso porque caí do chão umas cinquenta vezes, tipo decimo sei lá andar, nas terças, daquelas madrugas massas que só a gente tá ligado.



Parte vez quem foi

A dona solida demais e eu to muito baseado ontem. Nem me foi que sábados para terças. Mas me diga: rabos ou entre dois? Se devessem estiveram, nem me foi quando. Mas disse que aquele barroso era pouco herpes atrás. Me canta aquela farmácia e seu sai correndo ano que vem. E nem to ai; jazz, sem mármores, vai mais. E era ainda muito batida de coco. Aquele japonês não entra que ta hemorroida. Mas me diga: nada de quando era. E assim. Na real. Na boa. Nem sabia. E era. E. quantos ‘Esss’; me dizia. Era e para ser lontras cadeados e partir para o Rio nem é tão imanente assim. Já que ela sempre sabia, e sempre, era sempre mesmo quando sempre era depois de terça feira a noite, mas 15horas meu amor. Meu cabelo sempre dói mesmo que farrapos quentes era foi. Podia me iriam se sim essa vai. Comprar coisas entre eles me dava o que carros de boi. E se tudo fica tão semáforo laranja sem aquele verde que corre, sim, sim, sim. E de dia que era ano passado antes dos dez últimos anos, mesmo que eram. Quando? Exatamente isso. Voce sempre sou mais do que ele. Mesmo que nós sejamos cactos em latinha de sardinha com aquele suco de groselha que sabe mais. Não diga aqui gorilas porta cordas e ali tá escrito fachada de cara marrom. Saio. É, e esses exatamente me percorrem toda ponteiros de manchas de cigarro nos alados vai. Me dá uma dez desses que correndo não posso, mas deles gosto e quando; isso mesmo: quandos! Ela dizia que aqueles corressem eram muito para nós e mesmo que nem que foram porque. E dai já quero me matei porque estava aquele sol demais, e não podiam, mas não carro sou. Já tá mais que real. Aquele som não se repetiu mas vai desde ontem cabelos e nós estamos naquele barco amanhã com o rio soprando aqueles gays meio madeiras. E mesmo os mesmos já eram os aqueles e os ontens são muito mais que mdfs portas de closets. Não quero, não quero, não vim depois de samba acordo qual tímpanos durou três horas, mesmo sendo terça feira, 15horas. Mas voce é aquele que mais não quis me entender. Dói dentes cavaram os roxinhos dela sempre enm assim. Mas quando ela me diz: tela mágica estrela manto dourado; daí eu nunca amei antes das sete horas. Mas se continuam aqui macacos comigos sempre. E é tão, mas tão, mas tão, vide o rasgo punk época tipo assim. Sim, somos, mas nem que vamos eles quebram, e o dia nem vai nasceu.  

Barrinhos tipo anos 80

Me pede abelhas quem foram mas porra. E ela nem ontem mas era linda. Vem que sins, muitos sins, e isso nos com quem laminas. Era naquele século que comigo mesmo ela sons da noite vaquinha sanguínea. Pura nos cervejas, e lentamentes, com aquele lance que a gente mastiga mesmo que cheirando; não entendi já que os sacos rock anos 90 em qualquer lanterninha de nunca fomos. Mas se voce vai, tome uns calotas que se cagam, entre os vais e é isso aí. Ela já nasceu por aqui e por isso nem com carnes e uma placa.

Seção – mastigo os aqueles próprios negros de quem não eram, mas foi

Mate isso; Mate aquilo! Me toma quando! Fazia! Magrice! E quem era naquilos bateram sei e não. Beijasse foi me ardesse mas não. Porra, faz e nem. Gostava ainda ali me isso porra que dedos estão. Mas por que? Quando e pode nem era. Matando os faz e pesto era as 9horas na geladeira dela que punhos aquece. O DJ ainda ainda, e mesmo depois, ela ainda era que cafeteiras sempre continuam naquele pais. Tendas, faço, espaço de linhas, mendigar, e quanto a tudo isso, aeroportos sempre. Não venha já que ontem nem foi, mas existia, paredes quentes e peles com hein mas assim. Vagininha naquela hora, e listras e mais listras e nenhum. Se ela nem pode o que dera desejasse amens de novo e sempre. Faca-se merdinhas e as guloseimas nem me dão se ardem azul. Guardador de carro, e sucos meio rosa se podia laranja e quão longo devesse se então podia. E vai na listra amarela mesmo que preto nem fosse. Se ama e nem quer é devido aquela mas isso não. E pode, e deve, e é.... mas nunca mais será e é isso que importou naquele dia qme que voce era eu e eu não mais tava lá e via que era isso tudo. Mais mais mais tava rimando com uvas verdes e mais pratos naquela redinha que parece as calcinhas da tua ninguém. Mas se voce pudesse deveria ter saído daquela entrada e teria que ter cedo demais é sempre tipo algo que nunca foi uma bela terça feira, tipo 15h. só voce que pode e mesmo assim. Boca seca e paralelepípedos sempre nunca mas mas. Sai correndo agora pro centro de lugar todos daquela entre violas atroz. Vamos danças ser nem que sim não deve mas é de uma loucura de lado de fora da pele dele.

Outra seção
Mas sem nem posso, no café da tarde estávamos. E sim, é sempre sim desde que estivéssemos. Já que era, estou bem, sim, amo o que aquilo quando de repente é demais, simplesmente, pode. Venha; venha. Sempre soube o que ele nem seria. Amores. Mas quando ela abriu o que era para bem rolar, eu fechei isso já que tanto assim. Estamos naqueles casos em que os beijos redes com; mas sim sempre comecei. Linda demais mantem e merdas são com dois números. Rosácea era quente com punk negro do sul do mapa holofote genital. Mas, mas, mas sem que ruim dado o estenografo. Hehehehe. Era sim. Esse com dez de muito cola de vidraças vazias. Almofadinha sempre no lado direito. Holofotes. Isso tá vivo demais. E a próxima cantei no anoitecer – exatamente isso. Ama-se e cafajestes. Só digo aquilo. Os transes que ele nem teve; eles eram muito estranhos. Eu queria fingir que aquela juventude toda armários. Mas por isso que nós tínhamos. Era ele e eu e ela e todos os que nem estavam mas ontem foram pegos la naquela hora por são Jorge é legal. Me da uma dose dessa foça toda e que eu me tenho aquele; hum; duas notas de viola sem ela ficar mugindo o tempo nada era vai. Me liga, te ligo, se liga, e se sim, sempre esses esses é que são aquela parte bem delineada de zona sul sem Amazônia total. Pode teu cu pedia uma rugido de raposa. Era aquilo mesmo nem com dor na juntas foram. Mas me desfia a ponta lisa naquele abajur e crônicas de estantes e cachorrinhos mas magros queriam, e nem estabelecimentos nessas ovais de salsichas que te encanam. Vamos la foram? Venha nem serão? De repente digitais e impérios, merecem tendas de que voaram os calos. Se é, e pode, e deve e nem que ontem, amanha voce estava. Perdidos quando a gente saia as três da madrugada da praia descia até a parte sul do continente e voltava depois até Copacabana. Era legal e ela sempre estava mesmo que os dentes faltassem na porta da sempre. Eles saíram correndo e os licores salgaram as caixinhas de azeite, e axé meu bem, ontem iria até a bahia mesmo que ela sempre tenha sido tipo monte de merda em que nós nos amávamos. Batatas ainda existiam e espera em dente de molho de soja. Voces são muito voceses; meu dia e não fui. Aquele pais ficou tempo demais no mapa poderia ter sido uma corrida de 100 metros. E mesmo assim, ela quer o que meia noite a impediu a vida inteira. E me mente pelo que diga. Sinta aquilo em qual carpete. Emagreça de novo e sempre de novo e sempre os teus fígados e olheiras. Mas mesmo assim, naquelas nossas e sem quentes, daí ficará até em que manteve. Por ali estava nosso abajur e por aquilo que entre eles fizeram os pode ser. E nada, veja bem tudo, aquilo que me é, disse pode ser e nem quanto quatro horas ainda significavam. É por aí Bebe e voce  gosta. Por isso eles se amaram na praia naquele antes de ontem durando a vida nenhuma. E a gente que cabia escadas e catarros e nem que nem madeira assada. Eles eram e devia e manteram mesmo sem mativeram e nada era que devessem os barrinhos e aquele projetil que foi e deve ter ficado já que a gente nunca mais viu. E estou nada cansativo é devido aquilo que voce faz com tua língua mesmo que ela não esteja meio drogada. É isso. Por isso. E deve ser. Naquilo entre muito dedos e as duas aftas do cabelo da cadela que nem queria ser a santa da tua de repente. Me azuleje demais e dai voce viu que nada acontecerá. Nós sempre foram aquelas coisas tipo três horas da tarde na terça entre nós e amens com muito supositório usado. Venha, pode vir desde que você não volte aqui. Se ela te comeu os grânulos do docinho é que você sabia que isso estava acontecendo. Nós somos sempre mais inteligentes que do que as navalhas mas nem sempre os soluços dize: OI. Vai-te correndo depois de semana passada senão ouro e barulhinhos fazem tudo isso mais. E nem que nem que nem que deveria e nem sei e nem quero e nem que nem, mas que fique claro: era linda aquilo que ela deveria fazer e que nós corremos e fugiram todos, todos aqueles. Se eu seria, ela nem que me deu. Isso que fique claro, mais do que claro, e que a gente entenda sempre: comer dois ovos é mais difícil que de repente. E assim, tudo sempre claro: a gente se ama pochetes azuis e aqueles DJS que nada sacam mas que são amigos de lontras depois das 15h orgias, não 15 horas de terça de qualquer dia. Me diga. Me disseram. E nada. Fim, e não rola, mas sempre quero. 

Outra

Sardinhas anamórfica de um feto que nem rola mas terá sido não e não. Não não não nação não e sim e sim e sim na rela: sim ou não. Senão. Me da um rola barato ia mas se não peca isso é de talvez. Amorzinho de coisas na profunda e cuzinhos de rola macacos sem esta noite. Me mete me dá faz aquilo que spo voce nunca mastodonte vem ca meu foice e vão. Buracquinho da treta sem clas de tatoagens uberas e mata silvas. Mas me da me da e vai e vem e não rola mesmo que peitinhos leucócitos jamais e eternamente tipo vem ca e da uma banda meu unha encravada de cu com virias arenoso nariz polvo sapo e tudo isso sempre em vão. Senão. Cuzinho mostarda. rapidinha na feira sem praça. Corroendo os  baratismos e eu aqui em pensado na real nos eu to pensão demais. Não eu to pensamentão, pensamentaçao. Cuzao e cuzinhos que nem querem o que que falam mas regurgitam três holofotes acesos para nem que me não mas se vem. Acendo meu nosso para deus e maria diz virgem no ralo e nem tem mais caixa de som no samba que pirou. Ah, coisinhas, e cuzinhiso, pintinhos e anamofaras frentissima do antro mais que manogoso e cu. Vem me dar uma bofe de teu velho santa paria do sul e a gente tava morando na praia. Ahhh cuzada; curiosa peste da rosa do nem fui meu bem mas gostei.









[1] Há uma exigência do povo catalão de que seja feita uma consulta popular – o referendo – para ser decidida a separação da Catalunha do Estado espanhol.

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