A
esquizoanálise é o pensamento sobre a diferença e é um pensamento da diferença.
A diferença toma inúmeras formas: 1. nas linhas da subjetividade: percepções,
afecções, pensamentos, territórios existenciais; 2. em sujeitos: minorias, românticos,
ativistas anarquistas, marginais; 3. no campo do saber: principalmente na
transversalidade das disciplinas conjugada a outros campos como arte e ativismo.
O
pensamento da diferença, a esquizoanálise, busca, principalmente: 1. fazer o
mapa que permite experimentar a transversalidade; 2. perceber o valor dos
sujeitos e coletivos sujeitados; 3. perceber o senso comum e o bom senso nos
territórios intelectuais em que se pensa haver crítica; 4. perceber e projetar
a potência do caos.
Esquizoanálise
é a esquizofrenização do pensamento como potência; os fluxos esquizos se
insurgem contra a racionalidade dominante. O esquizo, o que está fora – e
muitas vezes é chamado de “o idiota da cidade” –, permite o devir esquizo da
filosofia, ou seja, a minoria como potência. As subjetividades são esquizoides por natureza
(apenas negam isso), já que a natureza é o caos; os esquizos são filhos do caos
e o esquizoanalista se torna um na relação direta com o caos. A análise
tradicional tenta criar bons cidadãos, com boa moral e bom senso, já a
esquizoanálise entende o caos presente em todos e mostra que dá para o
experimentar sem que se caia na prisão.
Cartografar, a função do esquizo analista, é
uma forma de percepção, mas também de existência, portanto, a esquizoanálise
não é restrita à teoria. Cartografia não é método, método tenta regrar o caos,
cartografia é surf no caos.
Cartografar
é experimentar devires, manejar as linhas de fuga, dessubjetivar-se das
identidades dominantes a partir do entendimento delas, ou seja, como disse, é
viver. Cartografia é vida, o cartógrafo é o que mais se aproxima da vida.
Cartografar não leva para um bom futuro, não se usa a cartografia para se
chegar a um fim; o cartógrafo não tem objetivo de vida e muito menos um sentido
para sua vida. Mas há cartógrafos e cartógrafos; o cartógrafo que mais diz “não”
é o mais puro, aquele que menos vende sua existência. O acadêmico que a usa
como método não é cartógrafo, no máximo ele louva com distância a vida do cartógrafo.
O
acadêmico tem um trabalho metódico, radicalmente controlado, sem brechas, com
uma neurótica organicidade, por isso, não faz cartografia – sim, o acadêmico é
neurótico, o cartógrafo é esquizo. Se o texto produzido pelo cartógrafo é
legível e compreensível, isso acontece pela relação do cartógrafo com o caos
que é também de prudência.
O
acadêmico fotografa um ponto da vida, se centra no ponto, armado com regras
rígidas; o acadêmico faz isso para se sentir seguro ao falar sobre esse ponto;
ele diz que não pode ter um objeto amplo, já que não teria como se aprofundar
nele.
O
cartógrafo vive a vida e fala dela, fala do que conhece, sente, percebe,
deseja. Ele não precisa ter regras para saber o que está fazendo. Deleuze diz
que não basta dizer “viva o múltiplo”, o múltiplo tem que ser feito. “Viva o
múltiplo” é ter uma relação no máximo estética – mas quase sempre cosmética –
com o caos e seus filhos; fazer o múltiplo, cartografar é, como disse, surfar
no caos, já que o que mais importa para o cartógrafo é o seu esporte: o surfe
em ondas do caos.
Falar
sobre a cartografia não é explicar o trabalho, não é metodologia, mas sim falar
sobre a vida. Se o cartógrafo é um escritor, ele fala também da escrita, já que
ela faz parte de sua vida; mas o cartógrafo nunca diz que é um escritor, ele é
apenas um cartógrafo que também escreve. Há cartógrafos que também são compositores,
ou esportistas, ou viciados, ou jardineiros... para entender que eles são cartógrafos
se usa a cartografia.
O
louvor à diferença, a diferença como moda, faz com que conceitos referentes à
diferença sejam usados, mas de forma integrada, hipsterizada. Queer,
cartografia, crítica viraram moda. O ano de 2013 teve tanto sucesso, já que fou
uma festa hipster; mas nela estavam presentes sujeitos e coletivos de
resistência. A vida na cidade grande é assim: há a manada de queers integrados,
os hipsters, mas também os queers puristas. Uma questão chave da cartografia é achar
a diferença e denunciar a diferença como moda. Hoje todos são diferentes, portanto
iguais, dizem “viva o múltiplo”, mas há alguns que “fazem a multiplicidade”.
A
intuição, a ética do cartógrafo precede suas ações; intuição faz parte da potência
da vida (o caos é a vida), que é primeira em relação ao poder sobre a vida:
primeiro havia vida, o caos, depois o cristianizaram e agora o cientificam –
essa é uma afirmação ética, poética, não idealizada.
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A
potência da vida pode ser encontrada em qualquer lugar, até nos locais em que
estão os ratos. Amar a vida é persegui-la... é como ter perdido a namorada e
sair pelas ruas atrás dela, e a namorada se chama vida, loucura, caos, amor. Mesmo
que ela não seja encontrada nas ruas, como ela é amor, ela está dentro de quem
a procura, ou seja, basta buscá-la dentro de si, mas como o ódio está também dentro,
na busca o encontro pode ser com a morte. Na sociedade de controle é cada vez
mais difícil achar a vida, e perceber isso dói. Cartografar é tornar um pouco
suportável o insuportável. A maioria das religiões falham na explicação do
caos; dizem que o caos está nesse mundo, mas também dizem que o caos é
controlado por entidades de fora desse mundo, acima ou abaixo. O caos está
nesse mundo, e quem tem poder de manejar o caos é o que percebe realmente o
caos. Perceber o caos dá uma margem de controle dele, mas chamam isso então de
misticismo, espiritualização, magia. O controle do caos se refere a uma
subjetividade não normatizada, assim, o que acontece a partir dessa
subjetividade são coisas consideradas caóticas aos do bom senso: o Bruxo
espirra e uma criança morre... Isso é absurdo para os de bom senso, já que o
bom senso é uma imagem do pensamento, e o Bruxo tem relação com outra imagem do
pensamento. Coisas estranhas acontecem com quem surfa o caos, os de bom senso
não entendem. O mundo para o filho do caos funciona de forma diferente, e ele, o
filho do caos, permite algo de caos para os que estão próximos; sim, no
contato, eles, os de bom senso, então entram no caos, percebem coisas caóticas.
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No
mestrado e no início do doutorado estava centrado na obra de Negri e nos
movimentos de multidão; com o passar do doutorado, aprofundei os estudos sobre Deleuze.
Com o fim do doutorado, depois de dez anos estudando os movimentos, e com esse
aprofundamento em Deleuze, decidi seguir uma outra via: troquei os movimentos como
tema pelas questões existenciais, e passei a me interessar e muito pelos
marginais. O conceito de Romântico, que estou dando consistência, se refere a um comum experimentado
por artistas, produtores da cultura pop, filósofos, vagabundos, drogados,
jovens, punks, hippies, etc, etc... Cada um deles tem sua singularidade, mas eles
têm algo que os liga, algo em comum. Um filósofo, com um pensamento crítico
radical, está próximo de um vagabundo que, em sua existência, nega radicalmente
os valores dominantes, ou seja, que é também um crítico radical. O Romântico se
nega a viver como o bom cidadão, está nas ruas marginalizado ou com os
marginais pela própria vontade; ele se droga, vive em excessos, coloca seu
corpo e sanidade em risco, está na borda sempre; e se não produz diretamente na
arte, no campo do saber, na cultura pop, mesmo assim produz formas de vida não
sujeitadas. Romântico é também um devir, assim, todos têm algo de romântico de
uma forma ou outra. Devir é a relação entre termos que podem parecer incompatíveis.
Os animais simbiontes, aqueles que se relacionam com animais de espécies
diferentes ou com elementos da flora... eles produzem a relação a partir de um
afeto, que mostra que pode haver algo em comum entre termos heterogêneos. A
vespa se relaciona com a orquídea; quando estão juntas criam um território, um
corpo que mistura fauna e flora, ambas estão em núpcias, enamoradas, afetadas
uma com a outra. A experimentação dos românticos que produzem na arte, no campo
do saber possibilita experimentações para outros. Romântico é uma subjetividade
que necessita do movimento, não apenas físico. Ele está em movimento nas
cidades; nelas ele cartografa, busca as brechas que levam para Espectralia, melhor, está quase sempre
em Espectralia, a partir dos sonhos, dos delírios, da narcose... O Romântico é
filho do Caos, produz o caos, maneja o caos. O Hipster, a identidade dominante
nas grandes cidades, o sujeito médio por excelência, é uma normatização,
captura da singularidade romântica. O romântico é o dessubjetivado, o hipster se
refere à inclusão da diferença. A dessubjetivação é o tornar-se outro, é dizer:
“EU não importa”. Dessubjetivar é
negar, quebrar os valores dominantes principalmente, ou também, em si mesmo: eu
não quero mais ser assim, não posso mais ser assim... Buscar a diferença não é projetar um futuro é
criar mapas, cartografar, aumentar o território, desfazer o que foi feito, é
feito, imposto, quebrar o controle desde dentro. O Romântico não pensa em
futuro, mas nas linhas de fuga, só tem presentes, ele é um viciado em linhas de
fuga. O Romântico não tem passado, não tem história, ele é sempre outro.
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Fala
de um psicopata
eu não tenho futuro, pra mim o futuro
é sexta feira, e segunda feira é sexta feira – Sexta Cheira Santa é minha santa
puta! Eu não tenho passado, dei um tiro na minha memória, meti um quilo de pino
nela, a memória não tá tunada, ela tá pinada, virou nada. Viva o grande Deus Que
Se Foda. Eu posso morrer a qualquer hora, só não vou pra prisão de novo. Gosto
da prisão, mas não preciso mais dela, ela já me deu tudo, me tirou tudo. Queria
todas as sextas feiras nas minhas veias.... fui muito fundo na temporada
passada. Não tem volta pra mim. Vou meter pino em todo mundo e deve ser assim.
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A
linha de fuga é o que permite quebrar as identidades dominantes, sim, fugir: o
jovem foge da casa dos pais e vai viver o mundo; o jovem foge da sala de aula e
vai queimar um beque; o prisioneiro foge da prisão; o empregado foge da empresa
na hora do trabalho e vai tomar uma ceva – esses são exemplos simples, mas de
fuga, resistência nos dispositivos, como família, escola, prisão, empresa. Mas
há fugas mais complexas... Deleuze e Guattari pensaram na linha de fuga a
partir de 68; a contracultura era baseada em cair fora, fugir da realidade de
todas as formas, melhor, era centrada em não aceitar a realidade imposta. Eles caíam
fora, se movimentavam na estrada, achavam um ponto, ficavam, depois voltavam
para a estrada. Preciso de uma existência diferente para produzir algo de
valor. Esses vícios de linguagem: “eu” preciso, “minha” existência, são
contraditórios com meu posicionamento, mas não encontrei ainda uma linguagem
realmente ajustada, já que talvez nem exista. O erro faz parte da
experimentação, as linhas de fuga podem levar ao erro. Deleuze e Guattari falam
na fuga, mas armado, na moderação do vício, na projeção do caos. Caos e projeto
seriam incompatíveis, já que o projeto pode se referir ao controle e o caos é o
descontrole, o descontrolado. Mas projetar se refere a ter rações de ações e
pensamentos possíveis, ou seja, algo que precede, que diz respeito a uma ética
e a uma estética. A ética é não aceitar as coisas impostas, e a não aceitação
produz uma forma de vida louvável, não necessariamente bela, mas especial, ou
seja, a estética. O punk não aceita, vive como rato, mas há uma beleza nos
ratos, e não é beleza, mas algo especial. Quando a criança diz “não” aos pais,
se torna mais bela, mais especial. O drogado diz “não” à forma dominante das
percepções e sensações e, por isso, tem uma existência especial. A resistência
é bela, e resistência é não aceitação. Eu não vendo meus afetos, meu trabalho –
uma frase bela. A intuição precede a ação e o pensamento, e ela pode ser
confundida com vidência, iluminação, bruxaria. A intuição assim diz respeito a
ética, talvez seja a ética; se ela guia a vida, as ações e o pensar são
determinados por ela. A diferença acompanha meus trabalhos, sempre busco
aumentar o território.
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Na
escrita atualmente faço inúmeras experimentações; o último texto que escrevi
foi um movimento aberrante, e este tem um estilo que uso faz tempo. Porém, neste
texto, o ritmo é um pouco diferente, já que uso frases longas e muitos pontos e
vírgulas. Nos últimos tempos tenho praticado esportes que impõem mais
intensidade respiratória, e, devido ao up respiratório, incrivelmente isso
afetou na cadência da construção textual. Giordano Bruno falava na importância
de aprender a respirar, a respiração influencia no ritmo existencial, e a
escrita faz parte da existência do escritor. Trabalho, na maioria dos textos,
com blocos isolados, mas irmanados; cada bloco tem sua especificidade, mas se
liga aos outros; assim, eu posso traçar linhas de fuga dentro do texto, que fazem
parte do mesmo mapa, do mesmo agenciamento; isso não é um método de escrita, apenas
dinamiza o texto e me ajuda a pensar, já que é muita responsabilidade um texto
corrido; é mais fácil se perder em um texto corrido, e os blocos facilitam na
leitura e na escrita. Com os blocos, posso fazer repetições de ideias sem que
fique redundante, e as repetições são importantes para reforçar aquilo que é
difícil de entender e pensar, como o caos. Com as repetições noto que vou aprofundando
os conceitos, aos poucos, de forma gradual. Se eu citasse diretamente Deleuze e
Negri, a leitura ficaria difícil para quem não os conhece, e eu não escrevo
para cientistas. Fiquei feliz ao saber que uma menina jovem, muito inteligente,
ainda sem formação acadêmica, conseguiu ler meus textos, melhor, teve uma
compreensão profunda do que eu digo. Os blocos não são feitos para serem lidos
isolados, a leitura deve ser integral, ou seja, não dá para entrar no texto em
qualquer parte, assim, não é um rizoma, mas há algo de rizomático. Eu começo os
textos com alguns blocos, daí surgem temas recorrentes, depois me centro em
alguns temas. Às vezes, só percebo os temas recorrentes após ter um texto
extenso, mas quando vou jogando as ideias no papel de forma quase automática, o
mesmo posicionamento e os mesmos temas estão presente. Posso escrever um texto
dessa forma meio automática, sem pensar muito, já que sempre sei o que estou
fazendo, até quando faço o caos e o descontrole. Em alguns textos há uma
confusão, um embaralhamento de ideias, eu digo uma coisa e depois outra, mas
isso não é erro, apenas mostra as contradições internas, as minhas dúvidas em
relação à teoria que estou produzindo, as dúvidas em relação ao que está
acontecendo com o mundo; mas, por estilo, nunca faço perguntas, não interrogo,
e sim misturo ideias contraditórias. Eu não projeto o texto antes, nunca fiz
isso, eu sento, coloco algumas ideias e vou desenvolvendo, traço linhas, um
mapa, às vezes, parece que o mapa vai se projetar de tal forma, mas depois ele
vai tomando outras formas. O texto final é sempre rigorosamente finalizado, tem
sua consistência, tenho domínio total do que está finalizado. Este texto era
para ser centrado no tema “Situações”, eu estava com mais de dez páginas
corridas, ia finalizar com 15 páginas em um exercício aeróbico; porém, decidi
quebrar o texto em blocos, e após essa decisão, ele tomou outra forma e o tema Situações
ficou secundário. Quando quebro em blocos posso moldar melhor o texto: tirar
partes de blocos e pôr em outros blocos, cortar blocos, colocar blocos em
locais diferentes, colocar novos blocos; essa é a fluidez do texto, mas todos
os blocos no final estão no lugar certo, porém, se continuasse, haveria muitas
aberturas possíveis; talvez isso seja o rizoma, isso é o mapa. Parece que o
texto se monta sozinho, já que não projeto anteriormente; quem escreve pode ser
eu, pode ser eu como legião, podem ser as legiões de Espectralia; então, dizer “eu”
não diz nada; sou um vampiro, eu sugo o sangue, a criatividade dos outros; eu mastigo
o pólen e a vespa e cuspo na página. A grande dúvida: quem está escrevendo
isso? O texto pode ser movido pelas Legiões, bruxas, escravas, o tornando
potente, mas também pode ser interferido por seres de ordem inferior, inimigos
das Bruxas, das Legiões, interferido por zumbis que tentam entrar em
Espectralia sem serem convidados, que sugam a potência, já que são invejosos,
mortos, zumbis, que pensam estar vivo; seres baixos, rasteiros que tentam fazer
parte da Legião, mas que nunca farão. Parece impossível não dizer “eu”, e
quando tento é a tentativa e erro; por isso, as construções inexatas, como
dizia Deleuze: se necessita de expressões inexatas para dizer algo exatamente.
Amor-te é um conceito inexato: eles, os zumbis, amam a morte e o Amor-te não é
o amor (morte) deles, mas é também morte. O Amor-te é morte, já que a morte tem
que ser reconceituada. O que é a morte? Os zumbis amam a morte, a vida morta, o
assassinato, e dizem que odeiam a morte; o amor deles é ódio, ódio a vida, ou
seja, morte. Eles odeiam a vida, já que não conseguem viver. O amor deles é a
paixão triste, eles não se entendem, são neuróticos um com o outro, são vingativos,
se aproximam, já que quase todos são obrigados a ter relacionamentos. Os homens
se preocupam mais com a testa do que com a namorada, dizem que as amam para
aprisioná-las; as mulheres dizem menos que amam, exatamente para jogar com os
ciúmes do homem, mas é um jogo sujo. Quando alguém do casal trai o outro, ele
se vinga, transa com outra pessoa como vingança, assim, mostra que odeia
duplamente, tanto sua namorada quanto a pessoa com quem transa. Esse ódio se
mascara como algo alegre – na transa, na obtenção de mais um artigo de consumo,
ou seja, mais um homem ou uma mulher na cama. Essa alegria é a alegria dos
pets. Existem casais que praticam o amor livre, são pessoas belas, sem culpa ou
remorso, não são vingativas. Há casais que são radicalmente monogâmicos, mas
são fascistas. Mas o sexo livre, daqueles que buscam troféus – mais uma mina,
mais um cara, o cara de uma mina, a mina que o amigo gosta – revela uma falta
de controle e um desejo de consumo de corpos. O homem precisa se afirmar frente
ao mundo, mostrando que é um comedor; a mulher, na horizontalização das
relações, querendo ter o poder dos homens, faz algo parecido. Todos jogam sujo:
as minas com os caras, e vice e versa, as minas com caras casados, os caras com
minas casadas, as minas com as minas, os caras com os caras; todos tentam ter
seus troféus, seus momentos de alegria de pets, seus objetos. Nas comunidades
anarquistas não há casais, os filhos são filhos de todos os que estão lá, todos
se amam, agem em comum, diferente do capitalismo, no qual as pessoas das
famílias se unem a partir do ódio, e essa união só fortalece a guerra de todos
contra todos. Todos contra todos aqueles que impedem a obtenção de seus objetos
de consumo desejados: dinheiro, sexo, posses. As mulheres querem se sentir belas
e fortes, os homens querem se sentir fortes, por isso lutam contra todos para
ter o máximo poder possível. Estão mortos, são zumbis, não têm vida, apenas um
desejo mórbido que guia suas vidas. Os gays e as mulheres venderam suas almas
para o capitalismo. As feministas, os gays, os negros, os adolescentes que não
estão baseados na ética anarquista não são agentes de contraposição à
mentalidade dominante. A morte do amor-te se refere ao desconhecido, a um culto
ao desconhecido, um desejo de morte que é alegria; o amor-te permite sonhar com
as possibilidades do desconhecido, da morte, e por isso, a importância da
mitologia, que estetiza a morte. O que acontece nos sonhos? As lembranças dos
sonhos acontecem na vigília e a consciência não consegue perceber o
inconsciente, portanto o sonho é algo impossível de se conhecer em vigília.
Será que o sonho não é exatamente um contato com o ambiente da morte? O que
acontece na viagem psicodélica? O que acontece na transcendência sexual? Morte,
sonhos, sexo tântrico, drogadição, meditação, delírio momentâneo, tudo isso não
se refere a entrada no mesmo território? A Necrópole é o espaço da morte na
qual estão os zumbis, que dizem que amam. A Espectralia é um ambiente da morte,
mas experimentada pelos realmente vivos; eles amam tanto a vida, a diferença, a
cartografia que desejam conhecer, entrar em ambientes que são negados, temidos
pelos zumbis. O romântico, o Bruxo, está vivo, explode de vida, tanto que
deseja sim, conhecer a morte; ele ama a morte, não tem medo dela, a deseja. O
sexo do Amor-te o Pós-sadomasoquismo, o sadomasoquismo amoroso é um conceito
inexato. Obviamente, o sado-maso do pós sado-maso não se refere às práticas
comuns sado-maso, e o sado-maso tem que ser re-conceituado. O Sexo do Amor-te
não é um neo sado-maso, mas um pós, é sado-maso já que o amor é cruel para o Bruxo.
O relacionamento, o contato com a Bruxa o extravasa de tal forma que parece ser
um masoquismo desejado. O sexo é o momento em que os dois, o Bruxo e a Bruxa,
tentam se tornar UM, e isso é extremamente doloroso, já que às vezes falha, já
que às vezes o Bruxo está perdido na necrópole – junto aos zumbis – enquanto a Bruxa
está em Espectralia. Espectralia não é um conceito confuso, fica confuso em uma
lógica binária de não entender que a Espectralia e a Necrópole são linhas de um
agenciamento. O que acontece em Espectralia são coisas confusas, difíceis de
perceber e expressar; como expressar o caos? Espectralia faz parte do caos; o Bruxo
criou Espectralia, mas ele é também um habitante dela. O Bruxo tem um
conhecimento profundo do caos, mas ele é um ator, um jogador, um mentiroso, e
se ele quiser, consegue mentir a todos que tem esse conhecimento. O Bruxo diz
que o Amor-te é o fim último, mas o jogo pode ser o fim último, o Amor-te pode
ser apenas uma jogada. A dúvida, a mentira, a verdade, tudo misturado, são
importantes, mostra a inexatidão e a necessidade dela para expressar algo
exatamente. O amor é potência, o poder se refere ao ódio. O reconhecimento, a
visibilidade, o poder, são desejados exatamente para se sobrepor aos outros.
Quem busca o poder, ou admira o poder, deseja a relação hierárquica. Hierarquia
é o que marca os dispositivos, por isso, não há amor em famílias, escolas,
empresas. A relação hierárquica é a despotencialização do outro: respeitar,
baixar a cabeça para o pai, o professor, o patrão. Quando é percebido que
alguém lhe potencializa, então realmente sabe que está amando. A potencialização
toma inúmeras formas: nos afetos, na alteração da percepção, na relação com os
outros, na relação com a vida; porém, para perceber o amor, é necessária a
cartografia; ela permite entender a potência, como ela funciona e se ela não é
uma paixão triste mascarada. O amor, a potência, pode ser uma des subjetivação
desejada; mas como amor, para potencializar, o amado não deve ser um objeto
usado para chegar a um fim. Ser amado, como palavra de ordem – que na verdade
significa ter poder em relação aos outros – é o desejo dominante na lógica do
controle, do espetáculo. Ser famoso e poderoso é o sonho de todos. O facebook
se tornou dominante, já que todos se sentem famosos a partir de suas fotos,
posts. Todos são viciados em likes, comentários, em compartilhamentos. O
romântico é viciado em linhas de fuga, elas potencializam ele. O idiota torna
espetáculo até o que comeu no café da manhã, compartilha a vida diária com
todos, mostrando a podridão da comunicação. Os tabloides sempre fizeram isso, vendiam
qualquer informação sobre alguém famoso. Teatro como situação, como ação
romântica, não é espetáculo. O teatro é uma ação contra o espetáculo. O teatro
é a existência do romântico; a vida dele é teatro, ele apenas joga, blefa com
todos aqueles que se espetacularizam. O romântico que se conscientiza da
espetacularização cria o seu teatro a partir da ética.
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Não uso citações, já que incorporei as
teorias, e agora estou com um trabalho realmente autoral, posso falar em meu
próprio nome, mas o meu nome é: Caos, Lúcifer, Bruxo, Legião, Puta Mexicana Barata,
Punk Velho, Ninguém.... Eu sou todos esses, mas quem está nas minhas costas
fazendo eu escrever são as Bruxas e as Escravas, e elas, ao mesmo tempo, estão
sendo comidas pelo Caos, e eu sou o Caos, já que não há lógica no caos; no caos
o impossível acontece, já que o possível é a vida de todos, e os românticos mergulham,
surfam no caos. É caótico perceber a necessidade de uma radical
despersonalização para que muitos digam que o trabalho está autoral – poucos
entendem o caos. Eu digo que eu não mais escrevo, mas os filhos do caos juntos
de mim, nós produzimos algo interessante, então, dizem, os senhores do bom
pensamento: “sim, o trabalho está realmente autoral, você está falando em nome
próprio”. Parei de ler em dezembro de 2016, ou seja, faz mais de um ano e meio.
Não tenho vontade e não sinto necessidade de ler livros e textos, mas “leio” a
cidade o dia todo, “leio” as pessoas, a mim mesmo, “leio” músicas o dia todo,
filmes, “leio” as falas de pessoas de vários campos do saber. “Ler” a cidade,
pessoas, músicas, etc, é algo absurdo, já que a cidade, as pessoas, as músicas,
etc não são textos, mas o Bruxo brinca como uma criança com o absurdo. Ao parar
de ler a produção ficou mais autoral por uma questão óbvia: deixei de lado, de
certa forma, as teorias dos outros e parti para a minha; virei um eremita
intelectual, escrevo com alguns poucos escritores e mais uma legião de legiões.
Isso não é método, mas questão existencial. As pesquisas se perdem nas
releituras, nas relações entre autores, já que o empírico, o raso, a vida, ficam
sempre em posição inferior; a torre de marfim, o escritório fica acima da vida.
Comecei a dar valor máximo ao mais raso do cotidiano para produzir teoria, algo
complemente diferente da vida redundante que se centra em estudar teoria para
produzir teoria. Eu já disse que estou sempre na rua, estou junto dos marginais
todo o dia, caminho sozinho de madrugada por espaços perigosos, os guardadores
de carros, os mendigos das áreas que frequento me conhecem e me respeitam; esse
é meu trunfo frente aos acadêmicos da torre de marfim, tenho um estilo de vida
diferente do estilo deles, o que potencializa meu trabalho. Uma noite vi um
rapaz sozinho na calçada, estava chapado e chorando. Falei com ele, ele disse
que estava com fome. Levei ele até uma lancheria, comprei um cachorro quente e
um latão de cerveja para ele. O rapaz me contou que já tinha sido preso, morava
num albergue e que os pais dele se recusavam a vê-lo. Meu ato não foi de pena,
apenas queria saber como era sua vida, o conhecer. Sempre sou perseguido por um
fantasma óbvio quando escrevo, me pergunto se não estou repetindo ideias de
outros, ou trazendo ideias fracas em relação a temas comparando com as ideias
dos outros. Porém, se eu lesse estaria sempre sendo perseguido por um fantasma
parecido, me perguntando: será que li o suficiente para me expor? A academia
produz acadêmicos, e acadêmicos parecem desconhecer às ruas, já que não dão
importância a ela. Conhecem a fundo certos autores, mas não entendem a loucura
da cabeça da mulher quando estão transando. Ficam nos afetos, mas não entendem
os afetos, e tentam entender os afetos não falando com a esposa, mas lendo Reich.
Não sinto vontade de voltar a ler, não devo voltar a ler, se voltar sei bem que
vou cair numa cama de gato e não sair; são teorias e mais teorias sempre, a
vida toda, e isso não se esgota... E antes de morrer o intelectual diz para si
mesmo que queria viver mais para ler mais, mas viveu pouco, já que estava com
os livros, e o que viveu não está em sua obra. Meu trabalho não é confessional,
não sou cristão, mas gosto de surfar no empírico e eu sou um objeto, por isso
trabalho no cotidiano. Os senhores do bom pensamento são os bons cidadãos; eles
pensam a partir do bom senso, seu senso comum, são os bons, as pessoas
importantes, os racionais, que se afirmam sempre; para eles a frase “eu é um
outro” é incompreensível. Para eles, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra
coisa. Dizer “eu sou uma puta mexicana barata” não me importa, já que “EU não
importa”, “eu” não diz nada, já que EU SOU LEGIÃO; e o mais importante: dizer
“eu sou uma puta mexicana” critica a necessidade dos bons de auto afirmação. A
despersonalização se refere ao devir, devir outro. Se eu quisesse tentar ser
uma figura pública, tentar ser famoso, obviamente, primeiro teria que divulgar
meu trabalho, o que não quero, mas também eu implantaria seios, uns belos seios,
e faria palestras, apresentações de minhas produções para públicos com os seios
à mostra. Mas não quero isso, não busco visibilidade; porém, implantar seios me
daria uma imagem monstruosa, eu estaria em devir com as mulheres, os queers, os
estranhos.
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O trabalho ganhou peso exatamente na minha
relação com uma tripla minoria, me coloquei junto a ela, ao seu lado, tenho uma
relação horizontal com ela, assim me tornei essa tripla minoria, não como
estado, mas devir. Os escritos são meus, mas também dela, estou com ela, sempre,
mesmo quando não estou fisicamente, sei que o trabalho é nosso, e talvez seja
principalmente dela. Assim, as minorias podem ser vistas como potentes, não sujeitos
fracos que devem ser protegidos. Dizer que quem escreve é o dono de duas mãos,
de dois olhos, de uma cabeça com um cérebro, o dono de um peito com coração, de
um note book, de ideias é pensar da forma mais simples que existe, pensar a
partir do bom senso. Para a esquizoanálise o corpo sempre está em relação com
muita coisa, o cérebro e o coração estão em conexão com ideias e sentimentos de
outras pessoas, legiões. O corpo que está aqui está realmente aqui? O que é
aqui? Eu sou o que? Os críticos, que não sabem o que é crítica, denunciam o
pensamento único; sim, louvam um pensamento com mais de uma direção, mas todas essas
direções apontam apenas para uma mesma direção: o bom senso e o senso comum. Os
que se acham críticos, os falsos críticos, se chamam de críticos para serem
pessoas especiais. Mas o crítico “real” não quer ser especial e diz: eu sou um
punk, eu sou ninguém. Eu perguntei para um punk em 1995: quem é você? Ele
disse: eu sou ninguém. E para ele assim estava bom; ele se deu esse apelido
“Ninguém” não como pena de si mesmo, ele apenas dizia: não me encha o saco, sou
ninguém, deixa eu ficar na minha. Essa é a nobreza dos ratos.
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O amor às minorias no senso comum não é
amor, mas paixão triste, não é amor, mas pena, pena que impõe às minorias a
vergonha de si: “tenham pena de si mesmos como nós temos”. Zeus também foi
escolhido por ser uma conjunção de minorias. Como cientista deveria tratá-lo
como um objeto; isso que os cientistas fazem quando trabalham com cultura pop: usam
os produtos de cultura pop, muitas vezes, artistas românticos, em função da
ciência. O cientista nunca trata como igual um idiota como Iggy Pop, ou Sid
Vicious, ou Júpiter Maçã, nunca se coloca ao lado deles. Eu sou um adolescente
como Zeus, um idiota como Vicious, um cara perigoso como Pop, louco como Júpiter;
e isso está mais que presente no meu trabalho e na minha vida; e como disse:
trabalho e vida para mim estão intimamente ligado. Dessubjetivar com as
minorias, menorizar o trabalho, a escrita, experimentar, traçar linhas de fuga,
criar mapas... Assim, devir é amor, amar a potência das minorias em si, criar o
comum entre termos heterogêneos; o comum é amor, o corpo sem órgãos é amor, “amar
a vida” é palavra de ordem, amar o devir é vida, é o que faz viver, não morrer.
Eu amo os punks, os marginais; e quando sou um punk marginal enfrentando outros
na rua, é o meu devir a partir do amor, ou seja, minha violência é amor.
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Monólogo-diálogo (?) articulado de um
esquizo com dupla personalidade e tendências suicidas
-
eu quero me matar com você
-
eu não preciso de companhia pra fazer isso
-
mas eu preciso
-
eu sei muito bem por que quero me matar, mas você... eu acho que não sabe. Se
você quiser se matar por uma questão ética, tudo bem, mas se for por uma
questão moral, eu não apoio
-
eu apenas quero, não fico pensando em razões, quero fazer com você
-
olha, eu sei que isso pode fortalecer nosso amor, por tua parte... a gente
planejar a morte juntos, como os outros planejam a vida – isso é bonito, pensar
assim. Mas eu não preciso fortalecer o meu amor por você, não preciso te amar
mais do que amo, já que o meu amor por você não é o amor dos outros, é algo
novo, inventado... você transpira beleza em tudo, é meu amor, último, primeiro
-
eu não entendo o que você diz, eu também te amo, mas você complica tudo, pra
mim as coisas deveriam ser mais simples
-
pense no que eu falei, algumas coisas vão ficar em você, você vai pensar, mais
e mais e mais, eu sei disso, daí é com você
-
você consegue me silenciar, mas gosto disso, do silêncio a partir das tuas
coisas, mesmo sem você, você está sempre presente em mim, sempre
-
eu sei.
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O ódio em relação às minorias se refere
também à potência delas, sim, são potentes por serem subjetividades
diferenciais. A percepção feminina é molecular, e Deleuze e Guattari sempre deram
grande importância para o devir mulher. Percebe-se esse ódio na captura da
subjetividade feminina a partir da transcendentalização dela, que se refere a
uma idiotização. Impõem a mulher a se pensar como sujeito não pensante, fraco,
que se agarra a qualquer tipo de dogma religioso transcendental. Dizem à mulher
que sua percepção é uma fantasia barata de outro mundo; isso se reflete na
facilidade das mulheres em se filiar a cultos obscurantistas como astrologia,
espiritismo, homeopatia. Também o ódio às mulheres é visto na naturalização da
violência contra elas. Na cama os homens fazem o que querem, já que são mais
fortes; muitas vezes são violentos, e isso é tão naturalizado que não chamam de
violência. Ser agressivo na cama é agressão, e agressão sexual é estupro. A
falta de desejo sexual, os fantasmas em relação ao sexo talvez se deem a partir
daí: elas se sentem estupradas, já que realmente são, de uma forma ou outra. A
violência natural do homem no sexo com as mulheres não é percebida, o homem não
nota, mas a mulher finge que não se importa. O sexo entre um casal que se ama
pode ser agressivo para a mulher; o homem carinhoso pode ter práticas
agressivas, e provavelmente tem; pensando assim, todos os homens que se
relacionam com mulheres são estupradores. Elas têm que aceitar o que o homem quer, até
quando não querem; e fazer sexo sem vontade, ser forçada a fazer sexo também é
estupro. Há uma incompatibilidade entre a subjetividade do homem e da mulher:
não conseguem conversar, têm desejos e sonhos diferentes, o que é importante no
sexo para o homem vai de encontro ao que é importante para a mulher, os casais
estão sempre em conflito, em guerra, um tentando destruir o outro; a mulher faz
sua bruxaria contra o homem e o homem a come por trás. Mesmo com a
incompatibilidade, os casais se obrigam a ficar juntos, já que fortalece o bom
mundo, o bom mundo de tristezas, ódio, o mundo das paixões tristes. Mas na
horizontalidade das relações, na sociedade
de parceiros, a mulher se torna homem, e não pode ser idealizado seu papel.
A mulher faz também o que o homem sempre fez, para conseguir um homem mente,
manipula, se impõem, é violenta.
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Concluí ao falar com o grande poeta que
não tenho vida, já que minha vida é teatro, é jogo. Todo mundo joga, mas meu
jogo é diferente; meu jogo é a situação, o quase teatro, quase existência. A
situação, como ação romântica, não é arte, mas também é arte. A situação é jogo,
já que se centra no blefe; ela é teatro, já que necessita de máscaras; a
situação é existência, já que não é feita num palco, mas na rua; e como há
sempre o choque com os outros, para os outros não é jogo, nem teatro, é a
realidade – sim, a situação funciona quando todos são enganados. O Romântico
porta o segredo de quem é realmente, mas pode muito bem não ser ninguém: meu
nome é Ninguém. Cartografia percebe as linhas, faz a crítica e busca a linha de
fuga. Situação é a experimentação das linhas de fuga na cidade; é mapear a
cidade, perceber suas linhas e produzir algo diferente dentro dela. Tenho
necessidade de quebrar com a vida cotidiana, e isso não é um sentido para a
vida, já que o romântico não pensa no futuro. A situação é atualizada no campo
do saber, como será exemplificado mais adiante, já que preciso escrever, e nem
sei porquê. As situações que pratico não são ações táticas. A ação tática é uma
situação na cidade, mas política, feita por coletivos de resistência,
principalmente em manifestações. Uso a situação por uma questão existencial,
quase individual; não é uma medicina individual, é uma droga que vicia, é uma
linha de fuga. Situação é comédia, rir do bom senso e do senso comum; rir, já
que sobrou apenas o riso, sarcástico, satânico. Situação se refere ao mais raso
do cotidiano, às falas, às relações entre os sujeitos no dia a dia. Tento perceber as linhas dominantes, as
relações dominantes, como as pessoas interagem, e a partir daí produzo
variações, diferenças, que às vezes podem ser radicalmente sutis ou agressivas:
fazer um determinado movimento com os pés quando caminho na rua, ou até agredir
alguém, no meu caso, sempre apenas verbalmente. A violência quando é apenas um
afeto é algo especial, mas a violência como prática é quase sempre um ato
fascista. A violência experimentada afetivamente, como afeto, pode potencializar
a subjetividade, já que o senso comum busca sempre a paz, a luz, o amor (o
falso amor). Os afetos violentos se referem à barbárie, são afetos bárbaros,
criados pela máquina de guerra. Não tenho roteiro, método e não sou espontâneo,
já que vou para as ruas preparado. As ruas são perigosas, não há a segurança da
casa, da escola, do gabinete, dos bares hipsters; e há espaços na cidade que
são radicalmente perigosos, e gosto de estar neles. Não ter medo é central, e não
tenho medo, já que enfrentei acontecimentos dolorosos, contatos com a morte.
Meu corpo é marcado por cicatrizes frutos de agressões, cirurgias, acidentes; também
já sofri overdoses; por isso, não sinto dor. Com 10 anos de idade, encarei um
acidente grave, tive que fazer cirurgias, me deram morfina, estava quase certo
que eu não teria mais movimento no braço. Eu poderia ter ficado traumatizado,
ter virado alguém com medo, porém, quando me recuperei, comecei a praticar
esportes radicais, ouvir música agressiva, andar com caras mais velhos e
perigosos; e por toda minha adolescência sempre enfrentei a morte. Esse foi meu
acontecimento inaugural, que me forjou como arma, uma arma perigosa,
principalmente para mim mesmo. Eu enfrentei a morte no acidente, venci ela, e
passei a jogar com ela, a morte. Eu nunca fui masoquista, mas sempre gostei de me
agredir fisicamente e não os outros. Se as relações entre as pessoas são
absurdas, então não há por que não agir de forma absurda. O absurdo das pessoas
comuns é a impossibilidade de harmonia, a podridão das relações, e eles
continuam juntos; o absurdo das situações concerne a fazer algo diferente,
buscar outras comunicações e relações, mas sempre rindo da vida cotidiana.
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Exemplos
de situações
Eu estava em uma festa na casa de um
amigo. Estava lá ela, dando em cima de mim. Eu estava com a boca cheia de
cigarros, meu ap estava sujo, sim, eu estava sujo; mas ela estava dando em cima
de mim, a bela mina angélica e pura, limpa demais para mim. Uma hora ela me
atacou, me empurrou na parede e tocou minha coxa. Eu a agarrei delicadamente,
direcionei ela até um espelho, a coloquei de frente para o espelho, eu fiquei
atrás dela, com a cabeça apoiada em seu ombro. Ficamos os dois de frente para o
espelho, como ficam casais em certas fotos, ele atrás dela... eu disse a ela:
olhe os teus olhos, olhe os teus olhos, eu estou olhando os meus, agora você
olha os meus e eu olho os teus, e agora só o que há são os nossos olhos. Isso
foi o suficiente para mim, caí fora, não fiquei com ela, já que eu nunca tinha
experimentado isso com outra pessoa, ela também nunca tinha experimentado,
nunca alguém no mundo tinha experimentado algo assim. Depois, em vez de tentar
ter um relacionamento com ela, a comer, o que qualquer um faria, escrevi uma
poesia, uma bela poesia, uma das mais belas já escritas.
Eu estava no hall de frente ao banheiro em
uma casa noturna, uma mina estava no hall, ela entrou no banheiro e eu entrei
junto. Ele começou a fazer xixi, mas disse: não me toque. Ela fechou o zíper da
calça e mostrou que queria sair do banheiro, eu disse: não, você vai ficar
aqui. Eu encarei ela de frente, coloquei minha mão em seu ombro, a forcei para
baixo e disse: me chupa, me chupa. Ela não conseguiu resistir, me impedir, estava
pronta para me chupar, eu a levantei, a abracei e disse: mina, por favor, nunca
faça isso, chupar um cara no banheiro. Eu sabia muito bem o que estava fazendo,
estava fazendo teatro, desde o início era teatro, sabia que ela não iria
resistir, sabia o que estava fazendo. No outro dia lembrei da cena em um filme,
muito parecida com a minha cena, era um filme do David Lynch. Eu repeti a cena,
mas da minha forma.
Estava em outra casa noturna, uma garota
deu em cima de mim no bar, conversei com ela, mas fui dar uma banda. Meia hora
depois, eu estava encostado numa parede, na minha, vem ela e me agarra – era
bonitinha. Eu beijei ela, mas decidi fazer algo diferente: pedi para bater no
rosto dela, ela aceitou. Dei um tapa inicial e depois continuei, aumentando a
força. Em determinado momento ela caiu fora. Poderia ter agarrado ela e ter
comido depois, mas teria feito o que todos fazem; preferi a situação, uma
situação meio sado mazo. Fiz algo
parecido com uma garota muito bonita em outro bar: a gente tava se agarrando,
eu estava sendo grosseiro e meio violento, de curtição, mas sem querer eu dei
uma joelhada na pélvis dela, e eu só queria dar uma encoxada. Essas situações demonstram
que o teatro, muitas vezes, é muito mais interessante que a vida comum: ficar
com uma mina, a comer, namorar. Em relação à violência, ela tem que ser
conceituada, e não há violência na situação, mesmo que pareça para os outros
que é violência.
Encenei com uma mina que tava aqui em
casa, falei pra ela com uma cara meio de psicopata: você entra na cova do leão,
dorme na cama do leão... Você acha que vai sair viva daqui, quem você pensa que
é? Ela disse: não me incomoda. Era uma amiga, que me conhecia bem, mas que
tinha passado por acontecimentos dolorosos na vida, e ela sabia que eu já tinha
sido um cara perigoso. Em determinado momento, ela ficou com muito medo, mas também
brava comigo, ela sabia que era teatro, mas temia que não fosse. Fiz isso mais
vezes com ela, na última vez ela simplesmente disse: essa noite você não vai me
comer.
Em um restaurante que frequento, eu digo a
todos que sou assexuado.
Umas minas estavam dando em cima de mim
num bar, falei pra elas: sou um michê, e só gosto de dar a bunda.
Uso um tênis dois números a mais e solto o
cadarço; quando caminho na rua com ele parece que estou bêbado.
Falei para um mendigo de madrugada, ele
tava sentado no chão da calçada: há algo de lindo na vida, que faz com que a
gente não morra; outro dia, declamei uma poesia para um guardador de carro, a
poesia começava assim: sou um rato na rua, só isso. Chamo de tio os mendigos
velhos e de primo, os jovens. Um morador de rua estava com um violão na João
Alfredo, era de noite. Pedi pra ele tocar um som. Ele começou a tocar Raul. A
gente começou a caminhar juntos, ele tocando o violão e cantando. Eu abracei
ele, e a gente caminhou juntos abraçados, ele tocando o som, por um bom tempo.
Tinha um monte de gente em volta, nas ruas. Falei para uns chatos que estava de
olho no carro, saquei que estavam pensando em o roubar: o carro tem seguro, mas
não roubem as minhas mantas.
Mastigo os dentes, faço sons com o nariz e
modulo o caminhar, todos pensam que estou cheirado.
Berrei durante minutos no ouvido de um
chato, que ele era um merda. Era teatro, estava tirando uma onda, mas o cara se
assustou e, depois disso, desapareceu da banda.
Chorei no bar, não sei se o sentimento era
real ou teatro, ou ambos, mas consegui modular até as lágrimas; umas minas em
volta olharam para mim com cara de pena.
Sempre quando tem policiais nos
restaurantes que frequento, aperto as mãos deles e digo: fico feliz em almoçar
com a rota, a cidade tem que ser limpa, estou com vocês.
Eu tava vestindo minha roupa mais punk,
estava em um bar. Vi a pessoa mais distinta, um senhor de 55 anos de terno e
gravata. Sentei ao lado dele no balcão e conversei com ele sobre política; em
10 minutos dei uma aula sobre política para ele.
Me fingi de bêbado e comecei a falar com o
pessoal que estava na frente de um diretório de partido; dei uma aula para eles
sobre a diferença entre acontecimento revolucionário e projeto político.
Disse pro pessoal que estava limpando a
piscina vazia do clube: vamos colocar uns rottweilers na piscina famintos
juntos com umas ovelhas, vai ser mais divertido que circo no sábado.
Eu tenho uma cicatriz perfeita no pulso, fruto
de um acidente, quando olham, todos obviamente pensam que foi tentativa de
suicídio. Gosto de deixar a cicatriz a mostra, principalmente gosto que
senhoras a visualizem; noto que as pessoas ficam assustadas.
Atravessei o centro, de carro, rindo
compulsivamente, consegui modular o riso; as pessoas que estavam nos carros
próximos riam quando me viam.
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Todos sabem que é um tormento ter uma vida
familiar, mas continuam tendo filhos; as pessoas são neuróticas em relação à
dinheiro, tentam economizar em tudo, mas, ao mesmo tempo, não conseguem não
consumir; são atormentadas por call centers, mas continuam usando smart phones,
e quando são muito atormentadas apenas trocam de número; odiavam Lula e PT em
2005 e agora amam; dizem que amam o que fazem, se orgulham do trabalho, mas odeiam
trabalhar; leem textos jornalísticos e literários sem nexo, assistem programas
de tv redundantes, veem filmes completamente fora da realidade, naturalizam
tudo, aceitam qualquer coisa sempre – aceitam, têm que aceitar, senão ficam
loucos, se matam, matam os outros, ou fazem algo simples: uma revolução; são
vigiados sempre pelos pais, amigos, seguidores, colegas, chefes, professores
nas redes, nos espaços de ócio, nos dispositivos disciplinares, são vigiados
pelos dispositivos do aparelho de Estado, são vigiados por si mesmos, e por
isso todos são paranoicos, e ninguém se importa; repetem qualquer coisa sempre,
já que todos repetem: desejam feliz aniversário, brindam em certos dias,
comemoram, sorriem em fotos, vão aos mesmos lugares no momento em que todos vão,
desejam conhecer os mesmos lugares, falam qualquer coisa, já que comunicar é
redundar.
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A vigilância se expandiu para praticamente
toda a vida, a vigilância é a relação social dominante. No facebook as pessoas
têm centenas de amigos, muitos são apenas amigos virtuais, ou seja, uma amizade
sem contato físico. Essas pessoas distantes passam a ser agentes de vigilância
do que é postado, a partir de likes, comentários; ou seja, pessoas distantes se
tornam próximas, e, sim, proximidade no controle é vigilância. Todos sabem que
os posts estão sob os olhares de todos e continuam postando, então, desejam a
vigilância. As relações nas redes sociais talvez tenham determinado as relações
interpessoais nas ruas. Pessoas que você nunca viu, que estão nos espaços públicos
que você frequenta, passam a lhe vigiar; sim, todos se vigiam nas ruas como se
estivessem nas redes. Muitos tentam se defender da vigilância, nos espaços
públicos, a partir do uso de smart phones, ou seja, fogem da vigilância na rua
para a vigilância na rede. No facebook, você posta uma mensagem, e pensam que
você postou a mensagem como uma indireta para pessoas que você nem conhece. As
pessoas se sentem mal com a vigilância, mas vigiam os outros, já que elas têm
que imitar os outros, fazer o que os outros fazem, senão vão ser vistas como
párias. Quando eu digo que não uso smart phone todos me olham horrorizados. Ter
medo de ser vigiado é sintoma da paranoia. A paranoia é um dos frutos do controle.
O medo leva ao ódio, ao descontrole, e o ódio é a base do fascismo. Talvez a
paranoia seja sintoma também do empoderamento, do aumento do potencial
intelectual da população. A centralidade do trabalho intelectual e afetivo
relacionada diretamente com as redes digitais criou um up intelectual; novas
formas de pensar e novas percepções e afecções foram permitidas; os cérebros
talvez tenham mudado – a mutação antropo mórfica –, e a paranoia talvez seja um
sintoma disso. A paranoia é impotência, mas pode ser uma potência. O paranoide
também pensa que consegue prever o futuro; prever o futuro é vidência, e a
vidência acontece a partir de um elevado poder intelectual, afetivo,
perceptivo. Será que todos viraram videntes com o cérebro empoderado, mas a
vidência é mascarada como impotência? A tensão, a pressão, o medo, a vontade de
morrer, a violência, esses sentimentos podem impedir que se perceba a potência.
O poder precisa de pessoas fracas, impotentes, que necessitem do poder; apenas
o fraco quer o poder sobre si, já que vê o poder como segurança. Todos são
shamans. As pessoas mais velhas, os que nasceram antes dos 80, são importantes,
já que viveram dois paradigmas, melhor, a passagem entre os dois paradigmas,
viveram o devir, a mudança radical, e assim, conseguem perceber melhor a
atualidade. Esses são Filhos do Eclipse,
do intermeio, possuem uma forma especial de vidência. Mas a vidência é sempre
apagada, deixada de lado, já que ninguém aceita ser visto como um louco, um vidente.
Perceber a paranoia no mundo, nos outros, em si, é ser louco e não ser louco;
já que o louco não sabe que é louco. Quando a loucura é percebida, ela é
controlada, ou seja, isso permite um poder sobre ela; é como controlar o caos,
ter poder sobre ele, e não há nada mais potente do que controlar o caos. O
hipocondríaco não apenas tem medo de ficar doente, ele produz enfermidades em
si mesmo, pela força da doença; se isso acontece, será que as pessoas não
teriam o poder de modificar seus corpos a partir da própria vontade? Para
perceber as mudanças são necessários instrumentos novos, usados por mentes que
entendem que muito mudou. Os que viveram o inter meio têm esse poder, mas ele
pode ser esmaecido, já que muitos, quase todos, percebem o paradigma posterior
a partir do pensamento do paradigma anterior. Esses são os enraizados, os
sujeitos da memória longa, os que se prendem à história, social, pessoal, e
desconhecem a cartografia. É muito fácil achar o pai na análise, fazendo a
história pessoal; mas para pensar o controle, sendo o pai um dos sujeitos do
controle, é necessária a cartografia. Os religiosos acham Deus em tudo; eles se
contradizem e sabem disso, mas continuam na crença. A cegueira religiosa se
assemelha à redução de mundo da terapia tradicional. A religião nega o mundo, a
terapia nega também o mundo, já que o mundo não importa, apenas a história
pessoal, a qual se refere à família. Amar apenas os seus, desconsiderar os
outros, não é amor, é ódio, é fascismo, os fascistas odeiam todos menos a si
mesmos e os seus. Amar os humanos mais do que a natureza não é amor, é ódio, e esse
ódio acabou com a natureza. Dizem que amam a natureza e os outros seres
humanos, os humanistas ecologistas de
pets, mas colocam em primeiro lugar os seus e a si mesmos, isso é fascismo.
Amar uma planta tanto quanto uma pessoa da família, esse amor pela planta é
devir, é amor. Pensar em si como “um outro”, alguém tão importante quanto
qualquer um, amar a si considerando-se como “um outro”, qualquer um, isso é
amor; e obviamente, esse “um outro” pode ser um rato, um pet, uma árvore, um
penhasco, uma estrela, um pôr do sol, milímetros de chuva. A importância da
droga psicodélica é a despersonalização; nas viagens o “eu mesmo” já era. A
droga psicodélica permite uma experiência do Corpo sem Órgãos radical, o
organismo, o corpo pertencente a um sujeito desaparece. A droga psicodélica pode
dar a sensação de ser um penhasco no fim
da tarde de um dia chuvoso, um penhasco que conversa com Buda, e buda na
verdade é um sapo, e o sapo é a primeira forma de vida do planeta. Timothy
Leary, o analista do LSD, dizia que todos deveriam tomar LSD, exatamente por
isso, para despersonalizar, fugir do controle, criar novas mentes não centradas
em si mesmas. O sexo livre deveria ser a descapitalização dos corpos, des
reificá-los, tirar a imagem do corpo como coisa pertencente a um sujeito.
Diriam que sexo livre é tratar o corpo e o dos outros como coisa, algo com
pouco valor; mas não, todos os corpos no sexo livre têm valor, o que não tem
mais importância é o pertencimento a um sujeito, a um cônjuge. O corpo humano não
luta para não morrer, ele não busca um bom funcionamento, já que ele não
funciona bem, é falho. O corpo humano é realmente o fim último da natureza, o
mais perfeito, comparando-o com os corpos dos animais desse planeta? Quando alguém
corta os pulsos, o corpo libera fluxos, de mijo, de merda; a mentalidade
dominante diz que o corpo faz isso como forma de defesa, para alarmar quem se
cortou. De um ponto de vista esquizo analítico, o corpo libera os fluxos já que
o corte impõe outro funcionamento para ele; ao traçar a linha de fuga, o corte,
aparecem outras linhas de fuga, o corpo entra em festa; o sangue é liberado e o
corpo quer liberar mais, mais linhas de fuga, ele quer mais e mais e mais,
liberar mais, quer se liberar do funcionamento normatizado, e não se importa se
vai parar de funcionar, ou seja, morrer. É uma prisão considerar que o corpo
luta para viver sempre, dizer que ele não pode morrer, desejar morrer. E o que
é morte? A vida em sociedade não é a morte? Zumbis em caixões. A área da saúde busca o corpo eternamente saudável,
um corpo espetacularizado, cosmetizado, capa de revista aos 100 anos. Esses
sujeitos que se dizem críticos reforçam o poder, já que produzem teorias que
não ajudam a compreender a atualidade, e só se tem poder frente algo
compreendendo, percebendo. A crítica deles na verdade é cegueira, a negação do
terceiro olho, exatamente o que a mídia impõe, o que a política e os
capitalistas querem, pessoas cegas. Essa é a questão chave política do campo do
saber: cegar ou produzir vidência. O cego é o paranoico que tem medo de sua
vidência; o vidente olha para si e para os outros e percebe que todos são
potentes e impotentes, se vê como um impotente, como alguém mau, que reforça o
sistema, já que todos reforçam. A colonização foi completa, não há mais fora, o
máximo que dá para fazer é criar linhas de fuga, que podem ser na existência de
um sujeito, na auto organização de coletivos, em ambos. Não conhecer o mundo
atual impede desejar, sonhar, projetar um futuro; perceber as potencialidades
atuais é fundamental para dar consistência a elas e assim projetar um futuro. A
única forma de destruir o poder é saber quais são suas linhas, como elas
funcionam. A ética nasce no momento que se percebe que todos são maus, que eu
sou mau, ela é má, minha família é má, meus amigos são maus, as pessoas são más,
já que todos sustentam o poder. Importante é deixar de lado o orgulho, entender
que todos são sujos; daí fica mais fácil de se limpar.
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Descontrolados com medo buscam no consumo
um pouco de alívio... ratos nos shoppings, nas cidades espetáculos, tentando
encontrar um sentido. Todos têm medo do futuro, já que a crise é generalizada.
Os sujeitos da crise são possíveis suicidas, e suicidas são assassinos de si
mesmos, ou seja, todos são possíveis assassinos. O fascismo é o assassinato
descarado, a democracia é o assassinato mascarado. Pensam na democracia
comparando com o fascismo, mas nunca imaginaram uma democracia absoluta. Todos
entendem a máscara, que o sistema mata de forma mascarada, e como sustentam o
sistema, então, todos aceitam o assassinato, todos são assassinos. E como não ter medo estando junto de
assassinos? Como confiar em qualquer um, como confiar em si mesmo? Se olhar no
espelho e ver que há um duplo, um cego e um assassino; e se o cego vê no
espelho o assassino, ele fica com medo, mas se o cego desaparece e fica só o
assassino, ele sai para a rua e faz o que sempre desejou, matar. Eu admiro uma
coisa nos fascistas: ele dizem a verdade, que realmente são fascistas; já o bom
cidadão, a esquerda, os ditos intelectuais, são piores que os fascistas, eles
mentem para todos e para si mesmos que são boas pessoas, se orgulham de quem
são, mas, como disse, amam o sistema, o capitalismo, a falsa democracia. Eles
só têm discursos que acham bonitos, mas vivem como porcos, são porcos. Eles
berram silenciosamente: eu não quero saber, eu não quero ouvir, eu me nego a
aceitar a verdade! Não querem saber, mas sabem; apenas não pensam sobre, eles têm
pesadelos, ficam doentes, neuróticos, já que reprimem a verdade que conhecem. A
prática esportiva deveria ser uma busca de vitalismo, mas praticam esportes
exatamente para aliviar o ódio, buscam alívio de todas as formas, em antidepressivos,
cigarro, álcool, esportes, sexo, religiões, mas nunca ficam aliviados, sofrem
sempre. A evangelização do Brasil é exatamente não querer saber a verdade, é
viver na fé, fé em qualquer coisa, ser cego; mas como disse: todos estão presos
a fé científica, midiática e política; e fé continua sendo fé, mesmo que seja
em deuses diferentes. A tensão é um vírus, é a base das relações: se não fizer
as coisas certas você se dará mal. Prazos, obrigações, mais e mais e mais. O
precariado sempre tenso atrás de emprego, o funcionário público com medo dos
cortes do Estado, os alunos, os filhos com medo das reações dos professores e
pais, as esposas e esposos que não se confiam, tensos sempre, o cidadão com
medo de ser assaltado, o povo com medo do rumo do Estado-nação, a ciência que
impõe o medo de se olhar no espelho, e todos tensos produzem tensão nos outros.
Tensão é o afeto perigoso daquele que pode explodir, ou explodir um pouco, ou realmente
explodir e matar qualquer um. O riso de Satã é exatamente a contemplação disso
tudo, de como todos aceitam tudo isso... estão mortos, sabem disso, mas dizem
estarem vivos.
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O idiota tem um nome, um registro, uma
identidade, é identificável. No pós moderno com as hibridizações, a não
estabilidade no trabalho, as modas, o futuro incerto, as identidades se tornam
flexíveis; mas todos dizem: “eu sou isso”; os livros se referem a pessoas que
se dizem escritores, as pessoas tem perfis nas redes, pensam no percurso de uma
vida a partir da geração, todos tem pais ou sentem a falta deles, são de
esquerda ou direita, afirmam uma sexualidade. As mudanças nas subjetividades
mostram que ninguém sabe o que vai se tornar amanhã, amanhã todos podem acordar
gays, aleijões, acéfalos, videntes, loucos, shamans. O futuro incerto, a
conscientização da crise constante como característica do capitalismo mostram
que amanhã qualquer um pode estar na rua, vivendo em barracas, roubando e
matando, ou em queda livre antes de ser despejado do apartamento. O trabalho
precário coloca todos em tensão, podem perder o emprego a qualquer hora; mas
não ter futuro pode ser algo especial, se desligar das pressões em função de
uma aposentadoria, apostar no acontecimento, experimentar o que está em mãos. As
pessoas precisam sentir os pés no chão, presos como se fossem raízes, mesmo que
no concreto. As pessoas se afundam em qualquer coisa: família, trabalho,
neurose. Precisam da segurança da mentira, dizem que amam e se amam, mas não sabem
o que é o amor. São cães perdidos, macacos imitando macacos que imitam macacos;
presos nas significações dominantes, nas palavras de ordem, nas pautas e
agendas. Elas se unem para não ficar sozinhas, mas unidas pelo bom senso e
senso comum. Uma moda aparece e todos entram na moda, como macacos. Se todos têm
algo todos querem ter esse algo. Aparece um tema e todos mergulham nele.
Precisam loucamente de um sentido na vida e compartilhar a vida com outros. A
monstruosidade é da multidão, e ela entende a potência da monstruosidade que
diz respeito a subjetividade pós moderna. O que seria a borda, um desejo
radical de fora, a alteridade não como método, mas como existência? A multidão
se refere às novas composições em rede, mas o hipster como sujeito de luta,
mostra que a multidão pode ser afirmação do sistema. Negrianos ainda acreditam
na política dominante, os Deleuzianos acadêmicos são esteticistas,
cosmeticistas.
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Fala esquizo projetada
Me
sinto tão só.... parece que nem eu estou aqui; queria ficar só, totalmente, mas
eu continuo aqui. Queria casar com ela, desde que eu não tivesse que a ver,
aliás, seria melhor nem a conhecer. Quando eu espeto agulhas no braço, eu não
sinto nada, e eu queria sentir, mas faz tempo que “sentir” não tem mais
sentido. Assei minha mão no forno e só senti um cheiro estranho, eu quis vomitar,
não pelo cheiro, melhor, mesmo com o cheiro não tive nem vontade de vomitar,
mal senti o cheiro, mas os vizinhos perguntaram se um rato estava morto no meu
ap. Não sinto mais nada, nem “sinto muito”, não estou morto é pior, já que
estou aqui e não estou aqui, se estivesse morto apenas não estaria aqui, mas
ainda estou. Eu caminho pela rua e todo mundo ri, as minas riem; por quê? Estou
de aniversário? Eu estou comemorando o aniversário da minha morte, mas se riem
pra mim é porque estou vivo, mas sei que não estou, pelo menos desejo não
estar... não sei. Sempre pensei que eu fosse alguém, daí descobri que não era,
que eu sempre fui Ninguém, nada mais
que uma Puta Mexicana Barata. Sempre
me olhei no espelho – não para me embelezar, nem para verificar minhas
cicatrizes –... o espelho me atrai, fico olhando: quem é esse, o que é isso?
Olho pra mim como olho as minas e minos nas ruas, sou mais um, mais um objeto.
Mando nudes pra todos, já que estou interessado nesse corpo: um cara grande,
ossudo, feio, mas muito delicado. Porra esse cara tem cintura, não tem pelos,
não tem músculos definidos, é tipo uma mina! E eu não estou obviamente
apaixonado por mim, sou apenas mais um, mas que me interessa – eu sou crush de
mim mesmo. Me comeria e depois iria fazer outra coisa. Estava na frente do
espelho e soquei com força, quebrei o espelho, cortei minha mão; queria dar
umas porradas naquele cara que me interessava. Não quero amizade com ele, muito
menos um relacionamento, eu o comeria de vez em quando, e de vez em quando lhe
quebraria a cara. As pessoas que eu mais conheço, as que eu gosto, eu não
consigo as chamar pelo nome, já que não diz nada. Os outros as chamam sempre da
mesma forma, os que não conhecem elas da forma como eu conheço. Eu perguntei o
nome da minha namorada pra ela na hora que a apresentei para minha família; eu
estava chapado, mas sabia o que fazia. Que nome é esse? Que apelido é esse? Porque
todos a chamam da mesma forma, das mesmas formas? E quem são essas pessoas?
Você eu conheço, sei quem você é, mesmo que você seja minha ficção, e, sim, eu
também sou minha ficção. Eu odeio proximidade com muitas pessoas, UMA já é uma
legião; e eu gosto de estar com UMA legião, mapeando sempre, e sei que poderia a
mapear e mapear sempre, e sempre me perderia nas legiões de legiões que a
compõem. Um pouco de muitas mulheres pra mim é pouco, é nada. Tenho que penetrar
de todas as formas, e é a pele, o cheiro, a ossatura, o olhar... me perco em
tudo isso e sempre preciso de mais; sim, sou obsessivo. Quando estou mexendo
meus lábios estou vendo meus lábios, entendo meu caminhar, estou me vendo, me
curtindo, curtindo o corpo, corpo que pode muito; sim, estou vendo alguém
molecularmente e não vou chamar ele de Eu, já que “Eu não importa”. Eu consegui
foder minha cabeça, tive que foder minha cabeça pra realmente entender o que
sempre vi, não podia mais me perceber como me percebia, e para entrar em mim tive
que me perder. Sempre digo a todos: não me pergunte quem eu sou, minha idade, o
que faço – isso não diz nada de mim. Se quiser ler o que eu escrevo, problema é
seu, se gostar, provavelmente não vou gostar de você. Me sinto um fantasma, um
morto vivo, um espírito caminhando entre esses seres que não entendo se estão
vivos ou mortos. Será que é isso? Sou uma viagem barata de cola? Estou em coma
no hospital? Gosto de estar sozinho, quero distância de mim e de todos. Não
suporto as pessoas, não suporto pessoas... eh muito pra mim essas legiões e
legiões, isso me dói. Eu já matei, já roubei, já fui morto, já fui roubado, eu
fiz de tudo e de tudo fizeram comigo, eu não sofro por mim e nem sinto muito. Quando
percebo meus movimentos e minhas falas... parece que tudo é uma repetição de
coisas que eu já vi, filmes ruins, falas de pessoas perdidas no passado,
trechos de livros, parece que não há vida, só essas repetições de coisas
idiotas. Acho que sou um macaco, um imitador, sou uma casca sem nada dentro, melhor,
que é preenchida por qualquer coisa... pensava que eu tinha um sentido na vida,
mas não há vida, apenas comédia. Sim, eu pensava estar criando, estava fazendo
arte, mas nunca foi arte. Eu nasci cego e fiquei cego até os seis anos, tudo
era tão legal e maravilhoso; então, fui curado da cegueira e um dia me olhei no
espelho: o que é isso afinal? Comecei a usar drogas em busca do que percebia e
sentia quando era cego, ajudou durante um tempo, mas depois tudo começou a
ficar redundante. Preciso ainda da narcose, já que ela faz com que eu me sinta
como se.... bem, na narcose parece que as coisas são realmente reais, não há
estranhamento; estranho é quando deliro sem drogas. Acho que essa é minha vida:
estou sempre chapado, mas estou sempre sóbrio. O que está acontecendo, que porra
é essa?
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Cartografar é experimentar, teste e erro,
sem se importar com o erro. A vida é a cartografia, a vida do romântico é a
cartografia, tentar sem morrer. Quanto mais tenta, mais irrompe para o outro
lado, abre as portas, louva o excesso, mas pode produzir. Uma revolução tem
êxito com focos de acontecimentos, isso vimos em 2011. O carnaval, as festas
são focos disseminados de consenso. Unem todos a partir de acontecimentos
programados para amortecer. As lutas em rede têm outra lógica. Uma vida
necessita de acontecimentos, para se tornar singular, o contato com a dor, com
a morte é muito. Uma subjetividade singular pode ser apropriada no fascismo,
visto nos petistas fascistas, nos guerrilheiro políticos, um jovem pode virar
um careta, como muitos hippies, vide os magos da tecnologia que se tornaram
corporativistas, drogados maravilhosos podem virar evangélicos, fascistas
caretas, uma revolução bela pode virar um Estado militar; menos pior é morrer,
ficar louco, sei lá. Mas se o corpo aguenta coisas especiais podem acontecer,
por isso Burroughs é pai do pós-moderno, ele foi o que mais aguentou.
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As lutas de 68 criaram novas
subjetividades, e permitiram as democracias. O uso de drogas, as novas relações entre gêneros e
sexos, a parceria com os não brancos, a vida em comunidades, o culto a
religiões não baseadas no cristianismo, a ecologia, a disseminação da arte pop,
a tecnologia digital, tudo isso, as marcas da virada dos 60 para os 70, foi a
base para as revoluções moleculares, e estas criaram as democracias. A
genealogia é pensar no que aconteceu para sermos quem somos, entender o que
realmente aconteceu, dar importância para os acontecimentos, não se prender na
história; a cartografia é pensar na potencialidade atual e buscar ou não um
futuro. Hoje o hipster aponta para o último homem, o democrata. O hipster é o
sujeito de 2013, é o sujeito de 2011. Mas as lutas não eram apenas hipsters, os
anti sistemas estavam presentes. O hipster aposta no bom futuro, o anti sistema
não pensa no futuro, é um romântico.
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