sexta-feira, 28 de julho de 2017

manifesto pelo estupro corretivo de machos


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Os antidepressivos talvez sejam uma forma de controle, criar uma manada feliz; é, os trabalhadores 10 horas por dia na empresa, sorrindo, felizes, a utopia do capitalista. O álcool devia ser o antidepressivo da época em que a fábrica era o centro da produção. Trabalhavam tantas horas e depois iam pra casa e bebiam, o público e o privado separados. Agora, como não há mais separação, dão antidepressivos pra todo mundo ficar felizinho o dia todo, mesmo se fodendo. E o mapa está pra ser montado, as linhas traçadas. A hipocondria pode ser uma neurose presenteada pela área da saúde, uma forma de controle, como pode ser um devir. Como devir, na hipocondria, pela percepção molecular, dá pra viver uma relação com o corpo especial; dá pra ter afecções e percepções que dizem respeito à doença. O hipocondríaco delira, se sente como estivesse sofrendo das piores doenças possíveis. Ele não tem a enfermidade, mas se sente mal como se tivesse. E não falo nos sintomas manifestos, mas na afecção que acompanha quem está doente. Quando ele delira que tem aids, ele não manifesta os sintomas da doença (mesmo que as vezes manifeste), mas se sente mal por pensar que a tem. Isso é importante, sentir algo impossível pra si, só possível no delírio. Algo parecido com os sonhos, melhor ainda, os pesadelos. Ele sonhava que ia ser enviado pra prisão. Ele sabia no sonho muito bem o que o esperava: ia virar a menina da turma no presidio e não tinha o que fazer. Toda essa situação, no sonho, lhe impunha um afeto muito forte, muito real, cruel. Ele nunca foi nem vai ser preso em vigília, mas a partir do sonho... o sonho lhe permite entender como um preso se sente. Não é essa a importância da arte? Ter percepções e afecções impossíveis pra certas subjetividades, formas de vida. A arte ajuda a conhecer o mundo, também das afecções. O delírio da droga, sua importância, é exatamente essa.
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Sim, há formas de vida, vitalismos, formas especiais de vida por toda a parte, mas mesmo assim.... todos se sujeitam o tempo todo pra manter um mínimo de dignidade, têm que aceitar muita coisa pra continuar vivendo: trânsito opressor, trabalhos mal remunerados, dinheiro vindo de pessoas asquerosas, lutar por certos direitos contra pessoas asquerosas como político, cumprir com os deveres, acreditar em direitos. Mesmo coisas que parecem banais podem ser frutos do controle: escovar os dentes, limpar a bunda, ter uma conta em banco, receber ligações estranhas, dizer: “bom dia”, “olá”, “parabéns pra você”, “eu pago mês que vem”, alugar um apartamento, comprar um carro, ganhar uma bolsa, comprar um seguro de saúde, ir no supermercado, cumprir horários, mentir que está sendo fiel, ficar paranoico ao subir o morro, filas, filas e filas, comer bem, foder bem.
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É interessante que esse é exatamente o discurso que sempre ouvi dos punks, os punks nas revistas, nos documentários, nos shows, os punks nas ruas, meus parceiros. João Gordo se tornou o maior punk do Brasil já que era o punk mais letrado, ele terminou parte do segundo grau. E esses punks da rua, com 20 anos e só quinta série, meus amigos, eles sempre falavam isso; diziam: é cara, a gente tá dentro do sistema, a gente arruma grana... é, a gente às vezes tem grana, e vai no super, naquele grande ali na Rua Riachuelo, e a gente escolhe uma massa e entra na fila; é, não tem como estar fora do sistema. É interessante que depois de ter terminado o doutorado, de ter escritos muitos livros, de ter um conhecimento de certa forma bom de alguns caras difíceis de ler, depois disso tudo.... Bem, tudo isso me fez entender a importância do posicionamento punk, me fez entender os punks, me aproximar deles. Eles dizem: você está completamente fodido por dentro e por fora; não há muita diferença entre ser currado e pagar a conta num restaurante. Você luta... não, você não luta, você mendiga, chafurda o tempo todo pra conseguir quase nada. Um pouco melhor, um pouco mais de dinheiro, de direitos, sonha com outra vida, mas é a mesma vida, não consegue pensar em uma vida realmente diferente. O Punk desletrado entende a vida, entende a outra vida, a enxerga como poucos.
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Sim, você sacraliza o cú, que não difere muito da boca, do dedão do pé, é só parte do corpo. Ser currado por trás não é nada, e pode e deve ser gostoso. Se a tua mãe dá o cú, se a tua mulher dá o cú, se a tua amante dá o cú, se a tua filha dá o cú.... o que tem de feio em dar o cú? Melhor um pau, um dedo, um braço no cú – um pau limpo, um dedo limpo, um braço limpo – do que um pedaço enorme de merda. Você não chupa dedos? Você não mete a mão no pau e depois passa no rosto? Não limpa a testa com o braço? Mas você não faz isso com merda; não vê problema em sair merda do cú e acha o fim do mundo um pau no cú. Você não dá o cú, já que acha que dói e é imoral, mas aceita numa boa entrar numa fila no banco, abrir uma conta no banco, pagar contas, se foder todo o mês, odiar a sua vida e só conseguir se sentir bem com uma garrafa de uísque, sabendo que vai se foder no outro dia com a ressaca, que é só moral.  Ah, você não dá o cú, já que vão te chamar de viado; vão rir de você. Só que a tua esposa ri de você, os teus filhos, os teus amigos, o cara que te atende no bar, todos riem de você e você ri deles; todos são uma piada pra você e você sabe que é uma piada pra todos. Você não dá o cú pra não se sentir humilhado, pra não se sentir menos homem, pra não sentir vergonha. Mas o que o Punk diz? Você não é homem na relação com o patrão e os que estão acima de você no trabalho, você é um escravo; você abaixa a cabeça facilmente pra manter o emprego, e tudo isso não é diferente de ficar de quatro. Você se submete ao gerente do banco, ao policial, aos políticos que vota, você é sim um submisso, um fraco, você é a ralé; a única diferença é que você tem um carro e uma casa, ou seja, você é um submisso, alguém da ralé, mas com adereços. Você tem um pouquinho a mais, e esse pouquinho a mais faz você pensar que não está levando no cú; só que isso é ilusão: “caminhe na faixa” não é diferente de “se ajoelhe no altar”, que não é diferente de “se sente na mesa de jantar” ou “se sente como uma pedra por mais de oito horas por dia na mesa de trabalho”, e tudo isso não é diferente de: “se abaixe que vou te currar”. Só que tem gente que dá o cu com prazer; parabéns a eles, são dos meus; mas ninguém se submete no trabalho a vida toda sentindo isso como algo prazeroso.   
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Deveria rolar estupros corretivos de machos, por gays, mulheres e lésbicas. Melhor, sem violência, eles deveriam ser fodidos por trás como um gesto de amor, com carinho, de uma forma que eles gostem. O machismo em parte seria abalado; e mais, o território da sexualidade, dos prazeres seria aumentado, o cú estaria em jogo. Preto só se fode, mulher se fode, gays se fodem, todos se fodem só por serem quem são; e não é metáfora, é ser fodido sim, dá no mesmo; e é pior já que são fodidos por serem minorias. Na cadeia você leva no cú uma vez por noite, digamos, depois de um tempo lá dentro; um preto sofre 24 horas por dia a vida toda, suas moléculas são fodidas sempre, desde o nascimento. Um homem fode a esposa, os filhos, quem está abaixo na hierarquia social, por trás com dor, mas diz que é um gesto de amor. 
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O primeiro gesto paterno e materno – e não importa qual pai for, qual mãe for, enquanto existirem pais esse gesto se mantém – é obrigar alguém a nascer, em determinada família, com seus valores, em determinado país, neste mundo, ainda mais como ser humano. Não vejo motivo de alguém ficar feliz por ser humano. A luta pela vida, o amor pela vida, como conceitos do senso comum, são palavras de ordem. Claro que amor e vida são conceitos reinventados por muitos coletivos, artistas, teóricos, por muita gente comum em banheiros públicos de casas noturnas. “Eu queria ter apenas um buraco, e não uma boca e um cú”, disse o pai dos Punks, Bill Burroughs. Mas o corpo humano é essa coisa organizada, estratificada, e isso vão te dizer a vida toda, que o corpo é isso o que todo mundo vê, o bom senso. O corpo é reinventado, em bares, ruas, okupas, na arte, na teoria. Há uma luta contínua pra produzir diferença, a linha de fuga não é fácil de ser traçada, e mesmo traçada, pode falhar. Mas e aqueles que não querem lutar, mas não querem também se submeter, os que nem queriam ter nascido?
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Dar o cú é um afeto, uma sensação; o problema é quando dar o cú se torna uma questão moral, que atinge os machos, os machistas. Pra eles dar o cú é se submeter a um homem, é se tornar uma mulher. Sim, “como eu sendo um homem permitirei que me vejam como um ser baixo, vil, fraco, de segunda categoria, como uma mulher? ” Dar o cú não mata, não põe na prisão, mas agora se o cara decide parar de se submeter ao chefe, ao político, ao policial, às leis desumanas, o que vai acontecer? Vai se foder e a foda vai ser pior do que ser currado por trás. Mas então parece que ele gosta disso, de ser fodido por quem está acima dele, tanto que não faz nada contra, nada. Na prisão é isso: você tem que se submeter, na boa, dar o cú na boa, ficar na sua, aceitar as regras, daí você continua vivo e de repente arranja um namorado, daí não tem mais que dar o cú pra todo mundo. Isso não é a vida na sociedade, se foder caladinho, calmo, pra não doer tanto? Você vai se foder o ano todo, mas vai ter quinze dias de férias; daí no fim da primeira semana diz: não aguento, tenho que voltar pra prisão. Sim, a praia é tipo o pátio da prisão, mas você gosta na verdade do endurecimento máximo. Quando a criança se apaixona pelos pais, é exatamente isso, se apaixona pelo mais forte, a quem vai ter que obedecer. É como o currado que se apaixona pelo currador. Se você é fodido por todo mundo na cela e aparece alguém que diz: “eu vou cuidar de você, se você for minha gatinha”, como não se apaixonar por ele?
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Eu sou fodido, então vou foder. Busque o mais fraco, sempre aparece alguém mais fraco. Dá no mesmo, é como se tornar alguém mau como os curradores da prisão; não é essa a grande função da prisão, criar caras maus, que encaram todas? Após anos em casa a gente aprende como se tornar um bom cidadão, a casa é um espaço de formação, a prisão também. O controle em todo lugar, sempre, em tudo e todos. Os olhos dos outros, meu olhar pra mim mesmo. Talvez as regras dos bandidos sejam menos duras, apenas mais violentas.
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O okupa é alguém que se quer pobre, cria valores diferentes. Odeia, não suporta a classe média. A classe média se acha letrada já que conhece todos os termos, jargões, conceitos impostos desde cima; acha normal a espetacularização da política, do Estado. O capitalismo nunca é contestado. Os okupas não existem pra classe média já que contestam os valores médios, e a classe média não quer ser contestada. Não houve mudanças nas lutas desde 2011, dizem, já que se interessam só pelo Estado, e como esse Estado lhes deixa com mais conforto moral e financeiro. Não estão nem aí se os ânimos, as subjetividades dos coletivos mudaram, se novas formas de luta apareceram. Querem o Estado, sempre Estado, e quem não quer Estado é louco. Feliz com sua segurança, a segurança da prisão, o classe média é tipo alguém com dinheiro na prisão, não vai ser morto nem currado desde que pague, tenha dinheiro pra pagar sua segurança; mas continua a ser um preso, tem que aceitar as regras, senão vai virar uma mulher. 
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Os hippies ainda acreditavam que dava pra cair fora, tentaram criar suas comunidades. Os okupas mostram que não tem como sair fora, então experimentam desde dentro. Viver com suas próprias regras, na cidade? Impossível. Se animalizar numa floresta? Suicídio? Como a morte ainda é vista como algo negativo, sobram as linhas de fuga, que é o sentido da vida, é a vida, a linha de fuga é a vida. A submissão é a morte em vida, as linhas de fuga são traçadas pra que a gente não morra.     
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Os presídios são um tipo de espaço, mais um tipo, dentro de uma prisão enorme, a sociedade. O presidiário não está nem aí se vai voltar pra prisão, já que a prisão é a vida, e ele sabe bem disso. Ele que sabe, é sua sabedoria: se socializar, viver em sociedade, é se sujeitar e sempre, com muita dor. A criança ama seu cercadinho e depois seu quarto e depois sua casa e depois se sente naturalmente bem na classe, no cercado do recreio e depois conhece as ruas e sabe caminhar na faixa e depois entra facilmente no jogo adulto, do trabalho. Tudo igual e sempre: úteros, cercadinhos, quartos, salas, casas, ruas, escolas, cidades, empresas, o leito de morte no hospital, o carro, o supermercado, o banco, a loja, o shopping, o restaurante, o hotel, o motel, a cidade de turismo, a praia, o posto de gasolina, a loja de conveniência, o sexo, as relações entre gêneros, entre idades, classes, raças; tudo tão igual, e sempre.... Isso é assim já que encontraram a forma certa, eficaz, perfeita pra bem viver? Ou é uma coisa simples e fácil, mais simples e fácil de controlar todos? Simplificam a vida ao máximo já que é a forma mais fácil de submeter. Ratos na gaiola são mais fáceis de serem controlados do que inúmeras espécies na floresta. Quem controla uma floresta? O tempo, as árvores, certos grupos mais fortes? Há grupos mais fortes na floresta?  
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E ainda somos modernos, radicalmente modernos? Há algo além, e nomeado, além das velhas dicotomias? Esquerda e direita, mais esquerda e mais direita, há algo além disso? Prazer e dor? Sonho, vigília? Loucura, sanidade? Idiotias e inteligência? Esse algo além, existe? É nomeado, afirmado, buscado? O controle é criação de um mundo rígido, mas simples, tipo arquitetura moderna funcional.
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A arte é caótica, todos sabem disso, mas ela na verdade é um elemento de bom gosto, que diz respeito à subjetividade burguesa; é um caos a ser vendido como espetáculo. O gay era caótico, barulhento, esteticamente estranho; hoje os gays são alvo de consumo, o mesmo com os negros, mulheres e outras minorias. O capitalismo quer consumidores e produtores, importante é a grana, que todos se submetam e consumam. O capitalismo reúne todos, todas as subjetividades diferenciais, e cria uma identidade única: o consumidor.  Dar o cú vai ser a próxima moda.

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