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Eu
tive amigos com belas vidas. Não eram bons alunos, mas sempre passavam de ano;
eram mais calmos, namoravam firme meninas. Sim, se drogavam mas sabiam a hora
de parar. Se pintava muita cocaína na banda arranjavam desculpa e iam pro
interior visitar os avós. Como não queimavam o filme, os pais davam dinheiro, e
isso ajudava em tudo, principalmente em conseguir as minas que não eram caídas.
Uma mina, que não tava estudando, que bebia vodka na rua, de dezesseis anos –
que podia ser a paixão do garoto skatista que toma todas –, esses amigos de belas vidas nem olhavam. Eles – os da bela vida – tavam nos mesmos ambientes que os
malucos: Oswaldo, Lider, Porto de Elis, Araújo Viana, CB. Não era difícil de
ver eles com o nariz sangrando, de ver eles com os olhos injetados, de ver eles
sorrindo muito loucos; mas só que na segunda de manhã, bem, eles tavam na sala
de aula. Entraram cedo na universidade e a partir daí viraram adultos, pessoas
estudiosas e sérias, a carreira deles começou aí. Sim, ainda, faziam merdas,
mas não se afundavam nelas. Belas vidas, de experimentações, loucuras,
mulheradas, mas também de estudos, estudos sérios, que levaram eles pra
carreira bem sucedida. Uma vida com belas histórias pra contar pros filhos, mas
também com histórias especiais pra lembrar com os amigos no sábado de noite.
Belas vidas, mas não necessariamente especiais. As vidas especiais são aquelas
que se atualizam de alguma forma na arte. Muitos que escrevem sobre elas,
viveram essas vidas. E isso não é algo positivo, de forma alguma; quem gostaria
de levar uma vida especial como: a de Jean Genet, o prisioneiro gay? Ou a de
Bukowski, o pobre alcoólatra? Ou a de De Quincey, o viciado em morfina,
paupérrimo? Ou uma vida como a de Dean Moriarty, o viciadão, morto muito novo?
Ou a de Carl Solomom, gay, louco, interno de manicômios? Ou uma vida como a de
Dee Dee Ramone, quinze anos, viciado em morfina, michê? Ou como a de Edie
Sedgwick, viciada, morta muito nova? Ou a vida da trupe de Miguel Piñero, gays,
michês, prostitutas, viciados, mortos por overdose, cirrose, aids? E sim, todos
esses foram imortalizados por fazerem arte; mas e aqueles que levam vidas
parecidas mas não produzem obra? Os caras da ralé, exatamente os ídolos desses
que viraram ídolos que citei acima. Quem gostaria de ser como eles, ser a ralé?
Talvez apenas eles mesmos, aqueles que vivem essa vida já que é a única forma
possível de vida antes do suicídio.
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Na adolescência, ficava puto já que nunca ganhava nos jogos tipo General, Poker, War. Meus
amigos sempre ganhavam já que eu era o mais novo, eles tinham cinco anos a mais
do que eu. Saquei que não tinha como vencer, como disse, eles eram bem mais
velhos, e, então, vi que a vitória em um jogo não significa nada; é só um jogo.
Daí comecei a fazer jogadas especiais, jogadas malucas, ousadas. O skate é
isso, pra quem não compete; o cara só busca uma manobra legal. Pular mais alto
do palco num show, isso é legal, ousado; como outras coisas idiotas, mas
perigosas: beber de uma vez um quarto de uísque; fumar de uma vez um baseado
enorme, em um pega; tomar elixir paregórico e vomitar, tomar de novo e vomitar,
tomar de novo e vomitar; engolir caixas de estimulantes mesmo que dois comprimidos
fossem mais do que suficientes; ter a infeliz ideia de meter uma quantidade
enorme de pó embaixo da língua e depois fritar na cama. E tudo isso.... bem,
são jogos, brincadeiras de garotos. Só que o cara vai ficando mais velho e tudo
fica mais perigoso; pouquíssimos seguem na vida. O gênio do som de Manchester,
um idiota, com muito estilo, ele diz: é, me deram uma grana pra gravar um
grande disco, mas pra que fazer isso? Daí ele pega toda a grana e compra em
crack. E o importante é isso, a loucura e não uma carreira de sucessos. Se faz
arte não pra ser alguém de sucesso – apenas uma pessoa boba pensaria que se
daria bem por fazer arte, poucos conseguem. Legal é não tentar ser um artista bem-sucedido,
mas, sim, ser louco como muitos artistas, e isso já é arte. E quando se faz
esse tipo de arte... bem, o cara faz já que não dá pra fazer mais nada. “Eu vou
tomar um jeito na vida a partir de agora”, essa deve ser a máxima dos
perdedores que se negam a ser perdedores. Em o Homem do Ano, o filme, o personagem
principal entra num jogo que o leva cada vez mais pra baixo, exatamente quando
decide se tornar um cidadão de bem. Renton em Trainspotting diz ao longo do
filme que queria ter uma vida de bom cidadão. Dean Moriarty tentou muitas vezes
ser um bom pai. Burroughs largava a morfina, mas continuava na
loucura, tomando todas as outras drogas; ele era mais inteligente, entendia
como as coisas funcionam. Um amigo meu de cinquenta anos tava em uma clínica e
o pessoal dizia pra ele, os enfermeiros, eu mesmo dizia pra ele: cara, você tá
velho, a gente sabe que você não vai parar, mas faz a loucura sem queimar o
filme, e ele não conseguia não queimar o filme. Muitos pararam sim... Mas quantos
morreram? E era isso, é isso: a droga ou a morte. E na real, quando a morte
chegar, que chegue. Um dos músicos dos Dolls sai da clínica e compra na hora
uma garrafa de uísque. O tio, meu vizinho aqui da banda, na Cidade Baixa, ele é
alcoólatra, passa o dia sozinho, quieto, na dele, bebendo sua garrafa de canha
com refri. Ele vai pra clínica com frequência, vai e volta. No dia que ele sai
da clínica, compra garrafas de Sete Campos e mistura com refri. Bukowski quase
morreu já que teve uma séria hemorragia no estômago; e daí o médico disse pra
ele: mais um gole e você já era. Um mês depois tava bebendo como gente grande.
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