domingo, 24 de dezembro de 2017

Se você não aceitasse o assassinato teria o suicídio como solução


Em Mil Platôs o devir mulher é sempre considerado o mais importante. A subjetividade feminina diferencial em relação à subjetividade dominante é importante por ser molecularizada por excelência. Porém, as mulheres talvez tenham sido a primeira subjetividade minoritária a ser incluída. Há resistência, diferença, na subjetividade feminina ainda? A inclusão foi total? As mulheres e homens no pós-moderno não formam uma massa indiferenciada? Mas a inclusão, mesmo que signifique um tipo de normatização, ela é importante; na inclusão feminina há algo de feminilidade que desterritorializa a subjetividade dominante, então, o social é atingido e modificado. Há algo da subjetividade feminina como resistência no social, em todo ele. A molecularidade feminina, assim, faz parte da subjetividade masculina. E isso – a desterritorialização e reterritorialização – se refere também às outras minorias, gays, negros, etc. O capitalismo busca a homogeneidade, a indiferenciação; e a indiferenciação é a morte, e essas linhas de fuga concernentes às minorias são a vida. As drogas psicodélicas foram tão “importantes” para esse momento extremamente “importante” para a vida global – a “contracultura” – que afetaram a subjetividade das massas. Produtos “culturais” após a “contracultura” são influenciados e muito, e às vezes diretamente, pelas viagens psicodélicas; estas desterritorializam as massas e depois disso, somos todos loucos, viajantes, subjetividades monstruosas:

E eles tinham medo de que seus filhos fossem destruídos por monstros, mas eles não sabiam que eles já eram monstros e seus filhos eram mais monstros ainda.

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A função da terapia em clínica de reabilitação é incluir, socializar o drogado. A ideia da lei seca impera, droga zero. A terapia tenta incluir e não importa se o cara vai virar um fascista, um chato, um careta, alguém infeliz; importa isso: que ele se torne mais um. Como não se importam com o molecular – os psis – não conseguem ajudar a entender a molecularização da percepção; se tivessem interesse pelo molecular, poderiam mostrar que dá para ficar chapado de cara, já que a narcose faz parte da percepção de todos. Mas em nome da vida, tentam capturar a vida, bloquear os fluxos em nome da boa cidadania; e a vida para eles é a boa cidadania, a gorda saúde dominante. “Vamos salvá-los, curá-los! Vocês não têm a opção de ser doentes, vocês têm a obrigação de ser saudáveis”. Contra esse discurso, a crítica: eu me nego a ser sadio, eu me nego a aceitar a saúde dominante.
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A luta contra o controle é a luta mais ampla. O controle é o impedimento da diferença nos corpos, nas existências, subjetividades. O controle é a prisão, a morte. O machismo é uma expressão do controle, como é o racismo, a homofobia, o fascismo, a política dominante, a proibição, a comunicação, o moralismo, a desvalorização da produção, o consumismo, o antropocentrismo, a saúde gorda dominante; as leis são formas de controle, como são as relações entre castas, pessoas, as relações consigo mesmo. O controle é a prisão, e há pouca vida em uma prisão, é o mais próximo que alguém pode chegar da morte, aliás, é pior que a morte, a prisão é o inferno.  A vida capturada, a existência padronizada imposta não é a vida em fuga, a vida que vive; a morte como forma dominante de vida coexiste com a potência da vida.  A vida é só o caminho de um corpo individuado? Ser posto no mundo, ser ensinado, disciplinado e vigiado; ter prazeres, comer, beber, fazer sexo; economizar e gastar, economizar e gastar; ter cada vez mais posses; respeitar os que estão acima: pai, professor, patrão, políticos; se sobrepor aos outros, principalmente os mais fracos, empregados, filhos, as minorias que ainda existem; lutar para não adoecer, nem morrer; usar as redes sociais, comunicar, falar e falar e falar, falas desligadas do significado, puro som, sempre o mesmo som, melhor, sons diferentes, mas com apenas um significado: viva o controle!; aceitar as coisas como elas são sem fazer muito barulho, quando se é contra as coisas como elas são; viver na cidade, não se importar com a estrutura urbana; ser perseguido “sempre” pelos mesmo fantasmas, a neurose, o estrese, a paranoia e ter “sempre” a percepção de que tudo está perdido, mas berrar ao mundo: ano que vem vai melhorar!  
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A vida pulsa, biopotência, potência da vida. Há vida e muito quando corpos singulares se misturam e criam corpos mais singulares, corpos por vir. A vida pulsa quando a criança, diz “não” aos pais. Há vida quando quebram as hierarquias, as regras, as leis. O comum é a vida pulsando, e o comum não são regras nem leis e sim ação em comum entre termos heterogêneos. A primeira acampada foi o sinal de uma vida que transbordava de vida. Marcos e a EZLN encheram de vida o Ocidente numa época dominada pela a morte. Kerouac só na banheira, cheio de vida escrevendo On The Road, livro atualizado nas massas da contracultura. No fim dos 60 a vida estava explodindo, os corações e mentes, e isso ainda está aqui em muitas coisas. Deleuze se matou em nome da vida. Sexo tântrico, arte, situações no cotidiano, isso é vida. Manifestações de coletivos são expressões da vida. Manifestações são formadas por coletivos, coletivos reúnem pessoas, pessoas são compostas de muitas pessoas, pessoas são coletivos. Sou legião, SOMOS LEGIÃO – a legião é um agente cheio de vida. A sabedoria das ruas que tem um crakeiro, ou um morador de rua.... Como atingir essa sabedoria? Capturar a riqueza deles em nome da ciência? A sabedoria deles é vida; capturar sua sabedoria em nome da burocracia, isso é a morte. Quando um artista se nega a aceitar as diretrizes dos financiadores para tornar vendável seu trabalho, isso é vida. O cara que larga tudo, a “vida” pequena burguesa, não aceita ser rico, deseja a pobreza é alguém cheio de vida. Odiar, não aceitar as hierarquias, o consumo, não como uma forma de purificação, mas de crítica radical: a crítica é um elogio à vida. Eles, os realmente vivos, os amantes da vida, dizem: prefiro a morte já que me nego a ser um zumbi que aceita qualquer coisa. 
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Os pais geram filhos não por amor, mas por ódio; precisam ter alguém abaixo deles. A maior felicidade da mãe – ter um filho – é a paixão triste; como mulher, filha, esposa sempre esteve abaixo, daí deseja ter um filho para dominar alguém. Juntar os “belos” genes com os “belos” da esposa e construir alguém.... eles se acham lindos e por isso têm filhos. Os pais não entendem a riqueza dos signos das crianças, as consideram seres inferiores. A única relação que têm com as crianças, menos danosa, é o ensinamento. A criança tem que deixar de ser criança e virar adulto. É uma vergonha ser criança, alguém fraco, extremamente fraco, não consegue nem limpar a própria merda, depende deles para tudo. E os pais odeiam isso, a fraqueza, a impotência, odeiam suas crianças por serem crianças. O filho não tem o que fazer, é fraco fisicamente, está legalmente nas mãos dos pais, se ele não tem força para morar na rua ou para se matar, deve aceitar. Então, aceita e para doer menos, para manter o orgulho, um pouco de dignidade, diz: eu os amo. Ele diz: eu amo meus pais, por isso, os respeito, não fujo de casa.  
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A cidade é um caos, todos odeiam o trânsito, mas preferem que as coisas sejam assim para poder ter carros caros e manter seu estatus. Amam a morte, a vida morta, a cidade como necrópole para serem admirados andando com seus belos carros.
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O humilde não usa ternos Armani, mas Armani casual. O humilde luta contra a pobreza, luta em favor dos fracos, despossuídos, bestializados, desde que ganhe 15 mil por mês. “Se me derem 10 mil por mês beijo até cachorro de rua”, isso diz qualquer fascista de direita que tem um emprego mal remunerado.
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O controle exige o máximo de desempenho, esforço nos estudos, no trabalho; o controle diz: isso é a forma mais eficaz de produzir algo com qualidade. O controle diz que a qualidade está na extensão, principalmente do tempo, e todos acreditam. Isso é feito para gerar a aceitação da massa, a aceitação do controle por toda a vida e sempre. Mais trabalho por toda a vida é o controle por toda a vida, trabalho é uma forma de controle; e, portanto, o controle é confundido com valor, com produção. As exigências, os horários, a rotina produzem uma massa cansada, quase morta, uma massa de zumbis. Zumbis – que para fantasiar um sentido na vida – que dizem com orgulho: trabalho tantas horas por dia, sou rigoroso, sério, sou um batalhador. “Amo o meu trabalho”, os zumbis dizem, mas isso é apenas uma máscara para esconder a verdade: amam o controle.    
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Ele tem sete anos, é um menino e vive com os pais; ele sonha com aranhas, não uma aranha, mas um ninho de aranhas. Essas aranhas são mulheres, uma mistura de mulher com aranha. No sonho ele se sente radicalmente bem, quer ficar com as aranhas, deseja as aranhas. Futuramente vão dizer que ele estava sonhando com a mãe, que ele a viu nua e sonhou com ela, ou seja, a edipinização do seu sonho, do seu delírio. Mas não era uma aranha, eram aranhas, uma multiplicidade. O sonho era o desejo do menino de não mais estar preso a dona aranha, mamãe, e sim de estar com as mulheres, viver, sair da prisão; como criança a liberdade só era possível dessa forma.   
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As disciplinas no campo do saber impedem as linhas de fuga, aprisionam as multiplicidades a partir da setorização. Uma disciplina é um território fechado, ordenado, organizado, com suas regras e leis. A disciplina reduz a vida. O campo da arte é uma disciplina que se refere a esse conceito vago, que não diz nada: arte. Expressões, relações, ações, acontecimentos, objetos, produtos, grupos, coletivos, sujeitos, inúmeras coisas heterogêneas e singulares são unidas nessa denominação: arte.  
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Muitas formas de arte se centram em apresentar formas de vida não normatizadas e ajudam a mudar as subjetividades; isso fez Mapplethorpe e seu elogio a homossexualidade. Ele mostrava que um pênis é só um pênis, um braço no cú é uma brincadeira, é só o corpo, e todos têm corpo. Assim, sua obra estava vinculada com as lutas dos gays nos EUA na época da contracultura. Era arte, mas não só, era uma das linhas das lutas dos gays, que eram radicais. Genesis P Orridge, o artista Queer mais importante, é um ativista, ele se centra em mostrar a opressão do corpo normatizado. Se punks, nas manifestações de 2013, colocaram um crucifixo no cú em plena rua, fizeram isso a partir das experimentações de Mapplethorpe e dos situacionistas. Provavelmente, não sabiam da fonte de inspiração para o ato, e isso mostra a importância desses artistas e teóricos, como eles modificaram, potencializaram as subjetividades. Mulheres nuas, lutando nas ruas, a Femen e as Pussy Riot devem e muito as garotas punks dos setenta. Blake escreveu uma máxima que influenciou coletivos, subculturas, músicos, artistas, pessoas comuns a viverem de forma desregrada, colocando o corpo e a sanidade em risco. A arte interessante é aquela que não é só arte, mas também política, crítica social, crítica existencial, filosofia; a arte como linha da revolução molecular conceituada por Guattari. A arte revoluciona o social, muda as subjetividades. Apenas os de bom gosto, a classe média, tratam a arte como um bem puramente estético, sem vinculação com a política, a vida, melhor, como algo cosmético. Também, para esses, e curiosamente para os intelectuais, a vida é como a vida de todos. Eles têm a vida do trabalho, da dita militância, e a vida cotidiana totalmente des estetizada. No máximo, têm relações de gêneros, com filhos, com as hierarquias um pouco diferentes dos que chamam de fascistas, mas sem diferenças de natureza.
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Militância diz respeito à macro política, é molar, quase sempre se refere a alguém especial, um político, etc, que luta por uma causa. Militância e vida do militante estão sempre em desacordo, ele afirma o dualismo: produção e reprodução. A militância busca sempre um fim; o militante pensa grande, no bom futuro, sendo, portanto, alguém importante. O ativismo é molecular; o ativista vive as dinâmicas de coletivos sem buscar um fim. O ativista não tem grandes preocupações com o futuro, mas sim com o que está acontecendo; ele reconhece a importância – não de si – do seu coletivo e principalmente do movimento que o coletivo faz parte. O militante diz: “eu luto por alguma coisa”. O ativista diz: SOMOS LEGIÃO.
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O suicídio como questão política, quando se pensa no social, é completamente diferente do suicídio como questão pessoal. Claro que muito está sempre envolvido, mas é colado no suicida uma razão profunda, presente em sua história familiar; o suicida, para esses, é alguém radicalmente individualista, já que todos são radicalmente individualistas. A questão fica política quando o suicida diz: não quero fazer parte, vou me matar já que não quero continuar matando, eu como ser humano civilizado. E ele faz isso já que não tem com cair fora, ele não vai conseguir se animalizar numa floresta, ele é um sujeito urbano.      
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Método? Método do bom transar? Isso dão as revistinhas baratas para as minas neuróticas lerem e testar, o método, com seus noivinhos, chatos, aguados e machos. Sexo é acontecimento, deve – sim deve! – ser singular “sempre”; e “sempre” é “mesmo” que esteja presente visualmente o “mesmo” casal. E não são “sempre” as mesmas pessoas: é ela em outro dia, ele em outro dia; melhor, ele como legião, ela como legião, legiões “sempre” em metamorfoses; e não são outros dias, são outras conjunções moleculares e astrais. É um erro tentar repetir uma transa maravilhosa, a partir do método, ela não se repete, mas a próxima transa pode vir a ser uma transa maravilhosa, tanto quanto aquela:

sabe aquela: a necessidade de dizer eu te amo, quando beijava, e eu nem acreditava em amor, mas naquele momento, na conjunção das moléculas, era a única coisa a ser dita, me sentia bem em dizer, e eu acredito no meu sentimento quando brincamos em nossa sagrada satânica yoga psicodélica... e na outra semana algo tão maravilhoso aconteceu, eu não sabia que poderia acontecer de novo, para mim, a transa anterior era o sentido, a obra de uma vida; mas rolou de novo aquele afeto tão diferente e tão bom, melhor, e daí eu entendi o que era amor e para ser amor eu não podia te ver de dia, de tarde, no parque, na rotina...  nenhuma rotina, ou foda rotineira faria com que eu.... bem, a gente é muito mais do que isso. Você viu, eu estava completamente louco, mas sabia – sei – exatamente o que estava fazendo, o que faço... a loucura estava ali, mas rolava o reconhecimento da loucura, entende? Duas coisas completamente diferentes sendo experimentadas por mim... e era eu? Eu estava louco, era nitidamente um duplo, uma fratura em associação; é difícil perceber, impossível de ver a legião, mas o duplo estava descarado; e isso, essa loucura só foi permitida por você.  

E as pessoas tentam se fechar no que chamam de dois, quatro ou nos obrigatórios três, e não percebem todo o resto. 

E sim, você chama de mentira com essa boca, esses lábios que não necessitam de nada mais, apenas deles, e eu passo o fim de semana com os seus lábios; eu passo o fim de semana com os seus pés, com a cor da sua pele; e ela, a pele, não precisa de nenhuma maquiagem, nada falta na sua pele e sobra meu desejo dela, da sua pele, isso transborda nos meus poros todos os dias só de imaginar... meu amor e morte... e se você acha que isso é loucura, sim, é loucura, o amor é uma loucura. O meu por você.

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O louco, o idiota, o jovem, eles dizem: mundo de merda, quero só um barato. Daí o jovem cresce na força, vira um profissional de alguma coisa, alguém maduro e chega a conclusão: que merda, só quero um barato. Caminho idiota para chegar a lugar nenhum. A sabedoria do jovem, do louco, do idiota não é reconhecida, mas quando ele se torna adulto, alguém autônomo, daí ouvem ele.  
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Os criativos e suas metáforas rasas, associações fracas; fazem pequenas variações óbvias para criar uma aura de mistério e expor sua criatividade; tipo: “Ela é uma vadia” no lugar de “Você é um puto”. Uma inversão direta, óbvia para uma criança. Se é tudo tão óbvio, já que não podem, não conseguem ser criativos, por que não dizem na cara? Não vão conseguir ser criativos de qualquer forma, pelo menos podem ser corajosos.
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Comem o cú da mulher para ela virar duplamente alguém inferior: além de mulher, ela se torna o viadinho dos sonhos do macho. Ela já foi castrada e rasgada, castrada ao nascer e depois quando cresceu, daí vem o marido e rasga também o cú. Uma mulher é só um buraco? Não, uma mulher é muito mais do que isso: três buracos a serem destruídos. São obrigadas a chupar, dar o cú, e fingem que gostam de receber um pau na vagina. Fingem para dar prazer aos machos, aos escrotos, já que elas têm que se submeter.
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Os chatos moralistas odeiam o suicídio, querem salvar todos os que querem se matar; para os cristãos é pecado mortal, quem se mata vai para o inferno, mas mesmo os que se dizem ateus compartilham de um sentimento parecido, tão moralista quanto, apenas exclui o supra real. Se matar pode ser uma forma de não querer mais morrer, de não querer viver como um zumbi; zumbi em caixões de lata (automóveis, ônibus, metrôs), em caixões de concreto (casas, apartamentos, prédios comerciais...) entre outros zumbis. A área da saúde (controle) impõe um discurso moralista, naturalizado no social sobre a vida; alguém sofre um acidente, está inconsciente e sem perguntarem para ele o levam para um hospital, fazem uma cirurgia e ele fica um tempo internado. Mas e se o cara não quisesse de forma alguma fazer uma cirurgia, ser internado? Fazem isso em nome da vida? Mas isso é uma imposição, e imposição é prisão, e prisão não é vida. Um saco esses moralistas, eles dizem: “nós os gays não somos doentes” ou “eles os gays não são doentes”. Qual o problema em ser doente? Há uma beleza nos glutões (dão sua vida para poder comer o que querem), nos alcoólatras e drogados (dão a vida para abusar de drogas), nos anoréxicos (desejam o corpo fraco e deteriorado), nos viciados em adrenalina (praticam esportes extremos que podem levar a morte, pelo prazer). E isso, essas relações de presença da morte, a necessidade de pôr o corpo em risco, o saber da possibilidade de morte a partir de certos atos, isso é vida, já que viver é construir um plano existencial diferente da existência imposta e afirmada pelos zumbis.
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Em 2011, ele já estava pronto para se matar, um senhor de idade, morador antigo de um bairro tradicional de Barcelona. Ele ia ser despejado do apartamento, devia muito dinheiro para o banco; a dívida era decorrente da crise econômica, e estava esperando o dia certo para pular da janela, de forma alguma iria viver na rua. Algumas pessoas, na mesma situação, do bairro haviam feito o mesmo – pularam da janela – pelo mesmo motivo; e esse ato – o suicídio – acompanhou os anos duros da crise em todo o país. Incrivelmente, o senhor de idade recebeu uma grande quantia de dinheiro antes de ser despejado, e então, poderia pagar a dívida e não precisava se matar. Porém, ele passou meses experimentando os sentimentos de um pré suicida, pensou muito na vida e na morte e a ideia da morte se tornou interessante. Como disse, com o dinheiro não precisava mais se matar, mas ele se apaixonou pela ideia de suicídio e se matou.
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A insegurança pós-moderna, o medo do futuro, todos sabem que a crise sempre estará presente. Não se fazem mais futuros como antigamente, como dizia Melamed. Vivemos com medo e quem tem medo deseja o Estado, ama o capitalista, ama qualquer um que lhe der um mínimo de segurança.
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O presidiário não tem mais nada a perder, pode morrer quando for e que se foda, ele não tem medo. A importância da prisão é permitir essa outra relação com a vida. Como dizia Bukowski: conheci mais homens na prisão com estilo do que fora dela.
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Incrivelmente, os pobres são fascistas, amam os ricos como os ricos se amam. Não desejam outra vida – sem pobreza – querem a mesma vida na qual há poucos ricos e muitos pobres, no máximo buscam ter um pouco mais de dinheiro do que eles próprios – os pobres – têm, mas, mesmo se não tiverem, não aceitam uma vida com igualdade econômica. Enriquecer é o objetivo de vida, objetivo de uma nação, de empresas, de pessoas. Ter um pouco a mais é o sentido da vida para a maioria. As pessoas ficam felizes quando conseguem comprar um carro melhor, elas têm esse afeto, paixão pelos objetos de consumo, sentem esse tesão ao fazer compras no shopping, no supermercado, famílias passam tardes em shopping centers, mesmo sem comprar, olhando vitrines. Os ecologistas vão em via contrária, exigem o decrescimento, já que é a única forma de salvar a vida (VIDA) do planeta. Senhoras de classe média se sentem ofendidas já que limpeza doméstica se tornou um artigo de luxo; com o enriquecimento da nação, trabalhos mais “degradantes” se tornaram mais bem remunerados. Essas senhoras desejam o empobrecimento da nação para que pessoas sejam obrigadas a trabalhar nessas funções “degradantes”, assim, elas, as senhoras, não têm que limpar a própria casa. A classe média se regozija quando tem um pouco a mais do que afirma ser status. Se a ditadura cubana tem algo de importante é a igualdade econômica, todos têm pouco, mas o suficiente; e o que é o suficiente? Como disse: o playboy sonha com carros caros desde criança e passa por cima de todos para ter. Ter dinheiro, sucesso, fama, seguidores... odiar os fracos e a fraqueza em si. Para todos, os sujeitos do capitalismo, alguém morrer, uma comunidade morrer não significa nada desde que gere lucro para si ou para o seu país. Amar carros, apples, nikes, mais do que a terra, animais e outros humanos. Um viciado mata a si apenas e com consciência, um consumista mata muitos, muitas formas de vida (VIDA) e finge não ter consciência.
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Um dia a gente entrou no Mac Donalds, a gente tava fazendo um tipo de performance. A gente entrou, comprou lanches e coca cola; a gente sentou, todos vestidos normalmente, e a gente, 10 pessoas, começou a falar em voz alta, que a gente não ia comer lixo, de jeito nenhum, que a gente se negava a comer o Mc Lixo Feliz e beber coca cola, a gente falou dos assassinatos, das mentiras das grandes corporações, dos monopólios. Daí uma mãe começou a berrar: “eu não quero saber disso, não quero saber disso, eu não quero saber”, e todos os outros clientes começaram a dizer pra gente cair fora. É, não querem saber se os seus filhos comem lixo, não querem ter a consciência de que sua família sustenta a morte e morre ao mesmo tempo; eles querem apenas viver da forma que lhes é imposta, ou seja, morrer.  
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Eu tinha doze anos. Cheguei em aula de manhã e tava todo mundo nos corredores, agitados. Eu chego e pergunto: qual é? Dizem: o cara tal levou um tiro na cabeça. O cara tal era da mesma série que eu, mas mais velho. Era um cara bonito, rockeiro, estiloso, tinha sua turma e as meninas gostavam dele. Eu sempre o via pela cidade – do interior – e o admirava. Um dia eu tava no fliper e tava lá ele com uma bermuda rasgada, camiseta de banda e sandálias de gladiador feitas com um tecido orgânico, sandálias de hippie. Fiquei anos desejando ter aquele estilo. A história da morte: de manhã, antes da aula, ele e seus amigos brincaram de roleta russa, era um costume deles. Tem gente que come sucrilhos de manhã, outro fumam um beque, ele fazia roleta russa.
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O escritório do intelectual, asséptico, com uma poltrona, mesa, quadros com imagens dos bons políticos; um espaço com um silêncio mortal no qual jaz uma coleção de milhares de livros, intocados. A criança encara o espaço, o escritório, assustada, como se estivesse em um templo sagrado, um local de pessoas sagradas. O apartamento do hippie, com cheiro de incenso, sem luz elétrica, só velas, uma carteira azul – de um amigo e dentro dela folhinhas de papel, pequenas, um papel delicado, com belo formato –, uma calça rasgada e suja no chão; no apartamento do hippie qualquer um entra e sai, o som é alto sempre, e ali tem uns livros, mas o mais importante, tem aquilo que chamavam de bolachas (os vinis), todas elas, a coleção mais completa. A criança entra ali – no apartamento do hippie – e se sente bem, sabe que está em seu lugar, mesmo que seja pouco seguro, já que vírus estranhos dançam junto da música e do incenso, mas mesmo com todos os perigos, a criança passa a viver no apartamento do hippie e se nega a voltar ao escritório do intelectual. 


domingo, 29 de outubro de 2017

viver é consumir e consumir é enriquecer ainda mais os ricos

O conceito de Multidão de Negri se refere ao desejo de um mundo-espaço liso, ou seja, sem barreiras geográficas. A multidão: as cores do mundo – negro com branco com amarelo; n cores, misturas de cores, a hibridização é a cor da multidão. A multidão: os sexos, os gêneros, todos eles e sempre em relação, o que importa é a relação. A multidão: os pobres, os que desejam a pobreza. Não há segmentos duros na multidão, classes, castas; não há hierarquias, comando central, a multidão é o rizoma. Os anarquistas são internacionalistas e lutam contra todo tipo de opressão; os anarquistas fazem parte da multidão, talvez sejam sua linha mais ativa na luta contra o controle. O corpo anarquista é um corpo em luta constante.
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O povo – a ideia de povo, a afirmação do povo – é um tipo de individualismo. Desejam o bem-estar de seu país, só se interessam por seu país e por seu povo. Só pensam como o seu Estado-nação deve ser reformado. Dizem que pensam no mundo, mas, em primeiro lugar, está sempre o seu país. “Eu, minha família, meus amigos, meu país...”, as preocupações se centram nisso. Os sindicatos fazem parte da mesma lógica: lutas setorizadas, com suas demandas, cada um cuidando do que é seu. O feminismo é, muitas vezes, localizado, não se relaciona com as outras lutas; certos movimentos étnicos fazem o mesmo. Isso é a lógica do “eu e os meus”. A necessidade de posse. “Meu carro, minha casa, meu corpo, minha mulher, minhas ideias”; e quando é dito: “nosso”, esse “nós” já exclui muita coisa e é um sinal de individualismo, um individualismo "inclusivo". “Minha cidade, ou nossa cidade, nosso país, nossa identidade”.... é estranho alguém dizer isso. Sua cidade, seu país? Mas qual poder tem em relação à estrutura urbana, em relação às leis, à administração, à política, a economia? E não há nação soberana, elas dependem das diretrizes do Império. A cidade, as grandes cidades são moldadas existindo poucas diferenças de natureza entre elas, são indiferenciadas, não é a "sua, nossa" cidade, é "qualquer" cidade. Que poder tem sobre a identidade do povo, identidade que compartilha com os outros e diz que é sua, “nossa”? A identidade é aceita naturalmente e desejada.
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“Meu corpo? ”. O corpo, o simbólico em relação ao corpo, isso é imposto desde cima; a máquina abstrata produz, comanda a ideia de corpo e, portanto, também, o dito dono do corpo. Isso é aceito naturalmente e desejado. O corpo humano é o mesmo desde sempre? A tecnologia, o ambiente, as ciências, as formas de trabalho, de sujeição, muitas coisas produzem diferenças no corpo humano. Os corpos dos antigos, dos medievais, dos modernos, dos pós-modernos são iguais? O corpo de um trabalhador braçal é o mesmo de um trabalhador intelectual? O corpo pós-moderno é talhado pelo bem viver da publicidade e da área da saúde, ele é moldado por novos esportes, novas drogas, novos medicamentos, pelas mudanças no tecido urbano, o corpo pós-moderno é esculpido por novas doenças, vírus, tipos de alimentação; mas a beleza do corpo pós-moderno é a hibridização que anuncia o fim das barreiras geográficas, é o corpo com n sexos, sem identidade, o corpo-monstro criado a partir das micro revoluções Queers. O corpo que ouve em um i pod é um corpo diferente do que ouve em um walk man. O cavalo de corrida e o cavalo de arado, o jogador de futebol e o skatista, a vagina que faz pompoarismo e a vagina passiva – cada corpo tem suas especificidades. As diferenças físicas dizem respeito à relação com a vida; e os corpos estão sempre em relação, não se limitam a um organismo, organizado, estratificado, hierarquizado. Dizem que são diferenças corporais pequenas, infinitesimais; talvez sim, mas esse discurso revela que não dão importância exatamente ao mais importante: o capilar, o molecular.
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A luta setorizada. “Vamos todos juntos lutar, mas cada um por seus direitos; se todos lutam por seus direitos, nos encaminhamos para um bom mundo. ” Cada profissão luta por si, cada classe por si, cada sexo, gênero, cada raça .... Mas por qual motivo todos não lutam realmente juntos pelo fim de todo tipo de opressão? Isso fizeram as lutas da virada do século, isso fazem os anarquistas. Uma okupa em Porto Alegre está muito mais próxima de uma okupa em Barcelona do que do sindicato dos municipários de Porto Alegre. Um coletivo musical auto gestionado, que atua no centro de Porto Alegre, está muito mais próximo de um coletivo do mesmo tipo de Barcelona do que do showmício que acontece no mesmo local que atua. A questão geográfica, a necessidade do solo, do que dá para tocar, do visível, do que parece próximo – “meu corpo, não uma linha de um corpo sem órgãos. O que é meu está próximo, posso ver e tocar, tenho poder sobre. Meu corpo, minhas regras, gosto de regrar o corpo. ” O macho diz: “homem nenhum toca a mão em mim”; a feminista também. O corpo sem órgãos não tem regras, só relações, a hibridização. O corpo como posse pessoal é o corpo exclusivista, moralista, apartado, raro, para poucos. A burguesia cultua exatamente isso: ficar apartada, estar entre poucos, pessoas raras, ditas especiais, únicas. Unicidade, raridade são características da arte burguesa. Na casa noturna a menina pequena burguesa diz isso: meu corpo é para poucos, é raro, exclusivo, artigo de luxo, caro. É uma ilusão achar que manda no seu corpo; o controle manda no corpo, impõe a ideia de corpo. Tem medo de um pênis dentro do seu corpo, mas não tem medo de ingerir o lixo das indústrias farmacêuticas e alimentícias; não está nem aí com a poluição das cidades que mata aos poucos o corpo; não acha as modas algo a ser criticado, e as modas padronizam os corpos. “Meu corpo, minhas regras”? O CSO não tem regras, apenas programas, experimentações, relações entre termos diferente, núpcias demoníacas.
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Viver é consumir e consumir é enriquecer ainda mais os ricos; ele sabe disso, mas não pensa sobre, não quer ficar estressado, só quer viver sua vidinha na boa. Ele acorda as sete horas da manhã num dia da semana. Dormiu com medicações (das marcas tais) vestido de cueca e camiseta (marcas tais) em uma cama (marca tal) no quarto do apartamento alugado – apartamento de propriedade de um engenheiro que é dono de todo o prédio. Sai da cama (comprada em um shopping), vai até a cozinha, abre a geladeira (marca tal) e pega uma garrafinha de iogurte (tal). Depois de beber o iogurte, fuma um cigarro (marca tal) na frente do PC (marca tal); ao seu lado uma janela mostra um parque da cidade – uma cidade metropolitana que está se encaminhando para se tornar modelo. As contas estão pagas: luz, internet, telefonia móvel. Está tentando faz tempo trocar de plano de internet e não consegue. Escova os dentes com a pasta de dente tal e a escova tal; toma banho se ensaboando com o sabonete tal, usa o shampoo tal e se seca com a toalha tal. Veste tênis tal, calça tal, camiseta tal e sai de casa. Pega o seu carro popular tal, que está com metade do tanque cheio de gasolina comprada num posto tal. Nas ruas muitos carros: 8 horas e 15 min. Os carros são todos novos e muitos são caros. Há um fluxo nas ciclovias – hipsters que se dizem alternativos. As pessoas que estão nas ruas vestem roupas tais, compradas em lojas tais, e todos têm smart phones. Prédios enormes estão por todos os lados, muitos são novos, frutos do empreendedorismo de grandes construtoras, que conseguiram financiamento de grandes bancos. Ele demora 45 minutos até chegar no trabalho, mas se fosse em outro horário, demoraria metade do tempo. Chega no prédio da empresa, micro, na qual trabalha. A sala é situada em um prédio de médio porte, propriedade de um único sujeito. Ele entra em seu nicho, pega seu notebook marca tal e começa a trabalhar. Os outros cinco colegas que estão na sala vivem uma vida praticamente igual a dele; há uma diferença pequena entre salários. O trabalho diário dura mais ou menos 8 horas. A empresa funciona como outras empresas: hierarquias, horários, tarefas, relações entre os funcionários... porém, as hierarquias não são duras, já que o dono tenta ser o mais amigável com seus funcionários; ele sabe que isso ajuda otimizar o trabalho. Ela, a micro empresa, foi montada a partir de uma herança recebida pelo dono. Ele, o familiar que deixou a herança, teve como objetivo de vida acumular o suficiente para ajudar os seus. O dono da empresa era funcionário público, já fazia mais de uma década, mas com o dinheiro resolveu realizar seu sonho, ser o seu próprio chefe. Quis recomeçar a vida com 40 e poucos anos. A empresa não dá muitos lucros, mas como ele tem ainda um bom dinheiro guardado, não se preocupa com isso. Na hora do almoço, os funcionários vão até um mercado próximo, que faz parte de um monopólio da região, e compram sanduiches e coca cola; eles almoçam isso em uma praça. Depois de comer, eles fumam um baseado e conversam sobre as viagens que querem fazer; sonham com Londres, curtir os pubs, tomar boas drogas. As ambições deles são: acumular grana, ter ou trocar de carro, viajar, ter dinheiro para ir em bons restaurantes e casas noturna da moda, comprar roupas de tais e tais grifes, trocar de smartphone, de note book. Todos se dizem chateados já que não dá para comprar produtos em pequenos mercados, a rede que monopoliza a cidade tem preços mais baixos. Mas comentam felizes que na rede há promoções de tais e tais produtos. Eles se sentem bem de certa forma com a vida; são jovens, o trabalho é criativo, todos são meio que parceiros. Eles voltam para o trabalho, e quando termina todos vão para um bar tomar cerveja. Como é dia de semana, escolhem um bar com cervejas baratas. O bar fica em um bairro boêmio e dá certo lucro para o proprietário. Ele vende bebidas de tais e tais marcas, mas está pensando em montar um acervo de cervejas artesanais. Os poucos pratos do bar são feitos na casa com produtos comprados nessa rede que monopoliza a região. O dono pensa se deve ou não pedir um empréstimo para um banco e assim reformular o espaço. Todos, o pessoal da microempresa, sabem que devem economizar – é a regra. Quem quer pôr dinheiro fora? Eles não são loucos. Não se interessam muito por política, votam já que são obrigados. Não veem como algo negativo fumar maconha, mas depois de velhos passaram a gostar de policiais.
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Quem comanda uma subjetividade? “Eu penso”? “Minhas ideias”? As pautas e agendas das conversas, das discussões são impostas pela mídia, e isso é o mais visível, já que a máquina abstrata, o controle, comanda tudo. Todos aceitam a linguagem, o posicionamento das mídias, isso é naturalizado.
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Os pós-modernos são pós humanos, são monstros, são estranhos para os outros e para si. As mudanças constantes impostas pela máquina os coloca em uma posição de estranhamento, não sabem quem são e muito menos o que serão. Ninguém se reconhece, tudo é estranho, até as modas são entranhas. Um reflexo disso é a tentativa de reviver identidades, a busca de identidades duras, fascistas.
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O espião, o estelionatário, o policial corrupto, os que praticam golpes, são geniais. Sabem mentir, inventar, criar ficções. Criar uma verdade é criar, ou seja, é ficção, algo diferente de encontrar uma verdade; se não é verdade então é uma mentira: viva os cientistas mentirosos! Alguns pesquisadores em campo na cidade não sabem direito quem são, não reconhecem a si mesmos... quem são? São cidadãos sofrendo com a opressão da cidade ou pesquisadores da opressão da cidade. Quando atua em um movimento social, o que é? Um ativista ou um pesquisador. Um amigo meu está aplicando um golpe. Ele está sem grana, saiu da prisão, tá na ruim. Ele pede nos semáforos dinheiro para comprar leite especial para a filha – mas é um golpe. Ele é alto, bonito, ele sabe sorrir, olhar da forma certa para quem está nos carros; quando ele mostra o cartaz pedindo leite, ele faz uma cara de esperançoso, de um pai de família em crise financeira, que é obrigado a se sujeitar – ele faz tudo isso muito bem. Mas ele não tem filha, é um golpe, e ele é bom nisso. Outro amigo meu é um pesquisador. Ele montou uma barraca de cervejas artesanais. Ele vende as cervejas, usa uma caminhonete velha, se apresenta a todos como um comerciante pequeno, de poucos recursos. Mas os recursos para montar a barraca, tirar a licença, para ficar no ponto foram pagos pelo financiamento do grupo de pesquisa dele. Ele está dando um golpe, é um cientista fazendo seu experimento. Em Barcelona me intimaram uma vez já que eu estava sempre em uma okupa e ninguém sabia quem eu era. Um dia me encararam e eu encarei eles, e tive que dizer que era um cientista. Nas festas eu minto, digo que sou artista, nenhuma gatinha de vinte e poucos anos vai estar interessada em um doutor. Os adolescentes mentem. Em pesquisas, os entrevistados mentem. Mentir envolve uma criação, é mais difícil do que dizer a verdade. É feio mentir para conseguir algo, mas mentir para ser criativo, isso é poesia. E não é tão feio assim, mentir pode ser uma questão de vida ou morte. O adolescente mente para os pais, para os policiais, para o professor. O capitalista, o político, eles mentem, mas daí a coisa é diferente; mentem para conseguir poder, mentem e muitas vezes acabam matando muitos. Pequenos golpes são louváveis, mas não os grandes golpes daqueles que querem mais e mais: carne podre, trabalho escravo, guerras...
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Eu posso dizer: eu não lhe traí, eu comi ela sim, mas você estava junto, e você gostou, mas nem sabe, não se tocou que estava junto. Mas quando a sua vagina mente, quando seus olhos mentem, quando mente que está bem a meu lado, tudo isso dói. Você nunca vai me trair, estamos juntos mesmo separados, e juntos com o mundo quando juntos. O exclusivismo: “a vagina que é minha, a boca que só me chupa, o pau que é só dela”... Desejos individuais, machismo por toda a parte – e as feministas repetem isso. Tentativa e erro, experimentação. Não há modelos, “somos” todos monstros e “a gente” tenta e erra, tenta e erra. Erra comigo, não me acerta! O feminismo por vir está aqui em algumas coisas, o machismo ainda está aqui em muita coisa, entre homens e mulheres, machos e feministas. Não há agenciamento puro, sempre há o erro, mas há aqueles agenciamentos em que os processos mostram um mundo atual especial. Eu chorei quando você me mostrou seus dons, que eram técnicas milenares, eu fui comido por você, deusa mágica, e pelos meus amigos do oriente, fui comido pelas belas meninas-meninos das okupas, fui comido, mas no meu pau, e meu pau era apenas uma linha cósmica, ou seja, não um pau, mas um canal. Estavam por perto ratos, chatos, caretas, mas “nós” todos somos chatos e caretas, “a gente” é isso, só que em boa parte do tempo “a gente” tenta ser zen-budistas em narcose; tentativa e erro. Amo errar com você. Eu te amo. E o que mais amo é isso: os momentos em que eu não sou mais eu, um corpo individuado, e você não é mais você, e “nós” não somos mais dois, somos apenas moléculas entre o céu e a terra em dança, trepada cósmica, amor transcendente que acontece no cotidiano.
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Tem coisas, muitas, que grudam nas subjetividades de tal forma que parecem naturais. Ainda falam em natureza, mesmo que o projeto da modernidade tenha sido acabar com a natureza. Nada contra a tecnologia, a técnica sempre acompanhou o homem; ela aparece e daí muda os homens, muda o mundo. A tecnologia está a serviço do Império, mas também é uma potência da multidão. A máquina vai destruir o homem? Não, o homem destrói o homem. A natureza é vista como um bem, um objeto, depois que destruíram ela. A destruição da natureza já aconteceu; mas o medo em relação da tecnologia é o que? Remorso humano... tipo quando a gente sacaneia alguém e depois sabe que vai ter volta. Mataram a natureza, matamos, e agora a tecnologia vai nos matar! Vai ter volta!
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Odeiam a todos, se juntam para lutar contra os outros, quando sozinhos lutam entre si. O ódio mantém o capitalismo; passar por cima de todos para ter mais e mais; mentir, manipular, matar para ter mais e mais e é isso: mais e mais. Quantos morrem para alguém ter um apple, um nike, compras no shopping? Que se foda a natureza; a modernidade venceu. Quem está dentro do sistema mata outros, mata formas de vida. E ninguém está fora do sistema, todos “somos” assassinos.
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sábado, 16 de setembro de 2017

Eu me desprezo

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Eu me desprezo, não me suporto, tenho vergonha de mim mesmo. Minha empregada doméstica recebe por hora mais do que um professor, e eu acho que isso é sintoma da decadência social. Como alguém baixo, de segunda classe ganha mais do que um professor? Um professor tem que ganhar mais do que um limpador de rua, mesmo que o trabalho do limpador seja muito mais duro. Trabalho intelectual tem que ser valorizado, mais, sim, do que qualquer outro. Eu sou classe média, minha família pode pagar meus estudos, mas entrei na universidade pública. Sou rico e ganho financiamento de agências do Estado, e o Estado é sustentado pelo trabalho duro dos pobres. Eu não preciso do dinheiro, mas quanto mais, melhor. Que se foda o cara que tá na rua, eu quero fazer minha vida, isso que importa. Sim, eu luto pelos pobres em meu discurso, mas só nele. Tenho pena deles, sou paternalista, quero o bem deles desde que eu continue tendo cada vez mais dinheiro. Sou um gourmet, gosto de comidas especiais em restaurantes hipsters. O que eu pago por uma refeição poderia alimentar muitos que estão nos semáforos pedindo esmolas – passei por eles agora. Eles que se fodam. Troco de carro a cada três anos já que não gosto de carros velhos. Admiro pessoas que têm carros que custam centenas de milhares, e eu queria ter um carro assim; e esse dinheiro – o custo de um carrão de playboy – poderia ajudar quantas pessoas? Tenho uma casa grande, bem equipada que abriga minha família, enquanto muitas famílias, do mesmo tamanho, vivem em tendas na rua. Se fosse estipulado que cada pessoa poderia ter apenas 30 metros quadrados para si, que um casal poderia ter quarenta metros e dez a mais para cada filho, se isso acontecesse, provavelmente, todos os brasileiros teriam moradia digna. Mas eu não quero isso, quero mais e mais, e mesmo se eu nunca tiver, quero que as coisas continuem assim, já que amo os ricos, a riqueza; gozo ao pensar na riqueza. [......] Como carne; que se fodam os animais, mas ainda acho absurdo zoofilia. Sim, como carne já que é o alimento mais caro; assim mostro para todos que tenho dinheiro. Tiro fotos em restaurantes caros, por isso.  
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Preciso de mulheres, de gays, de negros, de pobres, para que eu esteja sempre acima; sim, sou um macho, branco, classe média. Eu fui castrado, então vou castrar; quero minha posição; que continue existindo o poder de uns sobre muitos. Sou egocêntrico; e sou tão egocêntrico que nem noto isso, já que meu discurso diz o tempo todo: sou um cristão humilde. Para mim, só interessa a macro política, sou um cara sério. Faço putaria apenas na vida privada; separo o privado do público. Quem fala o que eu não entendo está louco; quem discorda de mim é fascista. Eu silencio quem me contradiz. Sou um consumista, mas me auto qualifico como um lutador pelos direitos dos que não têm renda para consumir. Digo que sou libertário, mas não sei o que significa ser libertário. Eu valorizo intelectuais, já que sou um intelectual. Eu valorizo a instituição familiar já que tenho filhos e esposa. Tenho orgulho de mim, da minha vida, dos meus. Tenho orgulho, mesmo sendo tudo isso que estou expondo aqui. Tenho orgulho dos meus amigos ricos, que se deram bem na vida. Só gosto de gente como eu. Falo como poucos para marcar minha posição; uso palavras difíceis, que poucos entendem, para mostrar que sou alguém com um capital. Acredito no trabalho, trabalho remunerado. Odeio vagabundos. É, digo que sou inteligente, mas não consigo entender que a “valorização do trabalho” é uma palavra de ordem. A sociedade opressora é sustentada por isso. Não entendo o significado de “renda de existência”, já que valorizo apenas o trabalho assalariado. Não entendo que o cú, o cú dos gays, que ele colore o mundo, o deixa mais alegre, mais interessante; os gays e seus cús produzem mundos, o mundo. Cada prega que falta no cú de um gay, cada transa de um gay, cada fist fucking que um cú recebe, tudo isso deveria ser valorizado ao ponto de ser remunerado. [.........] Para mim, é normal duzentas mil pessoas em um festival de música pop patrocinado por um monopólio, é algo comum jogos contínuos de futebol que reúnem pelos menos 50 mil pessoas e é também comum um povo, e eu junto, em casa, nas redes sociais, enquanto pouquíssimas pessoas estão nas ruas contra o tal Estado fascista, que eu sou contra – melhor: 300 pessoas, Porto Alegre, um ano de golpe, Cidade Baixa, 8 horas e 30 da noite, sem polícia e bloqueios. [.....] Gosto de abstrações e de pesquisa teórica. Sou um intelectual. Quando a rua, a vida são meus objetos de pesquisa, abstraio de tal forma que a rua não aparece no meu trabalho. Odeio a rua, amo a torre de marfim. Chamo de empiria, conhecimento raso mostrar a vida de uma forma radicalmente direta, crua. Me escondo atrás de conceitos e não sei como eles funcionam, suas materializações na vida, nas ruas. [.........]
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Eu amo o mundo, minha vida, agradeço pela vida que me foi dada. O suicida, quem quer se matar, para mim, é um fraco, um coitado, alguém doente já que ele não é como eu, "eu, o bom cidadão, saudável, com bom senso". Quem quer se matar tem que ser impedido, precisa de ajuda médica, tem que ser hospitalizado. Quando alguém corta os pulsos, ou toma uma overdose, ou o que for, a primeira coisa que é feita é chamar os caras da área de saúde para salvá-lo. Ele pode ser internado contra a própria vontade e quase sempre é obrigado a ouvir o discurso moralista dos familiares; ele é obrigado a viver em um mundo que odeia, com pessoas que odeia, aceitar as coisas como elas são. E isso é assim, a vida, e eu afirmo essa vida. Se um drogado quer se matar – já que não pode mais se drogar, e a droga é a única coisa que permite que ele continue vivendo – eu digo: você tem que continuar vivendo como eu, como o bom cidadão, tem que viver a vida e sofrer como eu sofro. Uma dupla imposição: não pode se drogar, não pode se matar; o controle na forma de leis e moralismo. E mais..... aos filhos é perguntado: você quer nascer, ser meu filho, você quer fazer parte de tal povo, quer ser de tal classe social, ser de tal raça, você quer ser humano, viver em determinada época? Se perguntar antes é impossível... então, tudo isso é imposto, sem que haja escolha. Te fode, você vai ser humano e você não tem escolha.  
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Eu minto, manipulo, faço chantagens feito uma histérica para manter minha posição. Falo mal do senso comum, mas meu saber é baseado no senso comum. Penso como todos, a diferença é que sei falar e escrever. Como a maioria não sabe fazer isso, eu afirmo o senso comum dizendo: eles não pensam. Eu acho que conheço o mundo e tento mostrar para as pessoas o mundo, já que elas não pensam o mundo. Que todos se coloquem em seus lugares; meu lugar é o trono. Eu rio de todos, todos são risíveis. Digo para todos o tempo todo: esse ano eu li 50 livros, vi 30 filmes, viajei para a Europa... eu tenho que dizer, afirmar, mostrar. E todos os meus amigos fazem o mesmo, eles são iguais a mim; então, como há tantos iguais, nem me vejo como um elitista. [.......] Eu tenho que comer, como todos, uso as redes, como todos, tenho um corpo humano, como todos, mas, sim, sempre afirmo: eu sou alguém “diferenciado”. Sou tão controlado como todos, sou passivo como todos, aceito as coisas como todos, mas é isso: me acho importante. Não consigo nem imaginar uma vida não fascista, mas digo que eu luto por uma vida não fascista. Não reconheço que sou fascista, que eu quero manter as coisas como estão. Para mim, utopia é a sociedade perfeitamente controlada, na qual todas as pessoas sejam classe média e inteligentes como eu. [...........] Quando alguém diz: o corpo tem que ser conceituado; eu digo: não, o corpo humano é o corpo do homem moderno, formado por órgãos, é isso. Ou seja, afirmo o que todo mundo pensa; e sempre digo: essa é a forma que eu penso. Quando alguém diz: não tem muita diferença entre o capitalismo e o comunismo de Estado; eu digo: mas são regimes completamente diferentes, isso é o que eu penso. Quando alguém diz: só se pensa “com outros, ou seja, a partir do comum”; eu não entendo e digo: mas eu penso, isso é algo que diz respeito a uma pessoa, uma mente pensante. Ou seja, penso como todo mundo. Confundo sempre complexidade com extensão, quantidade. Para mim, complexidade é uma questão numérica. Ou seja, penso como todo mundo. [.....] Só falo palavras de ordem e repetições e repetições do senso comum. Falo o tempo todo em acabar com a opressão, mas para mim opressão é a de um Estado fascista. Só vejo o Estado. [..........] Como bem disseram Deleuze e Guattari e Negri e Hardt: a contracultura não foi uma revolução apenas de costumes, foi política, econômica, subjetiva. Mas eu gosto de cada coisa em seu lugar, penso assim, como todos, já que é a única forma de eu conseguir entender o mundo. Ser homossexual é uma questão cultural sim, mas também política, econômica, subjetiva, e diz respeito a todos. A inclusão das minorias cria uma vida diferente. Os gays, trans, travas, lésbicas, eles estão por aí, pelas ruas e não são mais agredidos; é outro mundo: a família mudou, a escola mudou, a empresa, as ruas, as cidades... tudo mudou a partir da inclusão: afetou a subjetividade das massas, alterou a política, o posicionamento dos políticos, as leis, alterou a economia, criou novos consumidores e produtores.
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Para mim, tudo é uma questão pessoal já que só vejo a mim mesmo e secundariamente as pessoas que estão na minha roda e as outras pessoas que estão ao redor; ou seja, como todos, só vejo o visível. Sim, tudo é uma questão pessoal, quando falam mal dos brancos, da classe média, dos intelectuais, sempre digo: mas eu não sou assim, você está errado. Acho que estão falando de mim e não do mundo. Sim, eu sou o centro do mundo, e tenho sempre que me afirmar. [...................] Sim, eu fecho os olhos para não compreender que sou um fraco, submisso. Eu me acho especial, eu ensino os fracos e submissos, os defendo; mas eu não aceito ser visto como eles. Então, quando dizem: direita e esquerda estão compactuando para se manterem, já que eu dependo, voto, acredito ou na direita ou na esquerda, eu digo: é mentira. Eu vou lutar eternamente para não aceitar que sou um fraco e submisso, que sou enganado e fodido desde sempre. Eu fecho os olhos para não enxergar isso.     

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

sacações

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Quando sonho com helicópteros da polícia associo com o pai, o castrador, penso que o sonho significa que minha mulher vai saber de minhas escapadas, penso que o sonho se refere às minhas brincadeiras de infância naquela época em que a casa era meu mundo, um ambiente pequeno e hiper vigiado. O mundo é a família para mim já que todos os meus problemas, que chamo de psicológicos, pessoais, se resolvem a partir da análise da minha vida familiar, da minha infância. A criança fabula tanto já que só pode fugir da casa de papai e mamãe a partir da imaginação. O mesmo quando está na sala de aula, mas gostaria de estar em qualquer lugar menos lá e muito menos com papai e mamãe. O adolescente é aquele que mais sofre já que a outra vida está próxima, mas ainda é obrigado a morar com os pais, e então entra num jogo de forças com eles e sempre perde. Os pais chegam ao máximo de traumatizar os filhos para que eles continuem a ser um bom menino, uma boa menina; criam neuróticos, pessoas cheias de ódio reprimido exatamente como eles. Mas os helicópteros não são metáforas, não representam nada, são instrumentos concretos do controle, vigiam a todos. Não aceito isso... meus sonhos são colonizados pelo controle,  sou vigiado mesmo quando sonho. Não aceito isso já que é um enunciado paranoide para o meu bom senso. Enxergo e trato muito bem minhas neuroses, mas me nego a aceitar minha loucura, a bela loucura, a vidência, que não é obviamente a neurose. Me nego a perceber o insuportável, já que se percebesse e isso ficasse claro para os outros, eticamente, seria obrigado a ir para as ruas, lutar diretamente contra o poder de forma realmente eficaz, teria que estar junto da multidão – e a multidão não aceita os orgulhosos, esnobes, tranquilos em suas casas. A casa da multidão é a rua, a praça, a acampada, a okupa, o parque em festa. Festa, para mim, é coisa privada, eu e os meus, nos clubes cools, hipsters. Amo a segurança, os conceitos velhos e gastos me dão segurança, e que se fodam todos que não têm teto, guarda-chuvas, roupas impermeáveis.     
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Eu não entendo o mundo; o que está acontecendo com ele? Um grupo se reúne para fazer treinamento físico em um espaço público. Um grupo grande de pessoas com esse mesmo interesse; eles se reúnem uma vez por semana de noite no espaço. Os treinos envolvem alongamentos, aquecimentos, seções de corridas, pulos. Não são usados equipamentos, apenas os corpos. Tudo isso varia de semana para semana, a partir da exigência dos corpos, das pessoas ou das mudanças climáticas. Porém, o grupo necessita sempre de alguém que planeje uma aula, ou aulas; alguém que pense na necessidade dos corpos do grupo, mas o grupo não contrata um instrutor para não gastar dinheiro e por achar desnecessário. Por qual motivo desnecessário? Todo o treinamento envolve exercícios comuns, que certos membros já têm conhecimento, mesmo não sendo profissionais. A primeira aula do coletivo é então capitaneada por alguém com esse conhecimento, um jogador de futebol não profissional, alguém que fez academia por um bom tempo. Depois das primeiras aulas, os membros já têm um conhecimento consistente e podem se propor a planejar uma aula. Depois de uns meses qualquer um que se interessou pelo treinamento, o fez durante um tempo, pode planejar uma aula, qualquer um que esteja a fim. Esse alguém que planeja nesse coletivo nunca é um líder, um professor, alguém que centraliza o coletivo; é só alguém com tempo e disposição. E muitos do coletivo se negam a isso, a ser o planejador do dia, da semana ou do mês. Ou seja, não há liderança, e se o planejador se vê ou é visto como líder isso é derivado de uma ilusão, já que no caso, planejar, é indesejado por muitos. Isso é um exemplo, uma atualização, uma experimentação do anarquismo. Ele é experimentado, sempre foi, desde muito. Eu não entendo isso, por qual razão eles fazem isso; não me interessam as dinâmicas dentro da sociedade que tentam burlar as hierarquias; a auto-organização de coletivos, para mim, são como festas, fugas do dia de trabalho, da vida dura que tanto amo, do tempo controlado, da vida controlada. Para mim, eles estão brincando. O que importa, para mim, é o Estado sempre. Só penso em coisas grandes, sou um pensador das coisas grandes, sim, sempre afirmo isso. Não vou perder tempo com essa gente. Isso que eu penso quando vejo que as pessoas das okupas se preocupam com relações diferentes com o corpo, com o lúdico, com o tempo, com a alimentação. Odeio eles já que só querem uma vida suportável. Odeio quem acha minha vida insuportável. Eles só querem festa, e eu quero eles controlados para não abalarem a segurança da minha vida. Odeio quem vive de forma diferente, melhor, odeio quem vive, já que os que tomam o espaço público sabem viver e eu estou morto desde sempre.
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A infância, para mim, é a melhor fase da vida; mas as crianças são fascistas a partir do momento que se apropriam dos signos adultos, ou são apropriadas por eles. Antes disso, são consideradas primitivos. A criança aprende a odiar o controle dos pais, da cidade, do que for. O ódio cresce e vira monstruoso, mas todos dizem: você é feliz, tem que ser feliz, você é criança. Daí se derem para a criança uma arma, ela mata um judeu – os nazistas faziam isso. Faça o teste: dê uma pedra para uma criança e diga que ela pode jogar em alguém pertencente a uma minoria; ela vai jogar com prazer. As crianças odeiam, são neuróticas, e expressam isso muito bem; mas o senso comum diz que elas estão brincando, se divertindo
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Eu tava na sétima série numa cidade do interior. Meus colegas eram uns chatos, e os caras mais velhos não deixavam eu andar muito com eles, já que era mais novo. Daí aparece um novo aluno, que tinha vindo de Porto Alegre. A gente começa a andar juntos e se conhece bem. Ele era muito inteligente e ligado, parecido comigo. Ele tinha um irmão mais velho que curtia cultura pop, como eu. Nós dois, a gente já lia as boas revistas nacionais de rock, como a Bizz, lia os quadrinhos do Chiclete com Bananas; mas eu era um pouco mais infantil, já que ele tinha vindo da capital. Um dia, em aula, a professora de matemática tava meio puta já que a gente não parava de falar, de se socar, de rir alto. Ela vem até a gente no fundo da sala e olha as nossas classes; a gente tinha escrito “Coléra” nos tampos da mesa, a banda punk que tava ouvindo direto. Foi legal, ela olhou e falou meio maravilhada: Coléra? A gente matava aula e ia pra minha casa de manhã; não tinha ninguém, então não dava nada. A gente ficava curtindo o quarto do meu irmão, sua coleção de trezentos discos. Quando não dava pra ir pra casa, pros velhos não saberem que a gente tava matando aula, a gente curtia o centro da cidade. Um dia de manhã, a gente tava numa loja de discos vendo as capas e acha um do Pil. A gente diz: bahh, Pil, que massa! A gente não tinha ouvido ainda, mas já tinha lido algo sobre, e pediu pra ouvir. É difícil descrever essa sensação que me pegou durante toda a adolescência: descobrir uma nova banda, um novo estilo. E curtir rock não é só ouvir um som, mas ler sobre, ver filmes sobre, ir em shows, andar com certas pessoas, ter uma fascinação pela estética das bandas, se vestir como eles. Se eu levei bomba na sétima série já que não suportava ficar em sala de aula.... bem, na mesma época, nessa época que comecei a andar com o mano, eu li toda a coleção da Bizz do meu irmão, conheci inúmeras bandas, vi inúmeros filmes. Na Bizz tinha uma seção que era sobre a história, a biografia de bandas; era uma seção longa, com muito texto; de início, fiquei meio amedrontado com tanta informação, mas fui lendo aos poucos. Depois de um tempo, as edições que eu gostava, as reportagens que mais gostava – como a revista era mensal – eu lia inúmeras vezes durante o mês. Li a história dos Doors, Joy Division, Pink Floyd, Pistols, histórias regadas de drogas, sexo, suicídio, loucura; e a partir daí comecei a ficar mais que interessado nesse tipo de vida. Nesse tempo, achei numa locadora o filme sobre o Sid Vicious, Sid e Nancy. Assisti e achei ruim, achei poser, espetacularizado; claro que não defini o filme dessa forma com 12 anos, mas achei que muitas cenas eram forçadas, tipo: nos shows, no filme, Sid mal ficava no palco, não tocava o baixo, ficava brigando com a plateia. Quando vi isso pensei: não é assim um show, o cara que fez o filme não sabe nada de shows de rock. Demorei uns anos pra conseguir entender que era realmente assim um show com Sid no baixo. Outra cena que achei forçada: a primeira vez que Sid toma heroína é tipo um inferno, com todo mundo mal, vomitando. Pensei com minha sabedoria de 12 anos: nenhuma droga deixa alguém assim tão mal, que merda de filme; e depois de uns anos, entendi que a cena era bem realista. Os anos passaram e fui acumulando repetições de séries, mas, ao mesmo tempo, meu quarto começou a ficar pequeno com a quantidade de revistas que comprava. Além disso, depois de ter lido a biografia de todas a bandas da história do rock publicadas pela Bizz e em outras revistas, foi um passo pra virar um aficionado em literatura romântica, marginal. Tava fazendo supletivo com 15 anos, a gente matava aula direto, pra fumar maconha. Eu fumava e ficava na praça com o pessoal, ou fumava e ia pro fliper, ou fumava e descia até a esquina que tinha o melhor sebo de livros da cidade. Nessa época, li todos os livros do Bukowski e da geração Beat que encontrei; li toda a coleção Rebeldes e Malditos lançada por uma editora gaúcha. Mas o que importa disso tudo, obviamente, não é a história de um menino que lia e virou escritor... isso é um exemplo de uma linha de fuga precoce, típica daqueles que odeiam sala de aula, matéria escolar, mas tem um grande interesse pelo campo do saber, da arte, da cultura. O pessoal que tava em sala de aula tirando notas boas, na sétima, oitava série teriam maturidade pra ler, se interessar pela tradição romântica? Teriam maturidade pra criar uma vida centrada na luta contra a estrutura disciplinar, as hierarquias, os pais, os professores, os policiais, as leis, as regras, o controle? Durante minha vida, sempre tive contato com caras extremamente inteligentes, com posições políticas, existenciais louváveis, que não conseguiram nem terminar o primeiro grau. Os punks do centro de Porto Alegre nos 90 eram uns deles. Pobres, morando na rua, com vinte e poucos anos, apresentando erros enormes de norma culta na fala, mas que podiam conversar sobre comunismo e anarquismo. Também conheci muitos hippies, jovens, que vendiam artesanato, pobres, sem primeiro grau, que tinham um conhecimento enorme sobre culturas alternativas. E eles – os punks, os hippies, os jovens – podem não ter condições pra produzir obra, então produzem formas de vidas libertárias. Essa é a prática anarquista. Anarquismo não é só teoria, é prática como questão existencial, e essa prática talvez seja mais importante do que a produção consistente no campo do saber. O anarquismo que não se pratica, não é anarquismo; o anarquismo não aceita a dicotomia: vida e obra. Pra conhecer o anarquismo é mais importante estar com as pessoas, os coletivos do que ler. 

sábado, 2 de setembro de 2017

duas crônicas


Eu não aceito que me vejam como um fraco, um pobre, um gay, uma mulher, um perdedor, vou lutar para que me vejam como alguém bem-sucedido. Sou um pudico, um boca limpa, só uso belas palavras. Todos cagam, mijam, espirram, vomitam, transam, suam... corrimento sai da vagina, porra do pau, onda vermelha. Idiotas inspecionam as fezes. Sangue do nariz cheirado. O banheiro fede a merda, a mijo. A toalha usada tem o cheiro meu e dela. Mas escondo isso já que tenho vergonha do corpo, do meu corpo, do dela, de todos. Eu nunca menciono isso, não há merda em meu trabalho intelectual, já que intelectuais não tem cú. [......] Ela gosta do doce do pênis, ele gosta do doce do cú, eles e elas gostam do salgado da vagina. Ele beija ela depois de a chupar e nunca limpa a boca. Ela chupa o pau dele e ele beija ela. Ela chupa o pau do amante e depois beija ele, e ele faz algo parecido. Ele chupa a vagina do seu amor menstruada. Nós cultuamos urina, merda e sangue. Fumantes queimam a pele, e pele queimada tem o seu cheiro. Depois do corte rola a cicatrização, purulenta; e o pus é tão doce. Quando criança ele cagava, colocava os dedos nas fezes e pintava as paredes; virou um grande artista. Quem fuma conhece e muito bem o catarro, quem tem asma também. O catarro às vezes mais perolado como porra, às vezes mais amarelado, purulento, às vezes com sangue. Ele gosta de lamber a pele dela de noite, mesmo que ela só tenha tomado banho de manhã; gosta do gosto da axila meio depilada e daquele cheiro forte de gente no verão. Tava todo mundo no fumódromo, ou na fila do banheiro se beijando, se agarrando – sem penetração já que no caso era algo secundário – muitos já tinham vomitado, todos estavam com a boca seca dos crivos e da biras, muitos tinham herpes e hpv e nem sabiam; mas e daí? Anjos não são assexuados, anjos trepam em qualquer lugar, chupam o que aparecer na frente, só não chupam os próprios dedos. Beijar uma boca que acabou de vomitar é amor. [...] E tudo isso é feito por gente que sabe muito bem o quanto o corpo é podre e, por isso, delicioso. Essa gente não tem nojo de si, do seu corpo. Mas se essas relações com o corpo forem expressas na mesa de jantar, ou em sala de aula, ou na reunião da empresa, se forem faladas para a esposa, ou para as amigas delas, ou ao pai e a mãe, para as pessoas sérias de forma aberta, melhor, radicalmente aberta... quem fizer isso vai ser visto de qual forma? A assepsia da ciência; a ciência como um espaço para pessoas sérias falarem sobre coisas sérias; e o corpo que pulsa o tempo todo, caga e mija, sempre... isso deve ficar de lado.  [...] Burroughs é o corpo na literatura, principalmente as moléculas do corpo. Kerouac era um corpo em movimento na estrada, mesmo que em Big Sur as moléculas fossem expostas a partir do delirium tremens. [....] O louco queria que os banheiros de apartamentos tivessem uma sacada, grande. Daí ele acordaria de manhã e daria uma boa cagada curtindo a vista, as ruas, as pessoas, a cidade. Uma relação anal com a cidade. [....] “Coprolalia” é um termo interessante, se refere às expressões obscenas, mas que são usadas em poucos espaços, nas ruas, em ambientes de ócio. Quem tem Tourette sabe bem o que fala e faz: cospe, pula, xinga não está nem aí e que se foda. Ele fala a verdade, reconhece uma puta que esconde que é puta, ele a vê e diz, berra: sua puta! Quando tem alguém escroto, ele cospe nele, e sabe o que faz. Ele assusta já que mostra a verdade que ninguém quer ver. Sabedoria de quem tem Tourette, sabedoria dos loucos. [....] Os punks não são menininhas, curtem o corpo: o vocal do The Clash pegou hepatite já que cuspiram dentro da boca dele em um show; a famosa cusparada no show punk. Sid Vicious pegava água de latrina para se picar. Lou Reed queria que cagassem na cara dele. A banda xinga a plateia e a plateia xinga a banda, todos no show se cospem, se batem: o punk tem Tourette. Os Titãs sempre foram meio punks, eles não tinham medo de falar a verdade: “amor, eu quero te ver cagar”. [....] A sabedoria das pregas do cú. Quem dá o cú não fala sobre o cú ou dar o cú. O cara dá o cú, mas escreve sobre florzinhas e amor. Não fala, exatamente, do que conhece já que sabe que vai ser bloqueado nas redes sociais, não vai conseguir emprego em um jornal, vai se queimar em sala de aula... e se falar sobre dar o cú em uma revista acadêmica, vai ter que modular o tom, de tal forma, que o texto não tenha mais o cheiro doce de cú.
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O louco é tão louco que tem cinco sentidos, mais o sexto. Só que o sexto não é um sentido a mais, mas a relação entre todos os sentidos. [....] Ele sente um orgasmo especial quando transa, orgasmo no peito, no coração, no pulmão; sim, o coração quase explode junto do orgasmo genital, ou antes dele; antes ou junto, tanto faz, tão bom quanto. [....] O morto está morto, como disse Gullar, mas o louco está vivo, e o louco está louco. O louco não come uma vagina, ele é comido por ela. O louco vê ela sorrindo, mas sabe que ela está triste. O louco sabe que “um doze” pode ser “um vinte um”, e vinte às vezes está bom, é uma boa mesa no jogo de poker. [...........] A transa de um casal diz respeito aos dois, mas não apenas, diz respeito a muita coisa, muitas pessoas. Duas legiões que se encontram, não para entrar numa batalha, mas para produzirem algo em comum. Ás vezes funciona, às vezes não, e quando funciona... são as singularidades das duas legiões agindo em comum: um sentindo o outro na performance que não é teatro; sem nóias, chatices e frescuras. [....] Quando eles acordam – aquele casal que vira a noite – e tem umas seis camisinhas usadas no chão, bem usadas, eles dizem, sem vaidades, um pouco surpresos: a noite foi boa com a gente.... e, vamos transar antes do almoço? [....] O hipster entende as hipsters. Os casais hipsters são a união de dois indiferenciados. O hipster faz bem o papel de mulherzinha, de amigo, de carinhoso, ele sabe chupar como uma mulher. O hipster, para ser um, teve que se tornar isso: a melhor amiga da sua mulher na cama. O nerd, se ainda existem nerds – já que os hipsters são a evolução dos nerds –, o nerd é o gatinho na cama, reprimido, guiado pela mulher. Já o grosso, o rude, se sente mal na cama, sente vergonha e goza rápido, já que estar junto de alguém de uma forma íntima é quase impossível para ele. [....]