(escrevi esse texto pra uma disciplina. A idéia era produzir uma crítica das mídias. o exercício foi interessante, pois foi sugerido um texto menos endurecido que o texto acadêmico. Acho que ele se manteve duro, mas não tanto, pelo tamanho. O texto é antigo e foi publicado no blog do GPJOR. Posto aqui, pois acho que tem relação com a proposta atual do blog. Mas o texto é de uma época bem verde, ainda não estava amadurecida a recuperação do eixo teórico que trabalhei no mestrado.)
A “satanização” das comunicações diz respeito, em parte, a antiquada esquerda, que não consegue enxergar os possíveis da realidade não apenas comunicacional atual. Isso foi dito, com outras palavras, por Antonio Negri (1993), e entendemos que ele se referia à tradição apocalíptica, que, segundo José Luiz Braga (2002), por incrível que pareça, persiste nos dias de hoje, como seu oposto, os integrados. Para nós, essa corrente de pensamento (apocalíptica) atualmente, ou melhor, a partir da virada do século, se apóia na crítica negativa das novas tecnologias de comunicação e informação. Consideramos também que ela não se limita ao campo das mídias, pois as mudanças tecnológicas ocorrem conjuntamente a mudanças políticas, culturais e econômicas, próprias da globalização, ou, melhor, da ordem mundial que Negri e seu companheiro Michael Hardt nomearam, mais especificamente, de Império, no livro de mesmo nome (2006). Na obra, o conceito de Império se choca ao de multidão – potência positiva da realidade atual.
Mais ou menos na mesma época em que Império foi lançado, três textos apocalípticos surgiram, chorando o passado perdido, o declínio do Estado-nação, o fim das grandes narrativas, mesmo que o conteúdo principal seja a fobia frente às novas tecnologias de comunicação, principalmente a internet.
Esses textos de Joel de Rosnay (2002) e Ignácio Ramonet (2001; 2002) resumem muito bem um certo espírito derrotista, em que o passado se mantém como um fantasma. Para ambos, a internet é uma rede sem centro caótica, e as outras mídias são engolidas por ela. Neles, as mídias de massa tradicionais, estão em crise, e uma horda de bárbaros digitais se apropria do seu o espaço, e não há mais nada a fazer. Ramonet (2001) especifica essa discussão, tendo o jornalismo como objeto. Para o autor, esse tradicional instrumento das sociedades democráticas estaria sendo corrompido a tal ponto que sua morte é inevitável.
A proposta inicial deste ensaio era uma crítica das práticas jornalísticas, mas decidimos trabalhar com um tema mais amplo, as mídias como um todo, pois as questões expostas aqui não são restritas. Mas quando falamos em mídias, consideramos também, é claro, o jornalismo.
No ano em que Império (o livro) foi lançado, e também nos anos posteriores, o poder hegemônico foi abalado pelos governados e explorados, por uma insurgência global, que foi traduzida em Multidão: livro de Negri e Hardt (2004) que agora dá espaço maior as potências reais de transformação da ordem mundial. O livro vem de carona com as manifestações de Seattle, contra a guerra do Iraque, os Fóruns Sociais, alguns exemplos dessa insurgência. Multidão, como já acontecia em Império, vai de encontro à posição passiva apocalíptica – essa crítica pela crítica que nada propõe – e de forma alguma se alia aos integrados, pois a democracia real (sonho da multidão) não está dada, deve ser criada.
Algumas semanas atrás, o assassinato de um sem-terra, em confronto com a polícia, recebeu destaque nas mídias. O fato nos impôs a lembrança de que há uma resistência no Brasil consistente, que á aliada de resistências globais, como a Via Campesina e a rede Zapatista. Todas reivindicam a terra, este bem que deveria ser comum, de todos, como é a linguagem, nosso corpo humano, nossa produtividade que constrói o mundo.
Se de um lado há esse poder hegemônico, em que não há mais um sujeito em oposição bem definido, como no marxismo, o qual Ramonet chora – talvez sem saber –a falta; de outro lado, há essa multidão singular que se quer assim, e que resiste. A multidão, aos poucos, mina os poderes, sua revolução não chegará, ela acontece, é um processo em andamento.
Deveríamos nos perguntar de que lado nós estamos: aceitaremos nos misturar a multidão e lutar por uma realidade menos endurecida, ou apenas ficaremos sentados, chorando a perda de um passado provavelmente mais triste que a realidade atual?
Quanto ao jornalismo, talvez sua morte nos permita dar um passo para esta outra realidade, essa sim democrática. O corte entre produtores e leitores, no jornalismo, há muito separa a multidão, impõe hierarquias, permite que apenas poucos representem muitos – reflexo da democracia representativa. Mas como cada vez mais esse corte é esmaecido, a questão agora não é mais “quem vai falar”, mas “o que falar”.
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