quarta-feira, 30 de março de 2011

os mil platôs e o anti-édipo

Eu tentei experimentar alguns conceitos do Mil Platôs de Deleuze e Guattari na monografia quando estava na graduação. Tentei apenas, não sabia o que fazer com eles. Não entendia nada, mas não conseguia não ler. Parecia uma coisa meio masoquista. Na época eu queria ser escritor de literatura, e pelo menos nela algumas coisas se cristalizavam, mas por via dos afetos.

No mestrado comecei a sentir necessidade de fazer estudos de Deleuze e Guattari pela relação estreita entre eles e Negri e Hardt. Daí fui mais cauteloso, peguei vários livros e foquei em um conceito, o de devir. Fiz uma pesquisa rizomática de Mil Platôs, Cartografias do Desejo, Diálogos, entre outros. Também outros autores que fizeram sua leitura do conceito me ajudaram muito, como Giuseppe Cocco e Lazzarato. No fim consegui fazer uma boa fotografia da noção, e experimentei a criação de conceito de devir, o que chamo de devir-pobre do jornalismo. Mas o trabalho foi duro.

Acho que é duro ler os mil platôs, pois é pouco recuperado. Deleuze dizia que ele era como um filho bastardo e que por isso mesmo gostava tanto dele. Essa não recuperação faz com que o livro pareça absurdo à primeira vista, assustador, e por isso aberto a um campo de possíveis; que merece ser atualizado.

Tô pensando nisso, pois estou dando uma olhada no Anti-Édipo. O livro não vai me ajudar muito por focar na psicanálise, na desconstrução de Freud e Lacan. Me parece que tem uma diferença grande entre ele e os mil platôs.

Lia um texto de um pesquisador do campo da psicanálise que dizia: não dá para ler o Anti-Édipo e não dá para não o ler. Por isso uso um método, leitura rápida, me prendendo em uma passagem aqui outra lá, sem compromisso, leitura de superfície; e não achei ainda um eixo conceitual - que possa usar como ferramenta na pesquisa, que me interesse - para focar.

Recortei uma passagem do livro e colei abaixo. Trata do desejo de repressão, do desejo que produz real. Essa passagem é parecida com a fórmula de La Boétie e remete à inversão de Foucault: submissão voluntária ou insubmissão voluntária. E tem uma relação direta com o trabalho de Negri e Hardt (estes spinozianos): a soberania é uma relação, entre dominantes e dominados. Sobre fascismo e desejo é dito muita coisa nos mil platôs: o fascismo molecular de bando, as linhas de fuga mortíferas. Ser fascista molecular e libertário molar, o que é retomado em Cartografias do Desejo. Molecular e molar são os componentes da cartografia dos autores, os devires (moleculares) atravessam os segmentos molares.


Do Anti-Édipo, lá na página 33 (a leitura do primeiro capítulo valeu a pena só por essa passagem)

É por isso que o problema fundamental da filosofia política é ainda aquele que Spinoza soube formular (e que Reich redescobriu): «Porque é que os homens combatem pela sua servidão como se se tratasse da sua salvação?» Como é possível que se chegue a gritar: mais impostos! menos pão! Como diz Reich, o que surpreende não é que uns roubem e outros façam greve, mas que os explorados e os esfomeados não estejam permanentemente em greve; porque é que há homens que suportam há tanto tempo a exploração, a humilhação, a escravatura, e que chegam ao ponto de as querer não só para os outros, mas também para si próprios? Nunca Reich mostrou ser um tão grande pensador como quando se recusa a invocar o desconhecimento ou a ilusão das massas ao explicar o fascismo, e exige uma explicação pelo desejo, em termos de desejo: não, as massas não foram enganadas, elas desejaram o fascismo num certo momento, em determinadas circunstâncias, e é isto que é necessário explicar, essa perversão do desejo gregário.

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